30 Anos de Mega Man: uma história de paixão e negligência

O bombardeiro azul completou 30 anos de altos e baixos, mas uma coisa não mudou nesse meio tempo: o carinho que os fãs nutrem pelo robozinho.

em 30/12/2017

Meados da década de 80. A Capcom até então era uma empresa especializada em desenvolvimento de jogos para Arcade, responsável por sucessos como Ghosts ‘n Goblins, Trojan e Bionic Commando, que até receberam ports para o NES, mas ainda faltava algum jogo original para o aparelho. Teve início, então, a produção do primeiro Rockman (NES), um título desenvolvido tendo em mente o mercado japonês.


A equipe de produção era composta por poucas pessoas e muito do que era produzido já era idealizado diretamente no jogo, como os designs em tela dos personagens e o resto da pixel art. Isso acontecia por conta das limitações técnicas do aparelho, considerando que caso um conceito fosse elaborado demais no papel, poderia haver problemas na sua transição para o digital 8-bit. Uma característica decorrente dessa questão foi justamente a cor do Rockman, visto que a paleta suportada tinha o azul como a cor com mais tonalidades disponíveis e, assim, seria possível trabalhar melhor o design do personagem em questão.


Para o material promocional, a Capcom responsabilizou um jovem ilustrador que já havia trabalhado com ela no Street Fighter (arcade) original: Keiji Inafune. Dessa maneira, o designer, que constantemente é chamado de “Pai do Mega Man” e ajudou a conceber praticamente todos os títulos do robô até sua saída da Capcom em 2010, não foi o responsável direto pela concepção original do Bombardeiro Azul, sendo apenas o autor das artes de divulgação referentes ao jogo.

O material produzido pelo Inafune também serviu como uma maneira de trabalhar o tema principal, que se assemelha muito ao de Astro Boy, mangá publicado por Osamu Tezuka entre 1952 e 1968 e que conta a história de um robô modelado por um cientista (que eventualmente veio a se tornar o vilão), o Doutor Tenma. Decepcionado por saber que tal máquina não seria capaz de preencher o lugar de seu filho, falecido em um acidente, Astro é vendido para um circo e outro cientista, o Professor Ochanomizu, o descobre e passa a agir como seu tutor. É interessante analisar a relação entre Astro, Ochanomizu e Tenma e traçar um paralelo sutil com Rockman, Dr. Light (o criador do robozinho azul) e Dr. Wily (o vilão da série) — embora não de forma tão direta, visto que o Bombardeiro foi criado mesmo pelo Light, não por Wily, caso uma ligação mais explícita fosse insinuada.


O gameplay também marcou época por contar com um sistema cujas fases temáticas eram centralizadas em cada chefe que podiam ser escolhidas na ordem que o jogador decidisse. Quando um boss era derrotado, ele liberava uma nova arma que poderia ser usada contra outro, num sistema de pedra-papel-tesoura (o famoso jokenpô), criando um ciclo onde cada um dos Robot Masters seria necessariamente vulnerável à arma de outro. Tal estrutura, somada a uma identidade visual característica e trilha sonora icônica, compôs toda a personalidade da série que veio a se repetir pelos títulos subsequentes.

O título, quando finalmente chegou ao mercado nipônico em 1987, vendeu relativamente bem para a surpresa da Capcom, que logo tratou de organizar um lançamento americano. Por conta de não acreditarem que a direção de arte original japonesa fosse agradar ao público ocidental, bem como o prazo apertado do processo de localização, o lançamento do primeiro jogo da série por essas bandas ficou marcado por conta da amplamente considerada uma das piores capas de videogame da história, com o garoto Rockman se transformando no infame tiozão nerdão barrigudo de meia idade fazendo um cosplay de baixo orçamento. O nome original também foi considerado ruim e a divisão americana da empresa optou por mudá-lo. Assim nascia a nossa lenda: Mega Man.


Depois do início capenga, uma expansão contínua!

Apesar de uma recepção positiva no Japão — o título no ocidente não vingou de primeira por questões compreensíveis — o montante das vendas final não foi suficiente para que a Capcom desse luz verde para uma sequência imediata. Como era do diretor do primeiro, Akira Kitamura (bem como do resto da equipe), a vontade de produzir um Mega Man 2, a direção da empresa acabou permitindo seu desenvolvimento, desde que não atrapalhasse o trabalho exercido em outros títulos.

