Resenha

Final Fantasy VIII (Multi) completou 24 anos de erros e acertos; vamos revisitar as memórias e conferir um artbook

Para um jogo que é uma mistura de sentimentos, uma homenagem que é uma mistura de Blast From The Past, Crônica e Resenha.


Em 11 de fevereiro, Final Fantasy VIII (FF8) completou 24 anos de seu lançamento japonês para PlayStation; a versão norte-americana chegou apenas em setembro do mesmo ano, 1999. O jogo foi um marco de época que aprimorou na parte técnica tudo o que seu antecessor, Final Fantasy VII (Multi), havia conquistado dois anos antes. Outros aspectos, no entanto, tornaram essa entrada uma das mais controversas nos 35 anos da série da fantasia final.

Este artigo é ao mesmo tempo uma homenagem, uma crítica, uma memória pessoal e a sequência da apresentação do artbook Final Fantasy Ultimania Archive Vol. 2, que comecei no aniversário de Final Fantasy VII; lá, confira mais detalhes sobre o livro em si. Ao longo desta matéria, você verá trechos do capítulo dedicado a FF8. As imagens estão em boa qualidade, tente ampliá-las para ver os detalhes.



Liberi fatali

(Filhos destinados)

O primeiro ponto de destaque de FF8 foram as cenas cinematográficas em CG. Se o irmão mais velho impressionava, o sucessor conseguiu ir além, com vídeos mais longos e mais detalhados. A abertura do jogo é um vídeoclipe épico por si só e até hoje me dá arrepios. Lembro de um colega, jogador de Nintendo 64 e sem PlayStation, dizer que aquela introdução já valia pelo jogo inteiro.

A famosa cena do baile, quando o casal de protagonistas Squall e Rinoa se conhecem, também é lembrada como um dos pontos altos da época e foi usada captura de movimento para dar graça e beleza aos passos. Ela até foi usada como demonstração técnica nas prévias do PlayStation 2, reproduzida pelo console em tempo real, mas com algumas reduções.



Aqui cabe uma história pessoal simples, mas significativa. Era a primeira vez que eu conversava com certa garota, entediados na casa de um amigo. Então, eu disse a ela que tinha uma cena bonita para mostrar, liguei FF8, comecei um arquivo novo e joguei por quase uma hora até chegar à cena do baile apenas para que ela a visse. Tínhamos 17 anos e o YouTube ainda não existia, ou a coisa toda seria bem mais simples. Não podíamos saber que, uma semana depois, começaríamos a namorar, o que, até agora, rendeu 20 anos juntos e dois filhos.

O encerramento de FF8 também é uma longa CG de quase meia hora de duração, coroando o fim de uma experiência gráfica marcante e refletindo a abertura em um ponto: ambas têm músicas cantadas, algo raro para a época. A primeira conta com orquestra e coral em latim na dramática Liberi Fatali, enquanto a segunda é a romântica Eyes on Me, altamente anos 1990. O encerramento é emocionante, mas não dava para jogar 50 horas só para mostrá-lo à futura mãe dos meus filhos. Obrigado, YouTube.



Como as cenas em CG ocupavam muito espaço em disco, FF8 foi um dos poucos jogos de PlayStation a precisar de quatro discos. O último disco tinha apenas o longo e desafiador castelo final para dar espaço ao encerramento. Isso me lembra a vez em que decidi rejogar o JRPG e só quando cheguei ao último disco descobri que estava com problemas, causando travamentos. Não consegui terminar essa segunda vez e nunca mais o joguei.

Os devs estavam tão deslumbrados com a capacidade cinematográfica em suas mãos que extrapolaram o bom senso na invocação Eden, criando uma cena de batalha que durava um minuto e meio sempre que esse ataque fosse usado. Foi algo feito para ver uma vez, admirar e nunca mais; o dano era elevado, mas não compensava a lerdeza da animação.

Com modelos de personagens de anatomia mais realista que os caixotes humanos de FF7, FF8 parecia uma evolução natural de seu ambicioso antecessor e foi bem de recepção e de vendas. Era um jogo tão esperado que, enquanto só havia a versão japonesa, a revista brasileira Gamers, da editora Escala, publicou um detonado em partes mensais que incluía a tradução dos diálogos, para que os mais ansiosos pudessem acompanhar o enredo.




