Analógico

Seria a realidade virtual o futuro dos videogames?

Basta colocar um par de óculos para entrar, literalmente, nos jogos. Chegando em 2016 no mercado, a tecnologia ainda gera questionamentos.


Quando The Sims (PC) foi lançado, lembro de um dos objetos que podia ser comprado para colocar na casa do personagem: um óculos de realidade virtual. Mesmo que não pudesse ter ideia de como seria a sensação de usá-lo, lembro de morrer de vontade de experimentar algo do tipo, imaginando que isso poderia se tornar o futuro dos videogames. Mas, para o meu grande engano, a realidade virtual já existia há muitos anos.

Um velho futuro

Criada de maneira rudimentar nos anos 1950, a tecnologia que nos colocaria em um ambiente virtual foi sendo aprimorada conforme os anos passaram. Dentre visuais pobres e equipamentos pesados e esquisitos, o que mais dificultava a popularização dos acessórios era o preço e a dificuldade de desenvolvimento de software, transformando-os em passatempo para clubes seletos de pessoas ao redor do mundo, além de centrais de simulação para o exército.
O Virtual Boy, da Nintendo, trazia a ideia da realidade virtual, mas a sua capacidade técnica era muito fraca e não agradava os jogadores, que sentiam dores de cabeça após o uso.

Os anos 1990, entretanto, trouxeram a realidade virtual de volta às projeções para o futuro. Por terem sido um momento de extrema importância no mercado tecnológico (vimos, em uma década, os jogos mudarem de CD para cartuchos e, em seguida, para DVDs, por exemplo), era mais do que natural que a sociedade já pensasse nos próximos passos para garantir uma imersão completa nas maneiras como contamos histórias. Diversos filmes passaram a retratar pessoas utilizando acessórios imensos que as colocavam em ambientes tridimensionais, mas ao mesmo tempo poucas tentativas no mundo real empolgavam o público.


Somente três anos atrás as coisas começaram a mudar — e mudaram muito rápido. Um americano chamado Palmer Luckey desenvolveu um protótipo que, com peças mais baratas e tecnologia acessível, traria a realidade virtual para um cenário possível no mercado atual. Após a criação de sua empresa, sua equipe criou uma página na internet para vender o seu produto, chamado de Oculus Rift. Apostando em toda a sua ideologia, o Facebook adquiriu a empresa e convenceu a sociedade de que veríamos algo grande saindo dali.
O acessório Omni estava disponível para experimentação na E3 2015. Com ele, é possível andar em ambientes tridimensionais sem sair do lugar.

Na nossa ida à E3 2015, pudemos perceber o quanto as desenvolvedoras de jogos estão querendo que a tecnologia de realidade virtual domine o mercado: havia estandes para experimentação de diversos jogos e demonstrações técnicas, criando enormes filas e deixando os usuários empolgadíssimos. Ainda assim, muitos continuam mostrando enorme ceticismo, acreditando que toda essa expectativa passe em alguns anos e que a maneira como jogamos videogame não mudará tão cedo.

Diferente de tudo 

Vivemos em um momento difícil para a área de divulgação e propaganda de novas tecnologias. Assim como ocorreu com o Nintendo 3DS durante o seu lançamento, é impossível mostrar as sensações que o aparelho traz para quem está longe: os que acompanharam a E3 2010 pela internet foram obrigados a apenas imaginar como seria jogar em 3D sem a necessidade de óculos — o que causou grandes indagações e fez muitos não acreditarem ser possível. O mesmo ocorre com os óculos de realidade virtual.
A apresentação da Nintendo na E3 2010, que deixou os jogadores curiosos com a nova tecnologia do seu portátil.

Carregando o preconceito por todo o seu passado falho, a tecnologia atual que nos coloca dentro dos jogos tem muito pouco acesso. Para poder testar os aparelhos é necessário participar de eventos específicos ou comprar kits de desenvolvimento (que costumam ser caros e não são tão fáceis de preparar e utilizar), o que faz com que a maioria da população nunca tenha visto o Oculus Rift de perto.

