Análise: The Great Villainess: Strategy of Lily é um RPG tático que brilha, provoca e transforma suas limitações em estilo

Ainda que não reinvente o gênero e nem esconda suas fraquezas, novo jogo da Alliance Arts constrói uma experiência coesa, viciante e carismática.

em 05/08/2025


Maria Antonieta foi a última rainha consorte da França antes da Revolução Francesa, famosa não apenas por seu trágico fim na guilhotina, mas também por sua vida de excessos, escândalos e pura estética. Retratada como frívola, vaidosa e praticamente uma celebridade — mesmo pelos padrões midiáticos do século XVIII, que se sustentavam basicamente na imprensa escrita e em arautos nas ruas —, brinca-se que ela poderia ser considerada a primeira socialite. Amada e odiada com igual intensidade, ela virou símbolo da elite decadente e desconectada do povo. Agora, imagine se, em vez de ser engolida pela revolução, ela resolvesse liderá-la — com espada em punho, salto no pé e os holofotes todos voltados para ela. É mais ou menos essa a premissa de The Great Villainess: Strategy of Lily, o novo RPG tático da Alliance Arts.

A Duquesa Rebelde

Scarlet é uma aristocrata conhecida justamente por sua postura não convencional e que está sendo acusada de assassinar o imperador. No meio do caos que colocou todos os holofotes do reino sobre ela, a duquesa cruza caminhos com Lily — e ambas acabam mortas em batalha. O fim, entretanto, foi só o começo, uma vez que as duas acordam em uma espécie de limbo, o chamado Dead End Theater, onde descobrem que ainda não podem morrer enquanto houver a chance de reescrever seus destinos.




A morte, então, foi só o primeiro ato e, de volta ao plano terreno, Scarlet e Lily fogem para o sul. Por lá, elas descobrem que a aristocrata é vista como símbolo de resistência — uma espécie de heroína de novela revolucionária. Lily, pragmática, logo entende o valor desse carisma político: com Scarlet como bandeira, ela vê a oportunidade de acender sua própria tocha e liderar uma nova revolta com o objetivo nada modesto de assumir o controle do reino.

Com uma pegada bastante escrachada, The Great Villainess tem um quê da série Disgaea, um sentimento bem acentuado não só pela estética de animezão, mas também pelo fato de se tratar de um RPG tático. Embora siga menos a vertente de gigantes do gênero, como a própria série da Nippon Ichi Software ou até Fire Emblem, assemelha-se mais à Nobunaga’s Ambition, uma terceira IP japonesa e prima esquecida das outras duas.




Assim, em vez de dispor as unidades em um grid, elas se espalham pelo mapa segundo caminhos mais ou menos lineares, com paradas onde os combates acontecem — formato também utilizado por Unicorn Overlord, aliás. Tais batalhas, por sua vez, funcionam como qualquer outro RPG clássico, mas só duram três turnos. Entra aí o fator estratégico de fazer valer cada ação, cujas execuções necessitam ou rendem um número determinado de pontos de movimento, o que resulta em uma dinâmica sinérgica.

Por serem conflitos tão curtos, todos os combatentes têm poucas opções de habilidades — normalmente duas (skill ativas e selecionáveis, no caso, já que há também algumas passivas que vêm com a evolução das unidades) às, além do ataque normal e da posição de defesa —, o que define funções combativas muito bem delimitadas para cada personagem. Como uma forma de complicar de leve as coisas, há uma dinâmica de pedra-papel-tesoura que aprofunda um pouco mais as batalhas.



A revolução será televisionada! Em streaming!

O sistema de batalha em turnos se integra a uma estrutura de progressão contínua, centrada em um mapa universal que representa a expansão da revolução. Partindo do sul, cabe às forças de Scarlet e Lily avançarem e enfrentarem os vários generais que encontram pelo caminho, deixando para trás uma espécie de trilha ligada à base geral e que serve como um canal de abastecimento. Esse rastro permite a movimentação livre das unidades e é responsável por recuperar o HP delas entre os turnos.

O jogo é bastante didático nesse aspecto, uma vez que a própria protagonista comenta, em mais de uma ocasião, de forma quase metalinguística, que pouco importa a perda de território, desde que a linha de provisão até ela permaneça firme.