Sabem as tretas de seções de comentários (pergunta retórica, isso é o que mais tem por aí)? Elas já existiam em seções de cartas de revistas, quando a edição queria atiçar os ânimos dos leitores. Lembro de uma que teve discussão entre fanboys de FF8 e Resident Evil 3 (PS), como se em disputa pelo título de “jogo do ano 1999”, algo que acho incompreensível desde então.

Excitate vos e somno, liberi fatali Somnus est non

(Expulsem o sono, filhos do destino, o sono acabou)

No entanto, o sucesso de crítica e público não se consolidou com o passar dos anos e o oitavo título da série tornou-se um divisor de opiniões, do tipo “ame ou odeie”. Apenas em 2019 ele recebeu uma versão atualizada para a era da alta definição, mas com poucas mudanças, como os modelos de personagens em batalha e melhorias de qualidade de vida.

Houve quem reclamasse do tom romântico, que é tão enfatizado que compõe o tradicional design de Yoshitaka Amano no título. De fato, isso concentrou as atenções em Rinoa e Squall, tornando os outros membros do grupo em meros coadjuvantes (por que Zell está nessa história, afinal?), algo que fica ainda mais evidente quando comparamos com a importância que os personagens secundários receberam em Final Fantasy IX (FF9), como se a Squaresoft compensasse pelo seu erro anterior.

O protagonista Squall é antipático demais (para Quistis: “se você quer alguém que a ouça, vá falar com uma parede”), ainda mais se o comparamos com o carismático Laguna, cuja história corre paralela à campanha principal e me levou às lágrimas no encerramento. Por sinal, essa alternância acaba sendo outro problema, pois quebra o ritmo do JRPG e a explicação para isso não é muito convincente.



Aliás, muito em FF8 soa como conveniência de roteiro com soluções abstratas, como sonhos, magia, tempo, destino e perda de memória, engendrando uma história que parece desnecessariamente mirabolante e de desenlaces pouco memoráveis (Chrono Cross também me vem à mente).

Final Fantasy Ultimania Archive Vol. 2

Pode ser só especulação, mas a posição periférica do oitavo titulo dentro da série é refletida em seu espaço na coleção de artbooks. Como disse antes, no aniversário de FF7, o livro Final Fantasy Ultimania Archive Vol. 2 dá muito menos atenção a FF8 que aos seus dois irmãos do PlayStation original. Em um volume que divide 320 páginas para três jogos, a história de Squall, Rinoa e os coadjuvantes conta com apenas 70 páginas, um terço a menos que as 113 de FF7 e as 126 de FF9.




Mesmo assim, o conteúdo presente é de qualidade, como você viu se leu até aqui. Temos as tradicionais artes conceituais estilizadas de Yoshitaka Amano e o design de personagens de Tetsuya Nomura. O casal principal ganha três páginas exclusivas a cada um, enquanto seus colaboradores recebem duas, assim como Laguna e Seifer. Kiros e Ward ficam com uma cada, enquanto os NPCs e monstros dividem espaço.

O restante segue a mesma linha do resto do livro, combinando imagens com textos explicativos. Vemos storyboards, veículos, Guardian Forces (summons), mapa mundi, alguns extras e várias artes conceituais de cenários, incluindo as coloridas e extravagantes Gardens, escolas militares que formam os jovens mercenários da SeeD. De praxe, o capítulo finaliza com memórias de cenas marcantes.





Ardente veritate incendite tenebras mundi

(Ardente verdade, incendeie as trevas do mundo)

Mesmo com a controvérsia acumulada com as décadas, Final Fantasy VIII é um jogo memorável do fim da década de 1990. Ambicioso na época, perdeu as estribeiras em alguns aspectos, talvez pelo ritmo frenético de desenvolvimento, uma vez que o trio FF7, FF8 e FF9 foram lançados em um período de menos de quatro anos. Certamente tenho nostalgia da aventura contra a feiticeira do futuro, mas é um jogo que habita as memórias e pertence ao meu passado, não meu presente.

Até gostaria de uma modesta prequela spin-off  com Laguna, Raine, Kiros, Ward e Julia, mas, quanto a um improvável remake, prefiro os rumores sobre FF9, que, por sinal, só faz aniversário em julho, quando fecharemos nosso passeio pelo segundo volume dos arquivos de Final Fantasy.

Livro adquirido pelo redator

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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