Análise: Story of Seasons: Grand Bazaar — de agricultor familiar a homem de negócios

Remake de título lançado originalmente no Nintendo DS oferece o jogo mais sólido da franquia em anos.

em 26/08/2025


A história por trás da série Story of Seasons já é bem alastrada: antes, ela era distribuída no Ocidente como Harvest Moon pela Natsume até que a própria Marvelous decidiu assumir as rédeas e precisou rebatizá-la devido ao fato de não ser detentora do nome internacional. Sem acesso aos títulos antigos em sua forma original, a empresa passou a reintroduzi-los no mercado através de remakes. Story of Seasons: Grand Bazaar é uma dessas empreitadas.

Mulher bonita não paga, mas também não leva

Lançado originalmente no Nintendo DS, Grand Bazaar tem o pontapé inicial bastante comum para o gênero de simulação de fazendinha. O prefeito coopta o personagem principal a assumir uma fazenda decadente e, por consequência, trazer prosperidade para aquela região. O principal diferencial de Zephyr Town, entretanto, é a sua grande feira, que ocorre todos os sábados.




Assim, ela logo se torna o principal motivador do ciclo do jogo, uma vez que o jogador, que antes tinha a responsabilidade apenas de produção dos bens agropecuários, agora precisa assumir o contato direto com o consumidor final no bazar. Trata-se de um processo bastante interessante e que envolve um gerenciamento adicional porque, ao contrário dos outros jogos, cuja renda é diária, é necessário agora planejar todo o estoque a fim de desová-lo no fim de semana.

Chegando o sábado, o bazar abre o primeiro turno às 10h. O jogador precisa primeiro determinar quais itens do inventário particular e do depósito vão a estoque e, então, abrir a sua banquinha. Daí, começa um mini-jogo em que os potenciais clientes passam pelo estabelecimento e cabe ao jogador chamá-los com o chacoalhar de um sino. Com a atenção conquistada, eles podem demonstrar interesse direto em alguns dos itens que podem ser deliberadamente expostos no balcão ou insinuar que estão atrás de algo no estoque.




Cada venda é feita manualmente. Se o jogador demorar muito, os clientes perdem o interesse. Então, trata-se de uma dinâmica bastante corrida, mas nada realmente complicado ou minimamente frustrante. Com o fim do primeiro turno às 14h — ou antes, caso todos os itens do estoque tenham sido vendidos — o jogador está livre por uma hora antes do segundo, às 15h. No começo, a existência de dois turnos pode parecer um exagero, mas, com o tempo, a produção da fazenda pode ficar tão robusta que ambos os períodos se mostram bem necessários.

Ao fim de cada dia, a contabilidade dos rendimentos aparece na tela e o valor pode contribuir para a evolução do nível geral do Grand Bazaar. O andamento da história principal, então, está atrelado a esse progresso, com excertos de história que vão revelando o que aconteceu para a feira de Zephyr Town ter decaído tanto com o tempo.




Esse desenvolvimento da feira também é responsável por atrair novos vendedores, cujo serviços também são úteis ao jogador, uma vez que eles podem ajudar com a reforma da fazenda, disponibilizando sementes e mudas raras ou desbloqueando novas habilidades que ajudam no trabalho diário.

Nota-se que, além de só vender as produções — cuja qualidade pode variar de acordo com a qualidade das sementes utilizadas, solo em que são cultivadas, etc —, há formas de valorizar sua marca e otimizar os lucros, como enfeitando a própria banca ou solicitando ajuda dos espíritos da floresta.



Um dia de cada vez em Zephyr Town

De resto, a jogabilidade segue de uma forma padrão para a série, algo que pode ser colocado em prática de uma maneira mais deficitária — como ocorreu em Pioneers of Olive Town, cujo núcleo bucólico não é lá essas coisas em comparação aos seus aspectos de crafting —, ou com bastante competência, como é o caso de Grand Bazaar.

A rotina diária, então, segue como de costume, acordando logo cedo para regar as plantas, fazer a colheita quando necessário e cuidar dos animais, ordenhando as vacas, coletando os ovos das galinhas e tosando as ovelhas. Um dos diferenciais de Grand Bazaar, entretanto, é a existência dos moinhos de vento, que servem para o processamento de certas matérias-primas.




A mecânica de utilizar máquinas para transformar leite em queijo ou ovos em maionese já é clássica na série, mas o título traz um grau maior de complexidade ao ampliar suas possibilidades, sendo possível produzir versões mais complexas dos itens mais tradicionais, adicionando certas ervas, como vegetais em conserva, ou até mesmo confeccionar bijuterias mais caras com os minérios extraídos das pedras de mineração da área verde.

Socialmente, Zephyr Town também faz um bom trabalho para os padrões da série. Como de praxe, o game conta com uma mecânica de casamento em que o jogador pode cortejar algum dos dez pretendentes disponíveis (dois inéditos em relação à versão de DS) até o matrimônio. Nota-se também que essa nova edição se preocupou em reescrever vários dos personagens — pretendentes ou não — a fim de trazer mais personalidade e consistência a eles, um revés sentido do jogo original. É legal ver que os habitantes interagem entre si durante o dia a dia, parece mesmo que Zephyr Town é um lugar recheado de vida.




