Sega Saturn, o querido e polêmico console 32 bits da casa de Sonic, completa 30 anos

Entre guerras internas e competindo com uma rival inesperada, o Saturn se mostrou uma das plataformas mais únicas dos anos 1990.

em 15/11/2024

A troca de gerações de videogames era um marco na indústria durante suas primeiras décadas, com cada novo console não apenas apresentando melhorias audiovisuais, mas também trazendo inovações na jogabilidade. Uma das transições mais memoráveis foi a passagem da era dos 16 bits para os 32 bits. Apesar de começar de forma morna com o lançamento do 3DO, o público estava ansioso para ver as novas apostas dos principais fabricantes de hardware de jogos.


A Sega, que desfrutava de grande popularidade com o Mega Drive na América e na Europa, enfrentou dificuldades nessa transição. Como mencionado no post sobre o 32X, as divisões americana e japonesa da empresa viviam uma disputa interna, fruto de suas diferentes filosofias de negócios — e um pouco de ciúmes por parte da sede japonesa, já que no Japão o Mega Drive não conseguiu competir diretamente com o Super Nintendo e o PC Engine.

Nesse contexto de rivalidade interna, a Sega decidiu apressar o lançamento de seu novo console, o Sega Saturn. O objetivo era lidar com o fracasso relativo do Mega Drive no Japão e aproveitar o momento da chegada da nova geração de videogames. O Saturn, uma evolução natural do seu antecessor, focaria em gráficos 2D de alta qualidade e nas vantagens dos CDs como mídia. No entanto, a chegada do PlayStation, da Sony, mudou completamente o panorama, forçando a Sega a reavaliar suas estratégias e impactando profundamente o futuro da empresa na indústria.

Planejamento questionável de hardware

A ideia inicial do Sega Saturn era realmente focar em jogos 2D, pois, naquele momento, a Sega não via um futuro promissor no 3D — o que é irônico, considerando o foco em gráficos 3D de sua divisão de arcades. O projeto original pretendia entregar o ápice da pixel art, oferecendo uma qualidade de cores, resolução e processamento gráfico muito superior ao antigo Mega Drive.
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No entanto, com a estratégia de marketing do PlayStation destacando o 3D e conquistando rapidamente os jogadores, a Sega se viu em uma posição difícil. Isso forçou a equipe de hardware a fazer ajustes significativos no planejamento do console, incorporando capacidades de processamento poligonal. Isso levou o Saturn a se tornar um console complexo, com multiprocessamento avançado para a época.

O Saturn conta com duas CPUs idênticas, o Hitachi SH 2, trabalhando em conjunto. Embora isso pareça ter algum potencial, o desempenho depende de um barramento compartilhado, exigindo uma programação habilidosa para evitar congestionamento de dados. Com a mudança de foco para o 3D, um terceiro chip foi adicionado para acelerar o cálculo de vetores, aumentando ainda mais a complexidade do sistema. Considerando que as CPUs possuiam pequenos núcleos em cada um, o console tinha praticamente oito processadores para trabalhar.
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A parte gráfica do Saturn ficou a cargo de dois chips especiais, os VDPs, semelhante ao funcionamento do Mega Drive. O VDP1 lidava com sprites e gráficos poligonais, enquanto o VDP2 cuidava de grandes planos de fundo e aplicava correções de perspectiva nas texturas 3D, além de pós processamento, como iluminação e transparências. No entanto, esses efeitos eram bastante difíceis de implementar no Saturn, exigindo mais esforço dos desenvolvedores.

O maior ponto forte do Saturn estava na sua capacidade de lidar com gráficos 2D, graças à maneira como processava sprites e à sua memória RAM robusta. O console possuía 2 MB de memória nativa, com possibilidade de expansão via cartucho para mais 1 MB ou até 4 MB adicionais. Essa flexibilidade fez com que o Saturn fosse uma excelente escolha para conversões de jogos de fliperamas, muitas vezes superando a fidelidade gráfica dos concorrentes. Se você tiver interesse em explorar mais sobre as especificações técnicas do Sega Saturn e de outros consoles, recomendo a leitura no site Coppeti, que oferece uma análise detalhada de hardware.
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Mesmo tendo capacidade, o processo dos VDPs dificultavam o uso de transparência real no Saturn.
Já o controle é uma evolução direta do antecessor, com aquele clássico layout de seis botões, mas com dois botões de ombro adicionais. Enquanto o controle americano é mais largo, o japonês com direcional emborrachado é tido como um dos mais confortáveis já lançados.