Taticamente, cortar as linhas de suprimento inimigas é parte fundamental de uma estratégia mais ampla, quando entra a mecânica do dirigível. No início de cada turno, o jogador pode movimentar o zepelim em questão com o objetivo de exibir uma entre várias transmissões disponíveis, cada uma com um efeito distinto, como segurar o movimento dos oponentes, cortar seu abastecimento, ampliar o alcance de movimento das unidades no mapa, entre outros.

Uma dessas transmissões, especificamente, é o chamado streaming de captura. Quando ativo sobre as casas do mapa onde ocorre alguma batalha contra um dos generais (os chefes do game), ele permite que esses inimigos sejam feitos prisioneiros e, eventualmente, convertidos em aliados da causa de Scarlet — sendo essa a principal forma de reforçar a linha de frente da força rebelde.




É dessa mecânica, inclusive, que se desenrolam as principais possibilidades narrativas, uma vez que há dois finais principais distintos, além de outros menores, de ordem secundária. Cada desfecho depende do grau de cooptação dos generais: o jogador pode recrutar todos ou nenhum, avançando na campanha apenas com Lily e Scarlet, que recebe um bônus de força a cada chefão abatido.

Rebelião que não para

Com quase todas as mecânicas apresentadas logo no começo do jogo, o principal defeito de The Great Villainess recai sobre sua perceptível falta de evolução mecânica. O título se mostra simplista demais em vários aspectos e, por mais que essa seja sua proposta, ele poderia arriscar um pouco mais em termos de variedade. Falta diversidade no que diz respeito a mapas e habilidades, além da mais completa ausência de classes ou itens.




Nesse aspecto, a filosofia de “fácil de aprender, difícil de dominar” se faz bastante presente, especialmente na reta final. O número reduzido de golpes especiais e de possibilidades de combinação entre as unidades (cada batalha comporta, no máximo, cinco, dependendo da cada casa do grande tabuleiro que representa o mapa) exige que o jogador seja criativo em suas ações e movimentos. É preciso equilibrar a ousadia de avançar nos momentos certos com a paciência de esperar no contra-ataque até que a poeira abaixe, sempre correndo o risco de pisar em falso devido à ocasionalidade de algum erro.

Essa ausência de diversidade (em atributos, itens e classes), somada à falta de recursos que facilitem o fortalecimento de personagens menos utilizados, acaba exigindo algum grau de grind. Isso se torna ainda mais evidente considerando que The Great Villainess se desenvolve em um único e extenso mapa universal, no qual cada capítulo se inicia imediatamente após o anterior, sem permitir reorganizar manualmente as unidades, que seguem no estado exato em que terminaram.




Por conta desse fluxo contínuo, é sentida a ausência de alguma tela de interlúdio que disponibilizasse algum recurso de divisão de XP (e evitasse o problema do grind)  ou que, ao menos, estimulasse o jogador a assistir às conversas de afinidade entre as unidades.

A rigor, até uma tela puramente simbólica, permitindo o save manual, já ajudaria, uma vez que traria um respiro no meio da progressão contínua e ininterrupta da revolução. Ainda assim, mesmo o sistema de salvamento manual (recurso que já existe) é pouco relevante, já que o sistema automático é robusto, guardando o progresso no começo de cada novo ato e a cada nova rodada de jogo. Ele até apaga os registros mais antigos, mas há tantos slots disponíveis que é como se fossem praticamente ilimitados.




Aliás, ainda em relação aos interlúdios, nota-se como eles também poderiam ajudar a cadenciar melhor o ritmo do jogo que, por vezes, parece demasiadamente corrido e com muita informação sendo despejada de uma vez em relação à história.

De certa forma, isso resulta em uma jogabilidade viciante, que mantém o jogador engajado justamente por não oferecer digressões que quebrem sua atenção. Paradoxalmente, The Great Villainess pode parecer um pouco cansativo devido à simplicidade dos sistemas. Afinal, dois atos já são suficientes para mostrar absolutamente todas as mecânicas que o título tem a oferecer. Há pouca evolução além disso.




A reta final é a epítome dessas ideias contrastantes, mas que acabam convivendo justamente pela sequência de reviravoltas narrativas ocorrendo em simultâneo com uma escalada íngreme na curva de desafio. Nada, contudo, que realmente pareça quebrar o equilíbrio do jogo, até porque basta voltarmos ao grind ou abaixar a dificuldade no menu. Inclusive, a existência de uma mecânica que envolve o número de seguidores (um dos atributos de Scarlet e sua aliança rebelde, afinal, ela é uma verdadeira influencer) acaba favorecendo essa ideia de repetição em prol da evolução das unidades.

