Análise: Assassin’s Creed Mirage – Vale da Memória entrelaça a busca de Basim por suas raízes com o legado milenar de AlUla

Novo DLC gratuito complementa a história do protagonista em uma campanha que, embora decente, não aproveita plenamente o deslumbrante novo ambiente.

em 07/12/2025


Um DLC lançado dois anos após o lançamento original de um título considerado menor para a série e, ainda por cima, gratuito? Chega a ser estranha essa abordagem que a Ubisoft teve com Assassin’s Creed Mirage: Vale da Memória, mas, ao mergulhar em sua proposta, fica claro que há um propósito específico: oferecer um epílogo um tanto tardio a um protagonista cuja construção poderia ter ficado mais completa no jogo base ou, ao menos, durante a janela de lançamento oficial do título.


Assim, a expansão surge como uma nova forma de reconectar o público a Basim, desenvolvendo-o como personagem e retomando algumas pontas abertas que suas aparições anteriores possam ter insinuado, entregando um conteúdo tanto inesperado quanto tardio, mas que busca preencher essas lacunas.



Da Bagdá Abássida a um oásis no coração da Arábia

O fato de Basim ser um jovem órfão exerce uma influência considerável em sua jornada de aprendizado e ascensão na hierarquia da Ordem dos Ocultos, bem como em sua busca por respostas a respeito de sua própria origem, intimamente ligada às entidades ancestrais Isu, o que, eventualmente, culmina em sua aparição em Assassin’s Creed Valhalla.




A partir daí, Vale da Memória é uma campanha adicional que dá continuidade a esse dilema de seu nascimento, mas em um plano humano, uma vez que se trata da busca do protagonista por seu pai desaparecido, seguindo os boatos acerca de seu paradeiro até a região de AlUla, na atual Arábia Saudita.

A nova campanha, então, é bastante linear, durando aproximadamente quatro horas, caso seja acompanhada de forma direta, sem que o jogador se distraia com outros elementos espalhados pelo novo mapa. Após uma viagem retratada em uma belíssima cutscene, Basim enfim chega à localidade em questão e logo parte em direção ao cemitério, onde passa a vasculhar as lápides atrás de alguma pista que pudesse indicar a presença de seu progenitor.




Lá, ele conhece uma moça chamada Hind, cuja família foi atacada por bandidos, e que o apresenta a Nimlot, um comerciante local de grande poder, aparentemente capaz de ajudar o protagonista não apenas em sua busca, mas também em sua nova missão particular: enfrentar a facção criminosa que agora promove o terror na região.

Nisso, a história vai se desenrolando. Os rastros de seu pai levam Basim à prisão, sendo necessário usar toda sua habilidade stealth para fugir do local, além de desbravar algumas das ruínas no deserto ao norte do oásis de AlUla e invadir o acampamento dos bandidos, antes de, enfim, reencontrar-se com seu velho em uma conclusão emocional.




A principal questão nessa abordagem, além do laconismo geral que permeia essa campanha, é a forma como essa história do passado de Basim deveria ter sido trabalhada durante a janela de suporte original do jogo, quando ele ainda estava consideravelmente fresco após o lançamento.

É curioso pensar que se trata de um fragmento importante da história que só veio à tona porque a famigerada Fundação MiSK decidiu bancar todo o pacote de conteúdo, de acordo com uma de suas missões institucionais: promover e valorizar a cultura e a história sauditas por meio da ciência, da tecnologia e das artes.




Apesar de todo o teor político envolvido, é inegável o valor patrimonial que a região de AlUla carrega. Trata-se de um dos territórios mais antigos e significativos da Arábia Saudita, lar de civilizações que remontam a milênios de história. Essa dimensão traz uma camada de significado adicional, uma vez que, quando um território carrega marcas tão tangíveis de povos antigos — de tumbas meticulosamente talhadas a trilhas comerciais que, por séculos, conectaram culturas distintas —, espera-se que uma obra de entretenimento consiga dialogar com essa riqueza de forma mais ampla.

Vale da Memória, nesse sentido, aproveita, sobretudo, o impacto visual desse patrimônio, mas nem sempre consegue explorar sua profundidade cultural com a mesma intensidade. Ainda assim, a mera utilização de AlUla como palco traz consigo todo um simbolismo à busca de Basim por respostas acerca de seu passado, desenvolvendo-o (ainda que tardiamente) como personagem em um cenário real cuja relevância contemporânea vai muito além do papel de mero pano de fundo.



Uma Ambientação Brilhante em Busca de Propósito

Nota-se que o novo mapa trazido pelo pacote DLC é simplesmente deslumbrante. Um verdadeiro deleite de se explorar. Ele conta com quatro ambientes distintos: deserto rochoso, arenoso, oásis e urbano, todos apresentados com impressionante naturalidade e distribuídos em seis territórios mapeados. Por eles, a Ubisoft espalhou alguns Contos de AlUla — que, tal como os Contos de Bagdá, funcionam como missões secundárias de história —, além de contratos de assassinatos que podem ser aceitos no painel no assentamento e alguns colecionáveis.




Esses colecionáveis, por sua vez, apresentam-se de quatro maneiras distintas. As melodias de oud (um instrumento de cordas parente do alaúde)  repetem as partituras musicais de Assassin's Creed IV: Black Flag, que começam sempre em uma posição fixa e passam a voar quando Basim se aproxima, sendo necessário persegui-las por um caminho pré-determinado. Mais fáceis de coletar, entretanto, são os dados referentes aos pontos de referência históricos e os folclores, narrados por um NPC e destinados a ilustrar algumas lendas locais.