Sempre me empolguei com a possibilidade de entrar no universo dos jogos que tanto amo, o que me fez pesquisar muito sobre o assunto e ver todos os vídeos e reações possíveis até que finalmente pudesse testar. Esse dia ocorreu quando participei da exposição dos objetos utilizados na série de televisão Game of Thrones, que ocorreu no Rio de Janeiro em 2014. Em uma plataforma de madeira montada no local, as pessoas utilizavam a primeira versão de desenvolvedor do Oculus Rift para subir a grande muralha em um elevador. Eu não podia acreditar no que estava vendo.
Dentro de cada uma dessas cabines, usuários experimentavam o Oculus Rift e sentiam-se subindo a Muralha. Para melhorar a experiência, o chão tremia e um ventilador era ligado em momentos específicos.

Depois de já ter experimentado outros modelos, como o StarVR e o Project Morpheus, exclusivo da Sony para o PlayStation 4, finalmente pude ter noção de como está a tecnologia atual e quais os problemas que ela ainda tem, que precisam ser resolvidos antes e até mesmo durante a produção e venda dos produtos ao público. Seja como for, há um fato: a realidade virtual vai mudar a sociedade atual de alguma maneira.

Como já dito, apenas após utilizar algum dos aparelhos conseguimos ter noção da enorme gama de possibilidades que os óculos trazem. É possível esquecer do mundo real em apenas alguns segundos devido à fidelidade de rastreamento e profundidade do universo virtual. Inclinar a cabeça alguns milímetros nos faz ver lugares e posições que nunca veríamos em uma televisão convencional, causando a sensação de movimento mesmo quando estamos sentados. Lugares altos conseguem causar frio no estômago, e coisas vindo em nossa direção nos trazem o impulso de desviar.
A Sphericam chega com a proposta de filmar para criar conteúdo para a realidade virtual, e tem o tamanho de uma bola de tênis.

Assim como Mark Zuckerberg, criador do Facebook, muitas pessoas estão vendo além da utilização da tecnologia nos jogos. Todos imaginam um futuro em que não precisaremos sair de casa para ir ao museu, ou comprar ingressos virtuais para assistir shows no conforto do sofá. As chamadas de vídeo com aquele seu parente que vive no Japão parecerão reais, e as reuniões no escritório poderão ser feitas sem precisar tirar o pijama. Já existe, inclusive, uma pequena câmera sendo produzida que filma em 360º, já imaginando a sua utilização com os óculos. Tudo chega a ser incrível de se imaginar — e um pouco assustador —, principalmente se pensarmos que os produtos chegam muito em breve no mercado.

As barreiras reais

Apesar de ser extremamente promissora, a realidade virtual já enfrenta diversos problemas. Além do que já foi citado nesse texto, envolvendo as pessoas terem preconceitos em torno da tecnologia por nunca terem tido contato, há outros fatores que levam até mesmo os desenvolvedores e produtores a ficarem preocupados.

Uma das maiores reclamações de muitos que usaram os óculos atuais é o fato de sentirem enjoos em diversos níveis, sendo até mesmo necessário parar a experimentação. Eu, pessoalmente, nunca tive nenhum problema com filmes e jogos em 3D, passando dias seguidos com o Nintendo 3DS grudado nos olhos, então sempre me considerei forte. Ledo engano. Durante a minha utilização do Morpheus na E3, com o jogo The Assembly, tive a sensação de estar lendo um livro em um carro em movimento — tive até que parar de me mover no jogo por alguns minutos.
A visão dos dois olhos, dentro de óculos de realidade virtual, com um nariz digital no meio.

Há diversas teorias e tentativas para que as sensações ruins ao utilizar a realidade virtual fiquem para trás. Enquanto alguns dizem que é preciso alinhar o posicionamento da cabeça perfeitamente (o que faz sentido, já que nosso cérebro estranha se olharmos reto e virmos algo inclinado), há até desenvolvedores colocando um nariz falso no nosso rosto virtual, dizendo que é ele quem nos faz ter noção de onde estamos. Seja como for, caso isso não seja resolvido, muitos serão obrigados a ficar longe da tecnologia.

