Análise: Wilmot Works It Out é vivaz, relaxante e absolutamente imperdível

O quadradinho mais charmoso da cena indie tira uma folga de seu trabalho no armazém.

em 01/11/2024

Para mim, 2024 tem sido o ano dos quebra-cabeças. Minha lista anual no Backloggd de tudo o que joguei nesses quase 365 dias mostra que, quando não estava sofrendo por Yakuza ou trabalhando em análises para este humilde site, eu dediquei meu tempo a vários joguinhos de picross para buscar alívio deste mundo tão sofrido em que vivemos.

Wilmot Works It Out é meu mais recente exemplo de quebra-cabeça de conforto. Sequência de Wilmot’s Warehouse, um simpático indie lançado em 2019, Works It Out tem uma abordagem menos cínica e mais aconchegante ao conceito de organizar quadrados de modo lógico. O resultado é simplesmente (em vários sentidos da palavra) um dos melhores jogos do ano — e tudo o que você precisa fazer é ajudar um homem-cubo a montar quebra-cabeças.

Tijolo por tijolo, num desenho mágico

Nosso protagonista, o queridíssimo Wilmot, é assinante do Clube dos Quebra-Cabeças. Todas as semanas, ele recebe pelo correio uma caixa cheia de peças tão grandes quanto ele, que correspondem aos quebra-cabeças da temporada; a jogada é que nem todas formam uma figura completa, e algumas são parecidas de propósito.


Assim como na aventura anterior, em que Wilmot organizava um armazém, a função do jogador é fazer sentido da bagunça. Aqui, contudo, as respostas são claras e definitivas. Isso pode frustrar os fãs da natureza aberta de Warehouse, mas, em minha opinião, os dois títulos têm funções diferentes — onde um desafiava a memória e eficiência do jogador, o outro busca criar um ambiente mais controlado e de proporções menores. 

A objetividade de Works It Out é o que proporciona sua meta final: relaxamento. Nesse sentido, nada é mais relaxante do que montar os quebra-cabeças em si. O design de níveis (afinal, cada figura é o próprio chefão), mesmo no ápice da dificuldade, é plenamente intuitivo: quando a peça que Wilmot está segurando se encaixa com a que está ao lado, ela (a na “mão” dele, no caso) pisca, e, quando juntas, fazem um clique gostoso de ouvir. Melhor ainda é tentar montar as figuras apenas arrastando os quadrados por aí — as peças se combinarão sozinhas.  


Outra grande satisfação que o jogo proporciona é a de se estar trabalhando em dois quebra-cabeças simultaneamente, só para perceber que, na verdade, são duas partes da mesma figura. A fragmentação das imagens é extremamente bem-feita e, em vários casos, chega a dar essa dica ao jogador; por exemplo, um pedaço do céu pode ter uma borda amarela, que corresponde a um prédio do fundo da cena e junta todos os elementos. 

Destaca-se também a arte do jogo. Mais de 60 ilustrações originais foram produzidas para Wilmot Works It Out, algumas até fazendo referência a outros jogos independentes (perceber que eu estava montando um nível de um certo título foi uma alegria imensa), outras colocando animais e pessoas em situações curiosas. O carinho presente em cada uma é palpável e contribui para a atmosfera leve. 

(Para quem ainda quiser o caos do armazém, o Modo Maratona, desbloqueado após o fim da campanha principal, joga várias peças na direção do jogador com grande velocidade.)

E pra guardar isso tudo?

Prontas as figuras, Wilmot as coloca em lugares de honra: as paredes da própria casa. A cada temporada, um novo cômodo se revela ao jogador e pode ser completamente customizado (dentro de certos limites), da cor das paredes aos móveis. 


Talvez decorar as paredes com os resultados de seu hobby seja o momento de maior emoção na vida deste quadradinho. Por vezes, a coisa toda é praticamente um “Tetris de inventário” estilo Resident Evil: só é permitido selecionar uma figura e movê-la para outro cômodo quando ela tiver um espaço no corredor. 