No fim das contas, Mega Man 2 (NES) foi lançado no fim de 1988 como um produto resultado de muito empenho e amor gastos em um trabalho realizado no tempo livre e foi um sucesso de vendas, ao contrário da recepção morna do primeiro título. Com dois chefões a mais em relação ao jogo anterior, a introdução dos E-tanks, que restauram a energia do Bombardeiro Azul e um sistema de senhas (que naquela época substituía o recurso de save game, comum hoje) como uma maneira de suspender o progresso para continuar mais tarde, o título acabou tendo poucas mudanças na estrutura, embora o gameplay prático tivesse ficado bem mais ágil e menos pesado em relação ao primeiro.
Capas americanas do primeiro e segundo jogo, respectivamente.
Esse segundo jogo também foi acometido pelo mesmo mal do primeiro: a capa da versão americana não é lá muito exemplar, principalmente em comparação com a original japonesa, concebida num estilo tão amigável. Apesar de não ser tão esquisita quanto a do tiozão pançudo clássico, o robozinho foi ilustrado como uma espécie de policial azulado com um capacete de motoqueiro e usando uma pistola, considerando que o autor responsável aparentemente não entendia como um canhão pode estar acoplado no lugar do braço de alguém, mesmo que as artes originais deixem claro como é que aquilo funcionava.

O sucesso de Mega Man 2 levou à produção de Mega Man 3 (NES), lançado em 1990 e que foi responsável por introduzir o personagem Proto Man (originalmente Blues, no Japão), recorrente em títulos subsequentes, bem como Rush, o cãozinho robô com mil e uma utilidades, além da mecânica de slide, que permite o jogador deslizar sob plataformas estreitas, movimento conhecido no mundo do futebol como “carrinho”.

Em 1991 foi lançado o quarto jogo da série, além de uma sub-série paralela para o Game Boy chamada no Japão de Rockman World. Por aqui, o jogo foi conhecido apenas como Mega Man. A principal forma de diferenciar essa linha da original é a partir da numeração de suas sequências. Enquanto os jogos do NES usavam algarismos indo-arábicos, os jogos para o Game Boy eram identificados por números romanos. A confusão não deve ter durado muito, levando em conta que Mega Man II (GB), acabaria sendo lançado mais tarde nesse mesmo ano.


Diga “X”!

1992 recebeu Mega Man 5 (NES) e Mega Man III (GB). Em 1993, outra dobradinha com Mega Man 6 (NES) e Mega Man IV (GB). O problema até aqui é que a essa altura do campeonato — na verdade, desde o quarto jogo — o SNES já era uma realidade e a Capcom ainda insistia no clássico aparelho de mesa da Nintendo. Quando essa transição já não dava mais para ser adiada, foi decidido que a série seria completamente revitalizada.

Mega Man X (SNES) foi concebido com uma história que se passa no futuro e com um sucessor do robô azul original: o tal “X”. Originalmente, o protagonista deveria ser o estiloso Zero, mas com medo da reação negativa por parte do público, a ideia foi descartada e ele permanece lá apenas como coadjuvante — Zero só iria ganhar seu próprio jogo em 2002 —, além de introduzir um novo vilão: Sigma.

O sucesso do primeiro Mega Man X em 1993 levou à produção de Mega Man X2 (SNES) em 1994 — naquele ano também foi lançado Mega Man V (GB), o último original da série Rockman World — e Mega Man X3 (SNES) em 1995. Nota-se que a Capcom já sabia ordenhar suas franquias com relançamentos desde aquela época, quando produziu a coletânea Mega Man: The Wily Wars (Mega Drive), com os três primeiros jogos da série original. Houve também uma tentativa ousada de produzir um spin-off, Mega Man Soccer (SNES), que colocava os personagens principais e vários Robot Masters para baterem uma pelada, mas o produto final acabou se mostrando bem esquisito e ele é constantemente esquecido pelos fãs.

Então, o slide é realmente um carrinho.
A questão era que, apesar da série X ser um sucesso, era necessário dar sequência à continuidade principal. Dessa maneira, Mega Man 7 (SNES) foi rapidamente desenvolvido e lançado em 1995. Ele foi o responsável por introduzir o personagem Bass à franquia, que se tornou figura recorrente desde então. Apesar de não ser encarado como um título ruim, a recepção do jogo foi variada por conta da comparação imediata com os Mega Man X, que haviam sido lançados antes e eram bem mais completos do que o sétimo título da série original que se atinha às origens mais básicas do Bombardeiro Azul. Por conta disso, Mega Man 8 (PS1) chegou em 1996 com uma série de mudanças em sua estrutura.

