Um DLC lançado dois anos após o lançamento original de um título considerado
menor para a série e, ainda por cima, gratuito? Chega a ser estranha essa
abordagem que a Ubisoft teve com
Assassin’s Creed Mirage: Vale da Memória, mas, ao mergulhar em sua
proposta, fica claro que há um propósito específico: oferecer um epílogo um
tanto tardio a um protagonista cuja construção poderia ter ficado mais
completa no jogo base ou, ao menos, durante a janela de lançamento oficial do
título.
Assim, a expansão surge como uma nova forma de reconectar o público a Basim,
desenvolvendo-o como personagem e retomando algumas pontas abertas que suas
aparições anteriores possam ter insinuado, entregando um conteúdo tanto
inesperado quanto tardio, mas que busca preencher essas lacunas.
Da Bagdá Abássida a um oásis no coração da Arábia
O fato de Basim ser um jovem órfão exerce uma influência considerável em sua
jornada de aprendizado e ascensão na hierarquia da Ordem dos Ocultos, bem
como em sua busca por respostas a respeito de sua própria origem,
intimamente ligada às entidades ancestrais Isu, o que, eventualmente,
culmina em sua aparição em Assassin’s Creed Valhalla.
A partir daí, Vale da Memória é uma campanha adicional que dá continuidade a
esse dilema de seu nascimento, mas em um plano humano, uma vez que se trata
da busca do protagonista por seu pai desaparecido, seguindo os boatos acerca
de seu paradeiro até a região de AlUla, na atual Arábia Saudita.
A nova campanha, então, é bastante linear, durando aproximadamente quatro
horas, caso seja acompanhada de forma direta, sem que o jogador se distraia
com outros elementos espalhados pelo novo mapa. Após uma viagem retratada em
uma belíssima cutscene, Basim enfim chega à localidade em questão e logo
parte em direção ao cemitério, onde passa a vasculhar as lápides atrás de
alguma pista que pudesse indicar a presença de seu progenitor.
Lá, ele conhece uma moça chamada Hind, cuja família foi atacada por
bandidos, e que o apresenta a Nimlot, um comerciante local de grande poder,
aparentemente capaz de ajudar o protagonista não apenas em sua busca, mas
também em sua nova missão particular: enfrentar a facção criminosa que agora
promove o terror na região.
Nisso, a história vai se desenrolando. Os rastros de seu pai levam Basim à
prisão, sendo necessário usar toda sua habilidade stealth para fugir do
local, além de desbravar algumas das ruínas no deserto ao norte do oásis de
AlUla e invadir o acampamento dos bandidos, antes de, enfim, reencontrar-se
com seu velho em uma conclusão emocional.
A principal questão nessa abordagem, além do laconismo geral que permeia
essa campanha, é a forma como essa história do passado de Basim deveria ter
sido trabalhada durante a janela de suporte original do jogo, quando ele
ainda estava consideravelmente fresco após o lançamento.
É curioso pensar que se trata de um fragmento importante da história que só
veio à tona porque a famigerada Fundação MiSK decidiu bancar todo o pacote
de conteúdo, de acordo com uma de suas missões institucionais: promover e
valorizar a cultura e a história sauditas por meio da ciência, da tecnologia
e das artes.
Apesar de todo o teor político envolvido, é inegável o valor patrimonial que
a região de AlUla carrega. Trata-se de um dos territórios mais antigos e
significativos da Arábia Saudita, lar de civilizações que remontam a
milênios de história. Essa dimensão traz uma camada de significado
adicional, uma vez que, quando um território carrega marcas tão tangíveis de
povos antigos — de tumbas meticulosamente talhadas a trilhas comerciais que,
por séculos, conectaram culturas distintas —, espera-se que uma obra de
entretenimento consiga dialogar com essa riqueza de forma mais ampla.
Vale da Memória, nesse sentido, aproveita, sobretudo, o impacto visual desse
patrimônio, mas nem sempre consegue explorar sua profundidade cultural com a
mesma intensidade. Ainda assim, a mera utilização de AlUla como palco traz
consigo todo um simbolismo à busca de Basim por respostas acerca de seu
passado, desenvolvendo-o (ainda que tardiamente) como personagem em um
cenário real cuja relevância contemporânea vai muito além do papel de mero
pano de fundo.
Uma Ambientação Brilhante em Busca de Propósito
Nota-se que o novo mapa trazido pelo pacote DLC é simplesmente deslumbrante.
Um verdadeiro deleite de se explorar. Ele conta com quatro ambientes
distintos: deserto rochoso, arenoso, oásis e urbano, todos apresentados com
impressionante naturalidade e distribuídos em seis territórios mapeados. Por
eles, a Ubisoft espalhou alguns Contos de AlUla — que, tal como os Contos de
Bagdá, funcionam como missões secundárias de história —, além de contratos
de assassinatos que podem ser aceitos no painel no assentamento e alguns
colecionáveis.
Esses colecionáveis, por sua vez, apresentam-se de quatro maneiras
distintas. As melodias de oud (um instrumento de cordas parente do alaúde) repetem as partituras musicais de Assassin's
Creed IV: Black Flag, que começam sempre em uma posição fixa e passam a voar
quando Basim se aproxima, sendo necessário persegui-las por um caminho
pré-determinado. Mais fáceis de coletar, entretanto, são os dados referentes
aos pontos de referência históricos e os folclores, narrados por um NPC e
destinados a ilustrar algumas lendas locais.