É um elemento de estresse que, honestamente, não me foi muito bem-vindo. O processo me forçou a repensar toda a configuração da parede várias vezes, quando eu já tinha certas ideias do que deveria ficar em qual lugar. A frustração não combina muito bem com o resto da vibe, o que é uma pena. 

Minha amiga, a carteira

Até agora, a existência de Wilmot parece um pouco solitária. É montar quebra-cabeça, colocar na parede, repete, repete, repete. Talvez seja por isso que tenha sido introduzido um elemento que não existia no jogo anterior: uma presença humana, que traz consigo uma história de fundo.

Cerca de quinhentas palavras atrás, eu disse que os quebra-cabeças eram entregues pelo correio. O que eu omiti de propósito é que essa entrega é feita por uma pessoa: Sam, a infinitamente carismática carteira da vizinhança. 

Até onde sabemos, Sam é a melhor e única amiga do obstinado Wilmot, que parece não reservar tempo para nada além do trabalho e dos hobbies (isto é, até sair um terceiro jogo que revele mais sobre ele). É por ela que ficamos sabendo de tudo o que acontece ao redor — um vizinho que acumula carros antigos, um prédio abandonado que vai virar outra coisa, uma raposa que virou “moradora” do bairro. 

A participação de Sam, assim como as escolhas artísticas mencionadas ao longo deste texto, é mais um elemento que cria a sensação de “lar” de Wilmot Works It Out. Suas conversas curtas e comentários sobre a própria vida são redigidos no perfeito tom de uma troca entre dois amigos. Para Wilmot, ela traz os tão adorados quebra-cabeças, mas também uma conexão sincera, do tipo que ele não parece ativamente procurar.

Menções honrosas

Por fim, gostaria de dedicar este trecho da análise para falar de outros charmes diversos que encontrei neste singelo jogo. 

O primeiro é a localização completa para português, um ponto que estava ausente em Wilmot’s Warehouse. O trabalho feito pela ACE Agency é tão soberbo que, por vezes, eu, pessoa especialmente chata com localização, não consegui sequer imaginar o que estaria escrito na versão original. 

O segundo ponto é a trilha sonora, cortesia de Eli Rainsberry, que inclusive está disponível no Spotify. A produção de cada faixa ocorre de modo a parecer que a trilha inteira é uma única grande música; cada novo momento introduz uma variação. Esse ângulo contínuo combina bem com o trabalho de formar figuras, e é muito bem integrado; outra marca da incrível coesão interna da direção.

Por fim, uma pequena parte da gameplay, introduzida mais ou menos na metade do jogo: Wilmot é capaz de adotar um gato ou cachorro. Praticamente nada muda além do fato de, bem, ele ter um animalzinho em casa agora. 

Essa escolha pode frustrar quem esperava novas interações (especialmente em uma era onde todo jogo com um animal praticamente requer que o jogador consiga fazer carinho nele), mas eu a vejo mais como uma boa indicação do caminho da narrativa. Wilmot Works It Out, em seu âmago, é um jogo sobre conexões — sejam elas entre peças ou entre criaturas vivas. O bichinho novo é mais uma delas, e é muito bem-vindo.

Tudo em seu devido lugar


Wilmot Works It Out
traz graça e delicadeza ao mundinho de seu protagonista, anteriormente confinado a um armazém respingado de cinismo sobre o mundo moderno. De certa forma, acaba por ser um tratado a respeito da busca por equilíbrio entre lazer e trabalho, e pede que nós, quadradões que somos, não percamos de vista aquilo que nos faz felizes. É um bom lembrete — e um jogo melhor ainda.

Prós

  • Gameplay intuitiva e cheia de “momentos eureca” satisfatórios;
  • Arte charmosa, com vários conceitos criativos;  
  • Personagens realistas e bem escritos, que adicionam uma camada de familiaridade;
  • Belamente localizado para o português;
  • Trilha sonora excelente.

Contras

  • O processo de decorar as paredes é muitas vezes inconveniente.
Wilmot Works It Out — PC — Nota: 9.5

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Finji

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Jornalista formada pela PUC-SP e eterna apaixonada por videogames, especialmente aqueles japoneses de mistério. Sempre tem alguma redação gigante para escrever depois que zera um Yakuza.
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