O game conta com uma bem-vinda configuração de ajuste de velocidade, o que até ajuda a acelerar as conversas, animações e ações do oponente, mas ela é pouco versátil. A agilidade normal (1x) é um tanto lenta, enquanto a única alternativa disponível, a quádrupla (4x), é rápida demais para acompanhar enquanto se sustenta alguma noção do que está acontecendo em tela.




Inclusive, esse modo acelerado também exige demais do processamento nessa reta final da campanha, quando começam surgir alguns problemas de desempenho, com a taxa de quadros caindo em situações de muitas unidades em tela.

Quase um RPG em point and click

Apesar de alguns tropeços pontuais, o conjunto de The Great Villainess é bem redondinho. A apresentação visual é um charme que só e faz um trabalho muito agradável ao mesclar os sprites 2D com os ambientes 3D em estilo voxel. As ilustrações também são belíssimas e casam muito bem com a parte gráfica em si, resultando em uma identidade visual harmoniosa, carismática e agradável.





A própria ambientação é sublime, criando uma atmosfera europeia clássica, mas, ainda assim, aplicando nela alguns elementos modernos com naturalidade, como a própria ideia de transformar Lily em uma influencer e brincar com a noção de que os simpatizantes da revolução também funcionam como seguidores de rede social.

A única ressalva fica por conta dos menus que, embora funcionais, poderiam ser um pouco mais convidativos ou didáticos. Um problema recorrente durante a campanha foi a ausência dos nomes dos personagens abaixo dos minirretratos em batalha. Trata-se de algo que facilitaria bastante na hora de garantir que o assist seja lançado na unidade correta, principalmente quando se trata de um aliado recém-adicionado cujo nome ainda não está decorado.




Outro pensamento que surgiu é que a animação de vários ataques especiais poderia ser um pouquinho mais espalhafatosa, o que ajudaria ainda mais na caracterização de cada unidade. Contudo, essa indagação perde relevância e pode ser minimizada quando se considera o carisma natural que o jogo já ostenta por si só.

Por fim, começar Strategy of Lily pela primeira vez pode causar um certo choque devido ao aviso de que o game não é compatível com controle via Steam. Isso pode ser um problema para algumas pessoas — e normalmente seria para mim, que costumo preferir esse estilo como padrão. De fato, trata-se de uma carência, mas a jogabilidade logo se mostrou tão funcional sem um controlador que essa incompatibilidade nem foi sentida.

Aliás, nem o teclado eu precisei usar. Deu para terminar a campanha — que durou por volta de umas vinte horas no objetivo de transformar todos os generais em aliados — 100% no mouse.



Ou você morre vilã, ou vive o suficiente para se tornar a heroína

The Great Villainess: Strategy of Lily pode não ter o peso histórico ou a complexidade dos clássicos do gênero, mas tem algo que poucos jogos conseguem exibir com tanta naturalidade: presença. Tal como sua carismática protagonista, o título não pede licença, chegando de salto alto e com muito brilho nos olhos, destacando-se por sua solidez, jogabilidade viciante e apresentação carismática. É uma estreia que, se não vai mandar a nobreza para a guilhotina, pelo menos garante que ninguém se distraia enquanto desfila em campo de batalha de uma maneira deliciosamente subversiva.

Prós

  • Sistema de batalha enxuto e dinâmico, fácil de entender;
  • Campanha viciante e com ritmo acelerado;
  • Mecânicas táticas criativas, como a linha de suprimento e o uso estratégico do dirigível;
  • Estilo visual charmoso que mescla bem o 2D e o voxel em 3D;
  • Narrativa envolvente, bem escrita e divertida, com diálogos naturais, possibilidades de escolha e personagens interessantes;
  • Boa integração entre história, mecânicas e progressão geral do game;
  • Dois níveis bem distintos de dificuldade que podem agradar tanto os jogadores atrás de desafio quanto aqueles que só querem acompanhar uma boa história.

Contras

  • Pouca variedade de mapas e habilidades no decorrer da campanha;
  • Grau de personalização um pouco baixo, cuja ausência de classes ou itens é sentida devido à carência de diversidade do jogo em alguns momentos;
  • Interface e menus poderiam ser um pouquinho mais acessíveis e didáticos em alguns aspectos;
  • Desempenho instável na reta final;
  • Falta de suporte a controles através do Steam.
The Great Villainess: Strategy of Lily — PC — Nota: 8.5
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital cedida pela Alliance Arts
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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