Enquanto tais colecionáveis aparecem marcados no mapa e são relativamente
fáceis de obter, a sidequest de Hind e seus itens roubados exige um trabalho
maior. A localização desses objetos é oculta e indicada por uma dupla de
pergaminhos cada. Embora tais pistas sejam indicadas no mapa, cabe ao
jogador decifrar o exato local onde estão escondidas as relíquias da moça.
De um modo geral, cada um dos seis territórios conta com duas dessas pistas
e mais um colecionável de cada tipo mencionado. Na prática — ainda mais
conhecendo a Ubisoft —, todo o espaço aberto de AlUla parece desperdiçado
diante de uma quantidade tão escassa de tarefas culturais. É interessante
aprender sobre os marcos históricos, mas alguns deles poderiam ser melhor
descritos pelo banco de dados.
O mesmo vale para a mitologia daquela região da Arábia Saudita. Será que
eles são tão escassos de folclore a ponto de contarem com um número tão
baixo de fábulas? Obviamente, trata-se de uma pergunta retórica, já que a
Ubisoft Bordeaux conseguiu fazer um excelente trabalho em reproduzir a
beleza desse mundo em nível visual — o que também é substância por si só —,
mas parece não ter alcançado o mesmo sucesso ao promover a imersão local por
meio de seus costumes também.
Por sorte, a atmosfera geral da expansão — que também se beneficia de uma
excelente trilha sonora de melodias étnicas — consegue encapsular muito bem
tudo o que ela tem a dizer, oferecendo um clima positivamente melancólico e
que traduz com perfeição os dilemas do protagonista em relação ao seu
passado. Isso, novamente, evidencia o quanto a sucintez da narrativa
infelizmente não investiu mais tempo para aproveitar todos os recursos que
estavam à sua disposição.
Para cada acerto, um novo revés
Esse mesmo mundo, magistralmente concebido, também se aproveita muito bem
dos ajustes a nível mecânico que foram implementados pelas atualizações ao
longo do tempo, inclusive esta última, que trouxe o pacote DLC. Embora tenha
demorado um pouquinho para me acostumar novamente ao esquema de controle de
Mirage depois de tanto tempo em Assassin’s Creed Shadows, logo foi
perceptível que nenhum dos problemas presentes no jogo originalmente
incomodou nessa nova jogatina.
Para os que não se lembram, a lentidão e a imprecisão de Basim acabavam
prejudicando todo o excelente trabalho de design de mapas exercido em Bagdá.
Em Vale da Memória, por sua vez, não se percebeu qualquer desobediência na
hora de saltar do topo de algum telhado, de percorrer uma trilha por entre o
relevo pedregoso ou de entrar em algum prédio pela janela. Tudo funcionou
como realmente deveria desde o início.
A nova atualização também trouxe a possibilidade de repetir sequências da
história principal e do DLC através do Animus. A lista é bem robusta, e o
jogo ainda apresenta um sistema de objetivos secundários que fornecem um
tempero de desafio a mais para tais missões e que, uma vez cumpridos, podem
desbloquear recompensas que vão desde equipamentos até a possibilidade de
usar cheats através do menu em questão.
O problema é que toda nova adição positiva trazida por Vale da Memória
parece ter sempre um revés, já que essas mesmas metas secundárias são quase
sempre as mesmas — não seja detectado, não perca vida, esse tipo de coisa
básica — e bem pouco inspiradas. Parecem desafios artificiais cujo
cumprimento não é nem um pouco estimulante.
Uma jornada breve, mas de coração aberto
A campanha trazida por Vale da Memória não é ruim a nível narrativo,
mas, dado o muito bem-sucedido esforço em construir uma AlUla tão
deslumbrante a nível visual, sua linearidade, curta duração e carência
de conteúdo adicional para além da história acabam minando um pouco essa
impressionante conquista. A despeito disso, ainda é uma revisitação
cativante para os entusiastas de Assassin’s Creed Mirage, que, muito
provavelmente, se sentirão mais uma vez em casa ao acompanhar Basim em uma
nova, tocante e intimista aventura — uma abordagem que exala uma delicadeza
que, convenhamos, anda sendo deixada um pouco de lado na franquia.
Prós
- O novo mapa de AlUla é deslumbrante, um deleite de se percorrer e explorar;
- Jogabilidade muito superior à original, sendo que a movimentação de Basim e os sistemas de parkour funcionam muito melhor do que no jogo base;
- Adiciona a opção de repetir sequências pela Animus, incluindo missões do jogo base, com objetivos secundários que favorecem o fator replay e trazem um elemento extra de desafio;
- Embora sucinta demais, o enredo ainda traz uma luz intimista e tocante aos dilemas de Basim a respeito de sua origem.
Contras
- A campanha é curta (cerca de quatro horas) e a narrativa é agressivamente linear;
- O novo mapa é pouco aproveitado, dada a vastidão do cenário frente ao baixo volume de atividades;
- Os objetivos secundários para as missões da Animus são repetitivos, sem inspiração, artificiais e pouco estimulantes;
- Pouco conteúdo extra além da história, como colecionáveis ou missões secundárias (o que é uma surpresa, vindo de um jogo da Ubisoft).
Assassin’s Creed Mirage: Vale da Memória — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Mobile — Nota: 6.5Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital do jogo base cedida pela Ubisoft no
lançamento original

