Além do visual mais arrojado que o hardware do novo aparelho da Sony proporcionava, o gameplay aqui se tornou mais ágil e o jogo de plataforma passou a carregar características muito mais próximas de um shooter de progressão lateral, com fases estruturadas como longos corredores cheios de inimigos, preterindo o fator exploração. Depois de tal título, a série principal ainda recebeu Mega Man & Bass (SNES) em 1998, como uma forma de tentar fazer média com os jogadores que não tinham como jogar o oitavo título da série principal em um aparelho diferente, mas essa acabou sendo a última iteração dela por um bom tempo.



Em tempo, paralelamente a tais jogos, Mega Man: The Power Battle (Arcade) e sua sequência, Mega Man 2: The Power Fighters (Arcade), bem como Mega Man Battle & Chase (PS), foram lançados respectivamente em 1995, 1996 e 1997. Os dois primeiros eram títulos que traziam os Robot Masters clássicos em visual 16-bit e o jogador precisava enfrentá-los diretamente, sem ter que encarar a fase que os antecedia, quase como um jogo de luta. Battle & Chase, por sua vez, era um título de corrida que tentava surfar na onda do fenômeno que era Mario Kart.

1997 recebeu o lançamento de Mega Man X4 (Saturn/PlayStation), mas teve uma recepção morna por conta do próprio momento em que chegou ao mercado: os novos aparelhos capazes de reproduzir ambientes tridimensionais faziam os jogos 2D parecerem obsoletos. Para rebater essas críticas, Mega Man Legends chega ao PlayStation e inova ao trazer uma ambientação diferenciada ao robozinho ao mesclar elementos de RPG com o tradicional gênero de ação. Legends ainda receberia um spin-off chamado The Misadventures of Tron Bonne (PS) em 1999 e uma sequência direta em 2000. Um terceiro título chegou a ser anunciado, mas logo foi cancelado e desde então nunca mais tal série derivada viu a luz do dia.

Mega Man X, por sua vez, perdurou por mais alguns anos. Além dos jogos principais (X5, X6, X7 e X8 seriam lançados em 2000, 2001, 2003 e 2004, respectivamente, sendo os dois primeiros para PlayStation e os dois últimos para PlayStation 2), a Capcom produziria os spin-offs Mega Man Xtreme e Mega Man Xtreme 2, ambos para GBC; Mega Man X: Command Mission, que trazia um novo gameplay de combate em turnos, tal qual um RPG; Mega Man Zero, que rendeu quatro títulos numerados e estrelados por Zero no GBA; e Mega Man ZX e Mega Man ZX Advent, os dois para Nintendo DS e davam continuidade ao spin-off da série Zero.


Caindo no ostracismo com Battle Network

O principal problema é que a essa altura do campeonato, o robozinho já tinha caído no ostracismo. A série principal havia deixado de produzir novos jogos em 1998 e a própria série X já não era mais tão inovadora quanto se mostrava no começo. Era necessária uma nova continuidade que trouxesse novos fãs para conhecer as aventuras do simpático robô azul. Dessa forma, em 2001, no aniversário de quinze anos da franquia, a Capcom decidiu trazer a narrativa para a modernidade digital ao introduzir no mercado a linha Battle Network.

Com um gameplay muito mais próximo de um RPG de ação do que o clássico estilo de plataforma que consagrou o Bombardeiro Azul, MegaMan: Battle Network foi um novo projeto de mídia da Capcom que, além do jogo, contou com a produção de uma nova série animada de sucesso que rendeu mais de duzentos episódios — embora não seja a primeira produção do gênero que tenha envolvido o Mega Man. Battle Network resultou em seis títulos principais para Game Boy Advance, sendo que a partir do terceiro, duas versões eram lançadas de forma complementar, ao melhor estilo Pokémon: Blue & White representavam MegaMan: Battle Network 3 (mas apenas no ocidente, visto que no Japão era apenas um jogo), Red Sun & Blue Moon para o quarto, Team Colonel & Team ProtoMan como o quinto título e o sexto sendo composto pela dupla Cybeast Falzar & Cybeast Gregar.

Apesar de a narrativa ter um fim definitivo decretado (a segunda na franquia toda, a primeira sendo a sub-série Zero), Battle Network ainda rendeu a trilogia Star Force no Nintendo DS, em que o gameplay era essencialmente o mesmo, embora trocasse a visão lateral 2D por uma câmera nas costas do MegaMan renderizado em 3D.