Enquanto tais colecionáveis aparecem marcados no mapa e são relativamente fáceis de obter, a sidequest de Hind e seus itens roubados exige um trabalho maior. A localização desses objetos é oculta e indicada por uma dupla de pergaminhos cada. Embora tais pistas sejam indicadas no mapa, cabe ao jogador decifrar o exato local onde estão escondidas as relíquias da moça.




De um modo geral, cada um dos seis territórios conta com duas dessas pistas e mais um colecionável de cada tipo mencionado. Na prática — ainda mais conhecendo a Ubisoft —, todo o espaço aberto de AlUla parece desperdiçado diante de uma quantidade tão escassa de tarefas culturais. É interessante aprender sobre os marcos históricos, mas alguns deles poderiam ser melhor descritos pelo banco de dados.

O mesmo vale para a mitologia daquela região da Arábia Saudita. Será que eles são tão escassos de folclore a ponto de contarem com um número tão baixo de fábulas? Obviamente, trata-se de uma pergunta retórica, já que a Ubisoft Bordeaux conseguiu fazer um excelente trabalho em reproduzir a beleza desse mundo em nível visual — o que também é substância por si só —, mas parece não ter alcançado o mesmo sucesso ao promover a imersão local por meio de seus costumes também.




Por sorte, a atmosfera geral da expansão — que também se beneficia de uma excelente trilha sonora de melodias étnicas — consegue encapsular muito bem tudo o que ela tem a dizer, oferecendo um clima positivamente melancólico e que traduz com perfeição os dilemas do protagonista em relação ao seu passado. Isso, novamente, evidencia o quanto a sucintez da narrativa infelizmente não investiu mais tempo para aproveitar todos os recursos que estavam à sua disposição.



Para cada acerto, um novo revés

Esse mesmo mundo, magistralmente concebido, também se aproveita muito bem dos ajustes a nível mecânico que foram implementados pelas atualizações ao longo do tempo, inclusive esta última, que trouxe o pacote DLC. Embora tenha demorado um pouquinho para me acostumar novamente ao esquema de controle de Mirage depois de tanto tempo em Assassin’s Creed Shadows, logo foi perceptível que nenhum dos problemas presentes no jogo originalmente incomodou nessa nova jogatina.




Para os que não se lembram, a lentidão e a imprecisão de Basim acabavam prejudicando todo o excelente trabalho de design de mapas exercido em Bagdá. Em Vale da Memória, por sua vez, não se percebeu qualquer desobediência na hora de saltar do topo de algum telhado, de percorrer uma trilha por entre o relevo pedregoso ou de entrar em algum prédio pela janela. Tudo funcionou como realmente deveria desde o início.

A nova atualização também trouxe a possibilidade de repetir sequências da história principal e do DLC através do Animus. A lista é bem robusta, e o jogo ainda apresenta um sistema de objetivos secundários que fornecem um tempero de desafio a mais para tais missões e que, uma vez cumpridos, podem desbloquear recompensas que vão desde equipamentos até a possibilidade de usar cheats através do menu em questão.

O problema é que toda nova adição positiva trazida por Vale da Memória parece ter sempre um revés, já que essas mesmas metas secundárias são quase sempre as mesmas — não seja detectado, não perca vida, esse tipo de coisa básica — e bem pouco inspiradas. Parecem desafios artificiais cujo cumprimento não é nem um pouco estimulante.



Uma jornada breve, mas de coração aberto

A campanha trazida por Vale da Memória não é ruim a nível narrativo, mas, dado o muito bem-sucedido esforço em construir uma AlUla tão deslumbrante a nível visual,  sua linearidade, curta duração e carência de conteúdo adicional para além da história acabam minando um pouco essa impressionante conquista. A despeito disso, ainda é uma revisitação cativante para os entusiastas de Assassin’s Creed Mirage, que, muito provavelmente, se sentirão mais uma vez em casa ao acompanhar Basim em uma nova, tocante e intimista aventura — uma abordagem que exala uma delicadeza que, convenhamos, anda sendo deixada um pouco de lado na franquia. 

Prós

  • O novo mapa de AlUla é deslumbrante, um deleite de se percorrer e explorar;
  • Jogabilidade muito superior à original, sendo que a movimentação de Basim e os sistemas de parkour funcionam muito melhor do que no jogo base;
  • Adiciona a opção de repetir sequências pela Animus, incluindo missões do jogo base, com objetivos secundários que favorecem o fator replay e trazem um elemento extra de desafio;
  • Embora sucinta demais, o enredo ainda traz uma luz intimista e tocante aos dilemas de Basim a respeito de sua origem.

Contras

  • A campanha é curta (cerca de quatro horas) e a narrativa é agressivamente linear;
  • O novo mapa é pouco aproveitado, dada a vastidão do cenário frente ao baixo volume de atividades;
  • Os objetivos secundários para as missões da Animus são repetitivos, sem inspiração, artificiais e pouco estimulantes;
  • Pouco conteúdo extra além da história, como colecionáveis ou missões secundárias (o que é uma surpresa, vindo de um jogo da Ubisoft).
Assassin’s Creed Mirage: Vale da Memória — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Mobile — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital do jogo base cedida pela Ubisoft no lançamento original
OpenCritic
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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