Recepção aceitável no Japão, um desastre no Ocidente

O Sega Saturn foi lançado no Japão em 22 de novembro de 1994 com pressa evidente por parte da Sega, que queria competir diretamente com o lançamento do PlayStation. Devido à pressa, o único jogo dela disponível no lançamento foi um port apressado de Virtua Fighter. Mesmo assim, o console teve uma recepção razoável no mercado japonês, principalmente por focar em títulos populares na região, como RPGs e Visual Novels, que agradavam bastante ao público local — e uma ajudinha de marketing, especialmente daqueles envolvendo o lendário Segata Sanshiro.
Sakura Wars, franquia da Sega que mistura visual novel, RPG tático e simulador de namoro, estreou no 32 bits e fez bastante sucesso no Japão.
No entanto, fora do Japão, o desempenho do Saturn foi desastroso. O console foi lançado de surpresa nos Estados Unidos em 1995 durante a primeira E3, pegando tanto jogadores quanto lojistas desprevenidos. A Sega escolheu apenas algumas varejistas para vender o Saturn, o que gerou uma retaliação por parte das lojas que ficaram de fora, recusando se a vender qualquer produto da Sega. Isso minou as chances do console ter um lançamento bem sucedido.

No Brasil, a situação também foi complicada para a Tectoy, representante da Sega no país. O Saturn chegou por R$ 800, uma quantia alta considerando que o salário mínimo da época era inferior a R$ 100. Além disso, o preço elevado dos jogos, aliado ao crescimento da pirataria do PlayStation, tornou o console menos atraente para os consumidores brasileiros; em compensação, foi o único mercado fora do Japão que recebeu o lindo modelo branco.

Essa época ficou marcada por uma série de decisões erradas da Sega. O lançamento do Sega 32X, seguido pela chegada apressada do Saturn, péssimas estratégias de marketing e a popularidade crescente do PlayStation, além dos jogos inovadores da Nintendo, contribuíram para o fracasso do Saturn no Ocidente. Em apenas dois anos, a Sega já estava planejando a próxima geração de consoles e reformulando completamente sua divisão de hardware — decisões que acabaram sendo tomadas tarde demais, como a história nos mostrou.

Um repertório diferenciado de aventuras

Apesar de seus muitos desafios, o Sega Saturn conseguiu reunir uma biblioteca de jogos de grande destaque. O console se tornou um refúgio para experiências de arcade em casa, principalmente em títulos desenvolvidos pela própria Sega e suas divisões. Além disso, o suporte de third parties foi mais consistente do que o visto no Nintendo 64, oferecendo uma variedade maior de títulos. Exploremos alguns dos destaque do Saturn:

Astal: um exemplo do poder gráfico 2D do Saturn, Astal é um jogo de plataforma no qual o personagem usa ataques de agarrão, socos e chutes para avançar. Com sprites lindamente animados e cenários que parecem desenhados à mão, o jogo faz um excelente uso dos efeitos de zoom e rotação do console;


Astra Superstars: desenvolvido pela Sunsoft e originário dos arcades, Astra Superstars é um jogo de luta cujos personagens lutam enquanto flutuam, oferecendo liberdade de movimentação vertical e diagonal. Com visuais coloridos e efeitos de distorção, o design dos personagens lembra o estilo vibrante de Waku Waku 7;


Burning Rangers: criado pela Sonic Team, Burning Rangers é um jogo de tiro em que controlamos “bombeiros futuristas” que resgatam reféns e apagam incêndios. O personagem usa um jetpack para alcançar locais altos, proporcionando uma jogabilidade tridimensional diferenciada para a época, especialmente para o gênero;


Enemy Zero: desenvolvido por Kenji Eno (de D), Enemy Zero é um jogo de terror com foco em exploração. Usando vídeos pré renderizados e exploração em primeira pessoa, o jogo segue a protagonista Laura enquanto tenta sobreviver a ataques de armas biológicas em uma nave espacial;


Fighters Megamix: um crossover entre Virtua Fighter e Fighting Vipers, que também inclui personagens inusitados como o carro Hornet de Daytona USA, além de Bean e Bark de Sonic the Fighters. O jogo mistura mecânicas e personagens de ambas as séries, oferecendo uma experiência mais casual que os combates mais técnicos convencionais dos títulos da AM2;


Guardian Heroes: beat'em up da Treasure que mistura elementos de RPG e jogabilidade separada em três “lanes”. Cada personagem tem habilidades únicas, e os controles se assemelham aos de jogos de luta. As fases oferecem diferentes caminhos baseados nas decisões do jogador, deixando cada aventura bem única;



