Mafia II: contexto histórico, crime corporativo e uma carta de amor ao cinema de máfia

Mafia II entrega uma representação fiel ao período pós Segunda Guerra e uma versão interativa de sucessos do cinema de máfia.

em 28/12/2025
Mafia II, lançado em 2010 pela 2K Czech, não é apenas um jogo de ação em mundo aberto, é um filme interativo que leva o jogador ao submundo do crime organizado durante um dos períodos mais turbulentos da história americana. Ambientado em Empire Bay, uma cidade fictícia inspirada em Nova York com toques de Chicago, San Francisco e Detroit, o título se passa durante os anos 1943 a 1951 explorando como a Segunda Guerra Mundial, o pós-guerra e a ascensão da máfia americana transformam Vito Scaletta e Joe Barbaro em representações de uma era de escassez, ambição e corrupção.


A Segunda Guerra Mundial: racionamento, mercado clandestino e a ascensão de Vito

A trama começa em 1943, com Vito lutando na Sicília como soldado americano. Essa abertura reflete a participação dos EUA na guerra especialmente a invasão da Sicília em julho de 1943, evento que enfraqueceu o Eixo (aliança formada pela Alemanha nazista, Itália fascista e Império do Japão). Milhões de jovens ítalo-americanos, como Vito, foram alistados, muitos buscando escapar da pobreza. Historicamente, a máfia colaborou com o governo dos EUA; figuras como Lucky Luciano ajudaram a garantir a segurança dos portos americanos, enquanto a inteligência militar aproveitava a rede de contatos mafiosos na Itália para facilitar o avanço aliado.


Em 1945, as dívidas que Vito herda do falecido pai e o racionamento da OPA - Office of Price Administration (em português seria algo como Agência de Administração de Preços ou Departamento de Administração de Preços) em Empire Bay servem de pano de fundo para a ascensão da máfia no mercado clandestino. O roubo de selos de gasolina no game retrata como o esforço de guerra permitiu ao crime organizado lucrar com a escassez de recursos, consolidando seu poder na América e na Europa.

Imigrantes ítalo-americanos, como a família de Vito, sofriam discriminação: mais de 600.000 foram classificados como "inimigos do estado" após a declaração de guerra à Itália, com restrições a rádios e viagens. Vito representa essa geração dividida entre lealdade à América e atração pelo crime como "sonho americano" alternativo, em uma sociedade que os marginaliza apesar de seu serviço militar. Abaixo podemos verificar uma recriação do aviso do Departamento de Justiça declarando que todos os estrangeiros inimigos devem se registrar no correio mais próximo para obter um certificado de identificação:



O pós-guerra: crescimento econômico, máfia em tensão e o início do tráfico de drogas

Após o período de Vito na prisão, o game avança para 1951, Empire Bay reflete o "boom" econômico estadunidense: o GI Bill(Lei criada para auxiliar veteranos da Segunda Guerra a se reintegrarem à vida civil) ajudava, porém muitos como Vito optavam pelo crime para ascensão rápida. A cidade ganha carros modernos, músicas de Dean Martin e uma cultura consumista, mas sob a superfície, rivalidades entre famílias (Falcone, Clemente, Vinci) espelhavam as Cinco Famílias de Nova York (Gambino, Genovese, Lucchese, Bonnano e Colombo).



As audiências Kefauver (1950-1951), lideradas pelo senador Estes Kefauver, expuseram a Cosa Nostra na TV para 30 milhões de americanos, revelando corrupção em portos, sindicatos e política. Isso aumenta a paranoia com informantes, como Henry Tomasino no jogo, que vira delator, um medo real, culminando em testemunhos como o de Joe Valachi em 1963. Missões de assassinato de rivais e guerras de gangues irlandesas ou chinesas refletem conflitos étnicos da época: irlandeses vs. italianos, e o surgimento de tríades asiáticas.



O tráfico de drogas, proibido por chefes tradicionais, surge no Capítulo 12 do game com a heroína da tríade chinesa. Nos anos 1950, a máfia começou a explorar narcóticos apesar da resistência. Vito e Joe entram nisso por dinheiro rápido, ilustrando como o pós-guerra globalizou o crime, com a máfia preenchendo vácuos deixados pela guerra.




No DLC Joe's Adventures, ambientado em 1950 enquanto Vito está preso, vivenciamos a investigação de Joe sobre uma traição. Isso captura o auge das audiências Kefauver, com delatores e alianças instáveis. Missões em armazéns, matadouros e bordel/cassinos refletem o controle mafioso sobre sindicatos e vícios (jogos de azar, bebida, cigarro, etc. Joe trabalha para os Clemente antes de se aliar aos Falcone, mostrando a fluidez das lealdades em uma era de forte monitoramento federal.

A história como motor da narrativa

As missões de Mafia II são um show à parte e funcionam como uma antologia visual do gênero: o roubo de selos explica o mercado negro da guerra; tiroteios em hotéis ecoam o realismo do filme Os Bons Companheiros (1990), em que a camaradagem entre Vito e Joe espelha a dinâmica de Henry Hill e seus associados. A transição da 'velha guarda' para o crime corporativo remete à estrutura mostrada no clássico O Poderoso Chefão: Parte II (1974), enquanto o clima de paranoia e a pressão dos sindicatos antecipam a temática de O Irlandês (2019).



Uma viagem histórica imperdível

Mafia II usa e abusa de sua ambientação em 1943-1951 para mostrar como a guerra e o pós-guerra moldaram a máfia: de contrabando oportunista a tornarem-se impérios globais. Após jogar o título, compreendemos que, em uma era de escassez e corrupção, as escolhas de Vito e a natureza impulsiva de Joe não eram apenas traços de caráter, mas derivavam diretamente de um mundo que nunca lhes ofereceu uma saída limpa.

Revisão: Thomaz Farias
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WindsorSan
Jogadorino desde os áureos anos 90, geralmente surpreende amigos com a quantidade de títulos que já finalizou. Divide o amor por games com seus mangás, Hq's e filhotes. Agora seu objetivo é registar seus conhecimentos para as novas gerações de jogadores.
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