Quanto ao acessório em si, houve grandes progressos. A maioria dos pares de óculos é leve e confortável, sendo ajustáveis na cabeça e com fones de ouvido fáceis de colocar. Por experiência própria, é possível passar muito tempo com eles sem sentir a cabeça pesada ou desconfortos musculares. Mas há algo que continua me incomodando e que não parece ter melhorado em nenhum dos equipamentos: o embaçamento de telas. Após muito tempo de uso, os visores embaçam, sendo necessário tirar o acessório e passar um pano de limpeza.
Um dos perigos e medos de muita gente: o esquecimento do mundo real e isolamento da sociedade.

Há, é claro, o fato de que para utilizar a realidade virtual é necessário estar em uma situação favorável. Se jogar videogame sempre foi visto como uma tarefa solitária, chegaremos nos limites de tal ideia, já que estaremos completamente isolados de tudo o que ocorre no mundo real. Será praticamente impossível atender telefones e conversar com outras pessoas, ou até mesmo jogar com elas (há empresas dizendo que isso será possível, então estamos ansiosos para ver em funcionamento). Também é importante lembrar que, ao menos no início, todos os aparelhos devem ter fios, sendo necessário ficar perto dos consoles e computadores.

Por fim, há a necessidade de adaptação dos desenvolvedores de software. Diferentemente do que muitos pensam, cada óculos exige programas e programações diferentes, com poucas coisas em comum, sendo necessário criar adaptações ou até mesmo outros projetos para diferentes aparelhos — é como se falássemos de um jogo feito no Wii U que tivesse que migrar para o PlayStation 4. Já há projetos que criam maneiras de gerar conteúdo para a maior parte deles ao mesmo tempo, e isso precisa acontecer em breve para que novos softwares sejam acessados por todos. E, claro, o mercado indie também precisará tirar proveito disso tudo.
O Project Morpheus, da Sony, inova com o seu visual futurista, e impressiona todos que o experimentam. 

O futuro é (quase) agora

Todos os problemas citados podem parecer o suficiente para que muitos desacreditem na realidade virtual, quando é impossível saber o quão impactante a tecnologia será no mercado. Quando os óculos 3D chegaram aos cinemas, muitos disseram que isso não funcionaria e que se perderia em pouco tempo, sendo que é um mercado que movimenta milhões de dólares até hoje. Tudo que é novo precisa ser usado e, após o aceitamento do público, melhorado e ter seus problemas resolvidos.
Há poucos anos, os óculos 3D eram vistos como o futuro dos jogos. Hoje, caíram no esquecimento.

Caso você pense, mesmo após ler este texto, que a realidade virtual não vai mudar a maneira de jogar videogames, você está certo (ao menos em curto prazo). Assim como os controles com sensor de movimento que são pouco utilizados, a maior parte dos jogadores quer apenas sentar e jogar, sem se preocupar com mais nada. Ter que preparar acessórios, ajustar, configurar e testar é o suficiente para que muitos continuem com a velha e boa televisão. Nem mesmo a Sony aposta nisso, já que anunciou o Morpheus mas mostrou pouquíssimos jogos para ele.

O que pode (e espero) que aconteça é que a realidade virtual tenha uma boa recepção pelos jogadores, que serão sua primeira investida. Caso as vendas sejam boas, a tecnologia continuará sendo aprimorada e garantirá um futuro com aparelhos mais leves, sem fios e que solucionem a maior parte dos problemas aqui apresentados. Ao contrário do que muitos pensam, praticamente todos os estilos de jogos funcionam bem em um ambiente virtual (e não só o que é em primeira pessoa), então só o fato de ser possível optar por entrar de fato naquele ambiente já torna a experiência incrível.

Penso em 2017 como um ano de opções. Poderei escolher como jogar videogame, com quem, como e onde quiser. Enquanto a realidade virtual agregar a isso e trouxer ainda mais experiências, ela estará presente em minha sala como outra maneira de jogar. E, bem, se nem assim você quiser saber dela, lembre-se de que há outro mercado que será explorado: o pornográfico — eis, então, a certeza de uma tecnologia de sucesso.
O futuro.


Revisão: Luigi Santana
Capa: Ana Rocha

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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