O design geral do mapa aberto também é bastante sólido, sendo bem agradável passear pela cidade utilizando seus vários atalhos, caso seja necessário cortar caminho para chegar em alguma localidade com maior agilidade — como a praça onde o bazar ocorre. Também é possível utilizar o cavalo, quando desbloqueado, ou um planador, caso o vento esteja forte o suficiente.

Esse sistema da força do vento, inclusive, também funciona para agilizar o serviço dos moinhos, mas ele não pareceu muito útil na correria do dia a dia, mesmo quando a linha de produção de tais cataventos estava cheia. Adicionalmente, a brisa vai sempre soprar para a direção sudeste. Dá para entender que é uma decisão estratégica, considerando o funcionamento dos mapas, mas essa inflexibilidade parece pouco natural dentro de tantos sistemas aleatórios que o jogo traz no intuito de simular a imprevisibilidade das forças da natureza.




Outro aspecto que pode gerar certo estranhamento, dependendo do perfil do jogador, é o da passagem do tempo, que parece relativamente vagarosa, especialmente dentro do padrão de outros títulos mais clássicos da série.

É óbvio que, com mapas tridimensionais cuja travessia se mostra mais complexa, é necessário ajustar a velocidade do relógio. Contudo, para se ter uma ideia, com quase cinquenta horas de jogo, mal tinha dado tempo para chegar no inverno do primeiro ano. Para complementar e, provavelmente, como um mecanismo compensatório dessa desaceleração do ritmo, vários dos eventos previstos para ocorrer em situações de campanha bem posteriores já tinham se desenrolado logo nas primeiras estações do remake.




Considerando que o progresso da que pode ser considerada a campanha principal — a evolução do bazar e o sistema de casamento — já estava quase no fim antes mesmo de alcançar o segundo ano, com uma infinidade de recursos facilitadores já desbloqueados, é uma preocupação válida que o título deixe de oferecer estímulos para que ele seja jogado continuamente nos anos subsequentes.

Ao menos, trata-se de um simulador atarefado, mesclando as atividades de gerenciamento do dia a dia com os fins de semana no bazar e os festivais sazonais (com vários inéditos para esta edição). O remake de A Wonderful Life tinha o problema de ser lento e com poucas atividades cotidianas, ao contrário de Grand Bazaar, quando me via trabalhando até altas horas da noite, o que fazia com que o personagem acordasse mais tarde e, por consequência, atrapalhasse a rotina. Nada muito diferente da vida real, no fim das contas.




A nível técnico, é seguro afirmar que é um dos Story of Seasons mais bonitos já produzidos até hoje, considerando o quão envelhecido pode ser o visual de alguns dos mais antigos, algo evidenciado pela nova versão de A Wonderful Life, enquanto outros, mais novos, trazem um visual que fede a jogo mobile (como Pioneers of Olive Town) ou que se parecem com os famigerados Buddy Poke do Orkut (no caso do remake Friends of Mineral Town).

É uma pena que o mesmo não possa ser dito da trilha sonora, que não conta com melodias tão marcantes e que façam jus ao subestimado histórico da franquia. As músicas parecem apenas estar lá, rodando de fundo, sem necessariamente embalar tematicamente o jogador a cada estação ou promovendo um sentimento maior de imersão durante os eventos importantes da história.

Em Grand Bazaar, a identidade visual em si é um verdadeiro charme, apesar de algumas movimentações esquisitas durante as cutscenes. Os visuais revitalizados dos personagens clássicos são de muito bom gosto e ainda contamos com o retorno dos retratos acompanhando as falas. É algo que pode parecer simplório, mas cuja ausência nos jogos anteriores da marca fez uma ausência tremenda.



O Story of Seasons mais sólido em anos 

É curioso como tem muito jogo que não passa de uma remasterização de luxo, mas que fica se vendendo como remake completo, enquanto Story of Seasons: Grand Bazaar é quase outro jogo em relação ao original, mas ainda assim tem a humildade de renegar a terminologia. Tudo nele está no devido lugar e é muito bacana que a Marvelous esteja, enfim, acertando a mão com a marca. Se esse remake serve como um aperitivo para o próximo jogo inédito da franquia, dá para começar a criar expectativas enquanto despendemos o nosso tempo ajudando o bazar de Zephyr Town a recuperar seus dias de glória.

Prós

  • Mecânicas envolvendo o Grand Bazaar servem como um respiro positivo e trazem um diferencial agradável em relação aos outros títulos da franquia;
  • Cotidiano atarefado de tarefas em uma Zephyr Town que parece estar viva;
  • As novas adições que o remake promove em relação ao original, como os novos pretendentes ou festivais, são muito bem-vindas;
  • É certamente o Story of Seasons mais bonito até a presente data.

Contras

  • Desbloqueio cedo de certos recursos podem fazer com que os anos seguintes, sem tantas novidades, caiam no ostracismo;
  • Fluxo de tempo mais lento pode atrapalhar alguns perfis de jogador;
  • Mecânica envolvendo a força e a direção do vento não parece muito integrada com o resto dos sistemas de natureza;
  • Trilha sonora genérica, não fazendo jus ao subestimado histórico da série nesse aspecto.
Story of Seasons: Grand Bazaar — PC/NS/NS2 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Marvelous USA
OpenCritic
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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