Battle Network foi sucesso? Até que foi, considerando que atraiu uma nova geração de fãs para a marca. No entanto, o sentimento de desprezo pela série original que se mostrava tão ultrapassada tornou-se, com o tempo, nostalgia e saudosismo. Isso foi suficiente para que o Bombardeiro Azul desse mais uma vez o ar da sua graça em sua forma original.


Legado e Futuro

Em pleno 2008, o anúncio de Mega Man 9 (WiiWare/XBLA/PSN) nos mesmos moldes e visuais da série original no NES pegou todos de surpresa. A expansão do mercado digital para games mais simples, bem como o prenúncio dos jogos que emulavam o visual retrô de títulos mais antigos — o que naquela época, ao contrário de hoje, ainda era algo relativamente incomum — prepararam o terreno para o retorno do robozinho. A Capcom foi inicialmente relutante com a utilização do nesse estilo gráfico, mas a vontade criativa dos desenvolvedores acabou prevalecendo e o jogo viu a luz do dia em setembro de 2008, apenas dois meses após o anúncio oficial.

Além de ter acertado em cheio na memória afetiva dos fãs, é válido lembrar que Mega Man 9 acabou se tornando um baita jogo, conseguindo se consolidar em vendas numa era em que o mercado digital ainda engatinhava. Mega Man esboçou e colocou em prática um retorno que no momento se mostrava triunfante em uma homenagem à própria era de ouro. Tal sucesso serviu de base para o desenvolvimento de Mega Man 10, que carrega as mesmas características e visual em 8-bit, mas não conseguiu brilhar da mesma maneira que seu antecessor.


Desde então, Mega Man vem tendo algum suporte pontual por parte da Capcom. Chegou a receber uma série de coletâneas ao longo de sua história, como é o caso de Rockman Complete Works (PS), lançado em 1999 com os seis primeiros jogos da série; Anniversary Collection (PS2/GC/XB), lançada em 2004 e que é composta pelos oito primeiros títulos da série, além de ports de ambos os spin-offs The Power Battle; e Mega Man X Collection, lançado em 2006 com os seis primeiros títulos principais da série X. Mais recentemente, Mega Man Legacy Collection e Legacy Collection 2 deram as caras com os dez títulos da série original sendo divididos em duas antologias.

Em 2017, Mega Man completou 30 anos de existência. Em comemoração, a Capcom anunciou a produção do décimo primeiro título da série principal com lançamento para PC, Switch, PS4 e XBO, além de um relançamento de X Collection com todos os oito jogos da sub-série em questão e um Legacy Collection definitivo para o Switch. Paralelamente a isso, Inafune, que assinou de alguma forma todos os jogos da série até MM10, já não é mais funcionário da Capcom, tendo amargado o fracasso de Mighty No. 9 após os fãs de Mega Man terem acreditado, durante a campanha de financiamento, no título de Kickstarter como um retorno espiritual da essência do robozinho original.


No fim das contas, a memória do amado Bombardeiro Azul se deve à sua apaixonada, mesmo que às vezes implicante, comunidade de fãs ardorosos, que guardam no coração todas as aventuras e conquistas realizadas no controle do personagem e nunca desistiram da série, mesmo com toda a negligência por parte da Capcom quando viu que o mascote já não lucrava mais como em tempos passados. 

É claro que, apesar de ser um ícone dos games, a popularidade de Mega Man não se compara de forma direta a um Super Mario. Ainda assim, a forma como o personagem é reverenciado por seus fãs através de inúmeras homenagens, a exemplo da infinidade de tributos musicais — em alusão com o próprio tema da série em si (Rockman e sua parceira Roll aludem ao ritmo Rock&Roll, bem como Blues, o nome japonês de Proto Man, também é um estilo musical, entre outros) — lembrando do clássico Air Man ga Taosenai (I can’t beat Airman), das rendições dos temas do jogo no álbum Rockman Holic, do Sound Holic (conhecido na verdade pelos rearranjos dos temas da série Touhou), ou ainda a emocionante maneira como o grupo Brawl in the Family comemorou sua entrada em Super Smash Bros. (WiiU/3DS), fazem com que o icônico robô da Capcom não deva nada a outras mascotes mais consagradas na indústria.

Revisão: João Paulo Benevides
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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