Nights into Dreams…: primeira produção da Sonic Team para o console e a tentativa de um novo mascote, Nights é um “jogo de voo” em que devemos passar por uma fase passando por argolas, coletando itens e vencendo um chefe no final, sempre tentando finalizar cada rodada com um ranque alto. Por passarmos por terras de sonhos, os cenários que visitamos são bem abstratos e inventivos;

Panzer Dragoon: um dos títulos iniciais do Saturn, Panzer Dragoon é um jogo de tiro on rails similar a Star Fox. Montado em um dragão, o jogador atravessa um mundo exótico e impressionante, combinando elementos medievais e futuristas;

Panzer Dragoon Saga: considerado o “Final Fantasy VII” do Saturn em escopo de produção, Panzer Dragoon Saga é um JRPG que mistura combate em turnos com batalhas de dragão e exploração de dungeons, contando com uma história densa e cheia de cenas em CG com dublagem. É um dos jogos mais ambiciosos e visualmente impressionantes do console;

Powerslave: um “precursor” de títulos como Metroid Prime, Powerslave é um jogo de tiro em primeira pessoa com uma estrutura de metroidvania. O jogo aproveita uma engine especial para lidar com polígonos e texturas eficientemente, oferecendo uma experiência gráfica impressionante no Saturn;
Princess Crown: um RPG de visão lateral desenvolvido pela Atlus, Princess Crown se destaca pelos belos gráficos e combate em tempo real, no qual o jogador executa ataques combinando botões e direcionais, tomando cuidado com uma barra de estamina que determina nosso momento de ofensiva e de recuo;
Radiant Silvergun: antecessor espiritual de Ikaruga, Radiant Silvergun é um shmup bullet hell com diferentes tipos de armas que podem ser combinadas para criar uma variedade de ataques distintos. O jogo exige habilidade para absorver ataques e acumular energia para movimentos especiais;

Sonic 3D Blast / Sonic Jam / Sonic R: o Saturn não teve um jogo principal do Sonic, mas recebeu três spin offs: Sonic Jam, coletânea de ports nativos dos Sonics de Mega Drive, além de contar com um mundo 3D explorável com materiais de coleção; Sonic R, jogo de corrida com controles horríveis, mas gráficos impressionantes e uma trilha sonora icônica; e Sonic 3D Blast, port do jogo de 16 bits com melhorias gráficas para o Saturn, lançado como um tapa buraco para o fracasso do desenvolvimento de Sonic X Treme;

Virtua Fighter 2: um marco técnico para o Saturn, Virtua Fighter 2 trouxe gráficos surpreendentes e uma adaptação impressionante do hardware de arcade Model 2, rodando a 60 fps e com uma resolução alta (704×480, contra a comum de 320×224) para a época;

Jogos de Luta da Capcom e SNK: o Saturn se tornou uma excelente plataforma para ports de arcades de outras fabricantes, recebendo conversões quase perfeitas de títulos da CPS2 e Neo Geo, como The King of Fighters, Street Fighter Alpha e os crossovers X Men vs. Street Fighter e Marvel Super Heroes vs. Street Fighter. O cartucho de expansão de memória RAM ajudou a melhorar a qualidade das animações e a reduzir os tempos de carregamento.

A biblioteca do Saturn inclui muitos outros títulos memoráveis, como Shinobi Legions, Shining Force III, Shining the Holy Ark, The House of the Dead, Castlevania: Symphony of the Night, Saturn Bomberman, Quake, Vampire Savior, Last Bronx, Grandia, Golden Axe: The Duel, Bug!, Mega Man 8, Die Hard Arcade e Magic Knight Rayearth. Gostaria de falar mais sobre cada um deles, mas o artigo ficaria ainda maior!

O início do declínio representado por uma plataforma competente

O Sega Saturn marca o começo do fim para a Sega como fabricante de hardware, sendo um reflexo das lutas internas constantes entre suas divisões e do impacto de uma concorrência mais agressiva, liderada pela Sony e pela Nintendo. A corrida para lançar o console apressadamente, estratégias de marketing errôneas, somada a uma arquitetura complexa e difícil de programar, além da ausência de um título principal do Sonic, prejudicou as chances do Saturn de competir de igual para igual na geração de 32 bits.

Ainda assim, o console conseguiu cativar um público fiel, especialmente entre fãs de RPGs e títulos de fliperama. Mesmo não alcançando a vasta biblioteca de títulos e a popularidade do PlayStation, o 32 bits ofereceu experiências únicas que continuam a atrair entusiastas até hoje. Para aqueles interessados em explorar o legado desse monstro octacore da Sega, ainda há muito a se descobrir e apreciar em sua coleção de jogos.

 Revisão: Vitor Tibério

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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