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Análise: Dragon’s Dogma 2 (Multi) é uma grande obra, mas comete erros do passado

A sequência joga no seguro e aposta em melhorias pontuais.


Carregado de polêmicas sobre decisões criativas e mercadológicas, Dragon’s Dogma 2 é a aguardada continuação (ou seria um soft reboot?) do RPG de ação de 2012 e carrega consigo todas as fraquezas e forças de suas origens. Com mais de uma década de diferença, é um pouco assustador perceber o quanto os dois jogos se parecem, mesmo com todos os avanços tecnológicos, narrativos e de design que a indústria desenvolveu. Ainda assim, o jogo oferece uma experiência que consegue ser antagonicamente refrescante e datada no mundo dos RPGs.

O nascimento do Nascen



Em Dragon’s Dogma 2, você vive a ascensão do Nascen, um ser que teve o coração tomado pelo lendário dragão, e agora consegue controlar os misteriosos peões, além de ter direito ao trono do reino de Vermund. Entretanto, sua jornada é interrompida quando um impostor arquiteta um plano para tomar seu lugar e colocá-lo na prisão. É nesse cenário geopolítico caótico que sua aventura começa, com a necessidade de fugir da prisão escravagista em que você se encontra, descobrir quem é de fato e lutar pelo seu posto de direito.

Em um esforço de ter mais complexidade do que a trama do original, é notável que a Capcom investiu para ter uma premissa interessante e um elenco recheado de personagens com nome e história. Nos materiais promocionais e no próprio site de Dragon’s Dogma 2, vemos uma extensa lista de nomes como Ulrika, Brant, Disa, Nadina, uma ação que infere a grande participação desses personagens na trama.




Entretanto, o uso de cada um deles é no mínimo decepcionante: Brant é, por boa parte da campanha, apenas um contato para missões; Nadina mal tem falas; e Disa mal aparece nas primeiras 20 horas. É difícil entender por que a Capcom escolheu dar destaque para personagens que são completamente secundários para a história e mal têm papel ativo de fato no enredo.

Além disso, boa parte da trama se desenvolve com missões extremamente simples, como participar de um baile, conversar com um certo número de NPCs ou vigiar alguém, além das cutscenes pouco inspiradas sendo rápidas, com pouca ação e ainda menos criatividade para criar uma atmosfera épica, que é tão bem transmitida durante os combates. Tudo isso é algo que já era um problema no jogo original e aqui retorna com maior peso, principalmente levando em conta a quantidade de grandes RPGs com tramas interessantes e apresentações cativantes, como The Witcher 3 (Multi) e Final Fantasy XVI (PS5).

Pé na estrada, soco no ogro



Logo de cara, tenho que falar sobre a proposta de Dragon’s Dogma 2 de forçar os jogadores a caminhar ao invés de usar a famosa viagem rápida. Hideaki Itsuno, diretor do jogo, defendeu em diversas entrevistas que esse recurso era para jogos com mundos chatos, e que em DD2 você deveria caminhar e criar jornadas entre os pontos, pois o caminho era mais importante ainda que a chegada. Isso se traduz na jogabilidade com itens de viagem rápida extremamente escassos e pontos de chegada restritos a poucas cidades.

Eu consigo entender a visão criativa de Itsuno e acho que em certas partes a obra é bem-sucedida nesse aspecto; porém, outras escolhas diminuem os impactos positivos dessas longas caminhadas. A direção de arte entrega de fato um mundo bem detalhado, com matas densas, desertos áridos, regiões inundadas e vilas distintas umas das outras em sua arquitetura. Entretanto, quando exploramos o mundo aberto, não é possível sentir aquela sensação de novidade e descoberta constante que títulos como Elden Ring (Multi) conseguiram alcançar, com construções diferentes a todo momento, uma diversidade absurda de inimigos comuns, chefes, etc. 




Em Dragon's Dogma 2, existe um número muito limitado de inimigos, repetindo os mesmos do antecessor apenas com visuais reformulados mas com movimentos bem similares. Nas primeiras 10 horas de campanha, você vai matar o mesmo ogro provavelmente três vezes seguidas. Felizmente, o combate é uma área que de fato teve um grande aprimoramento, com novas classes, habilidades e equipamentos.

Mesmo com um número menor de peças de armadura que o primeiro DD, aqui, graças à fidelidade visual e à equipe talentosa do design, é possível apreciar cada detalhe das armaduras, espada, escudos e arcos do jogo. Cada pedaço dessas armas é carregado de criatividade com texturas, estilos e cores diferentes.

Escolha sua vocação, comande seu peão



Os sistemas de vocação e peões retornam também com muitas similaridades. O primeiro tem algumas mudanças pontuais, como a divisão da classe Strider, que agora tem habilidades divididas entre outras duas vocações: arqueiro e ladrão. Ainda é necessário subir o nível da sua vocação para desbloquear novas habilidades e é possível alterá-la a qualquer momento nos locais certos. 

