E qual a maluquice da vez? Pois bem: neste queridíssimo mini-mundo aberto, controlamos Jovem, adolescente de 13 anos cujos braços estão presos em uma T-pose desde que se entende por gente. Jovem, cujo gênero é ambíguo, deve navegar o mundo nessa condição, mas não está só: com a ajuda de seu cãozinho Cão, de sua mãe e de mais uma série de personagens malucos, é possível fazer qualquer coisa de que precisar, de escovar os dentes a voar pelos céus.
A alegoria para pessoas com deficiências (especialmente físicas) é bastante óbvia: tanto é que o jogo foi desenvolvido em parceria com a AbleGamers dos EUA, para se certificar de que a representatividade nesse sentido fosse bem escrita. Spoiler: foi! to a T combina um bom humor surrealista a sentimentos profundos de gentileza e pertencimento. Tá na hora de conTar mais!
“Afirme sua dominância”
Diferentemente dos outros jogos de Takahashi, to a T se destaca no mundano. É claro que ainda temos as loucuras esotéricas das quais o diretor tanto gosta, mas, desta vez, o pano de fundo principal é relativamente simples. Todos os dias, seguimos a rotina comum de Jovem, realizada do seu jeitinho em forma de T: trocar de roupas, lavar o rosto, usar o banheiro, tomar café.
O que mais encanta é como cada ação é pensada. Este jogo cativou tanto minha imaginação que acabei tentando fazer tarefas do dia a dia (incluindo escrever uma pequena parte desta análise) com os braços em T. É bem mais difícil do que parece! Imagino que o mesmo exercício tenha sido conduzido na criação das ferramentas especiais usadas por Jovem: colheres e escovas longas, uma torneira acessível e um cachorrinho muito esperto que aperta o tubo da pasta de dente. O cuidado ao se pensar o dia a dia de alguém com essa condição fictícia é notável.Os controles também se prestam a esse fim: nos minigames de rotina matinal, as várias partes do corpo de Jovem são controladas individualmente. É um analógico para mexer a cabeça, um para o torso ou braço, botão para a mão e por aí vai. Às vezes, chega até a ser inconveniente, mas é o ponto: se Jovem não tem a vida simples, você também não vai ter, mas vai lentamente aprender a se adaptar. A dificuldade gera também um certo humor, a fim de não exatamente rir de Jovem, mas com Jovem. Ser um T é barra!
Mas não vá pensando que as coisas param por aí. Ao longo de aproximadamente 6 horas de jogo, to a T vai revelando uma série de novas ideias, se utilizando tanto da postura incomum de Jovem quanto das histórias dos personagens coadjuvantes, que recebem o tempo adequado para brilhar.
Mesmo sem exatamente receberem um pano de fundo completo que revela todos os seus traumas de infância ou coisa do tipo, cada habitante dessa cidadezinha costal dá a impressão de ser uma pessoa completa, que não só para de existir quando a câmera não foca nela. Isso faz com que o pequeno mundo aberto se torne um lugar vivo, ao criar o sentimento de que há realmente pessoas morando por aqui.O único ponto negativo da exploração é que a câmera é completamente fixa e só se mexe quando quer, o que confundiu meu senso de profundidade (por exemplo, achei que uma certa moeda estava na minha frente, mas na verdade precisei me deslocar mais para o lado para conseguir pegá-la). Também encontrei alguns bugs, incluindo um que removeu todo o som de uma certa cena; contudo, como joguei a versão beta, pode ser que já tenham sido corrigidos.
Imagine um sábado de manhã da sua infância
O outro grande elemento que to a T tem a seu favor é a estrutura narrativa. Takahashi e equipe escolheram apresentar a história de Jovem como se fosse um desenho animado, com direito a música de abertura e encerramento, o que harmoniza perfeitamente com a atmosfera excêntrica. Como todo bom programa para crianças, os absurdos cotidianos e comédia nonsense se complementam muito bem com as mensagens positivas sobre encontrar seu lugar no mundo.
Nesse sentido, a localização para português brasileiro também é digna de elogios: apesar de ter esbarrado em algumas nuances impossíveis de traduzir (por exemplo, quando damos um nome a Jovem, ele tem de começar com J; no original, seu nome é Teen, o que dá a entender que a letra obrigatória deveria ter sido o T, para bater com a temática do jogo), várias soluções encontradas pelo time da TransPerfect Gaming conseguiram preservar a essência do texto. Meu exemplo favorito foi quando traduziram “trains are cool” como “trem é legal”, que não está no plural, mas flui com mais naturalidade.Todos temos a forma perfeita
to a T é uma carta de amor à humanidade e às diferenças que nos fazem tão especiais. Seu senso de humor absurdo anda de mãos dadas com essa paixão pelo distinto e embala uma experiência de fazer sorrir de orelha a orelha. É, sem dúvida, um exemplo perfeito do porquê a visão de mundo onírica de Keita Takahashi é tão amada mundialmente; vale mais do que a pena conhecer o mundo em formato de T de Jovem, Cão e companhia.
Prós
- História sincera e bem-humorada;
- Controles inconvenientes de propósito criam comédia e empatia ao mesmo tempo;
- Mundo aberto vivaz, divertido de explorar e se perder;
- Estrutura episódica, que conta com tema de abertura e encerramento, diverte e fascina;
- Ótima localização para o português.
Contras
- Câmera fixa é inconveniente durante alguns segmentos;
- Alguns problemas técnicos atrapalham a imersão.
to a T — PC/PS5/XSX — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Annapurna Interactive