Com um combate mais ágil e fluido, as lutas em DD2 são mais divertidas do que nunca. Subir em um grifo, acertá-lo na cabeça e despencar do alto enquanto seu mago lança uma chuva de meteoros é uma das coisas mais épicas no jogo. Como já levantado, o número de criaturas é extremamente limitado, tendo pouca diversidade entre os monstros maiores, mas isso não impede que cada confronto seja uma verdadeira aventura épica. Principalmente pelo fato do jogo ser construído para cada combate acontecer de forma orgânica e realista, é possível, por exemplo, empurrar um ogro numa cratera para o transformar em ponte.




O sistema de peões permite que você crie e contrate ajudantes na sua party, o que possibilita chamar peões criados por diferentes jogadores ao redor do mundo. Nesse título, esses companheiros estão mais tagarelas do que nunca, constantemente aprendem sobre caminhos e como matar certos monstros, e podem ser ótimos guias de missões.

Por exemplo: um peão que, em seu mundo original, passou por uma certa missão e descobriu como matar um certo monstro com seu jogador original. Caso você o contrate e tenha que passar por aventuras semelhantes, ele irá dar dicas e te guiar pelo melhor caminho. Este é um sistema que torna cada companheiro único, carregando consigo a memória de suas jornadas anteriores.

Microtransações e desempenho



Ah sim, o grande elefante na sala, vamos falar sobre FPS e venda de itens. Antes de Dragon’s Dogma 2 sair oficialmente, eu recebi o acesso antecipado ao título. Nele, não era possível ver quais DLCs ou itens seriam vendidos; por isso, durante 90% do meu tempo com ele, nem precisei imaginar algo do tipo. Entretanto, após o lançamento, a grande polêmica veio à tona. A Capcom estava vendendo itens básicos do jogo na loja do Steam. 

Acredito que esse acontecimento mostra como os interesses das mentes criativas sempre são contraditórios aos das publishers. Eu duvido muito que o diretor, que deliberadamente optou por limitar a viagem rápida, iria querer que tivesse um item vendendo na loja que facilitasse tal ação. Claramente foi uma jogada da Capcom para aumentar a captação de renda em cima do jogo. Mas, ao analisar, pouco se impacta na jogatina o fato de tais itens serem vendidos, já que todos eles, sem exceção, podem ser obtidos internamente, o que não exclui o fato da prática ser predatória e danosa em um jogo de campanha AAA de preço cheio.

Sobre a performance, não há desculpas. Não está ruim, está péssima! Nos testes recentes, a RTX 4090 não conseguia manter os 60 quadros nas grandes cidades. Na minha RX 7600, que está dentro do recomendado, boa parte da experiência ficou nos 30-40 fps, com queda abaixo dos 30 nas grandes cidades. É necessário um longo trabalho de otimização por parte da empresa.

Reimaginando um clássico



Dragon’s Dogma 2 mais parece um remake ou reimaginação que aprimora as ideias originais do que de fato uma sequência. Sua trama não continua o enredo original, comete os mesmos erros narrativos e seu design pouco se parece com algo de fato concebido em 2024. Entretanto, a experiência se mantém interessante e divertida a todo momento. O combate épico, direção de arte primorosa que entrega um verdadeiro mundo de fantasia, sistema de vocação e peões aprimorados e o sentimento de liberdade e exploração, com perigos espreitando a cada canto, fazem este RPG ser um deleite para os fãs do gênero.

Veja, a Capcom conseguiu melhorar boa parte da experiência de um jogo que, ainda hoje, é extremamente interessante. Ainda dá pra sentir o tom de oportunidade perdida, pra quem queria um grande avanço na franquia, mas pra mim, é um ótimo ponto de partida para atualizar um grande jogo e deixar o terreno para revolucionar em um projeto futuro. Só esperamos que a empresa aprenda com os erros de mercado e não cometa os mesmos absurdos novamente.

Prós

  • Combate épico extremamente divertido com diversas opções de builds;
  • Vocações diversas que vão desde as classes mais básicas, como arqueiro e guerreiro, até inclusões como lanceiro místico e ilusionista;
  • Mundo vasto, livre e recheado de ameaças que tornam a exploração a pé parte intrínseca da experiência;
  • Cada monstro conta com mecânicas únicas no combate, ainda tendo variações conforme o ambiente ao seu redor;
  • Os peões fazem seu retorno com um sistema mais robusto de ajuda, dicas e indicações pontuais no mapa. Os diálogos entre eles também melhoraram.

Contras

  • História rasa com poucos desdobramentos de fato contundentes pra trama;
  • Personagens mal-utilizados durante toda a história, com alguns tendo pouco menos que duas aparições;
  • Pouca variedade nos monstros grandes, e menos ainda nos pequenos;
  • Poucos locais diferenciados para deixar o mundo ainda mais vivo com um sistema de narrativa ambiental, como castelos antigos, cemitérios, entre outros;
  • A performance deixa muito a desejar nos PCs.
Dragon’s Dogma 2 — PC/XSX/PS5— Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Capcom

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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