Em inglês, Thrash é uma palavra de várias definições. Como verbo, pode
significar um movimento errante que seja descontrolado ou violento. Também
pode corresponder o açoite repetitivo contra algo. Como substantivo, tem o
sentido de movimento violento ou ruidoso, geralmente envolvendo bater em algo
repetidamente. Pertinentemente, Thrasher, desenvolvido por um estúdio
chamado Puddle, é uma experiência arcade sensorial e psicodélica que
corresponde a todas essas acepções.
Um arcade em seu formato mais clássico
A despeito desses tantos significados que com certeza fazem jus ao seu título,
Thrasher é um jogo bastante simples em sua proposta: a cada estágio, o papel
do jogador é controlar uma espécie de enguia espacial contra uma bateria de
alvos — que assumem a forma de sequências de linhas ou círculos móveis — antes
que o tempo indicado se esgote. Esses objetivos, entretanto, são obviamente
dificultados por uma infinidade de obstáculos, como anéis protetores, minas
explosivas ou raios laser, para mencionar alguns.
Contra esses impedimentos, o jogo vai progressivamente apresentando alguns
power-ups, como a possibilidade de destruir barreiras através de impulsos
adicionais, disparo de projéteis ou o empurrar de uma bola. Cada fase de
Thrasher é composta por nove ondas com um número variável de etapas antes de
chegar no chefe, cujo combate é dividido em três partes, mas, na prática,
sempre pareceu como qualquer outro nível enfrentado anteriormente.
Como a forma básica de pontuação é o tempo, o ato de bater nos obstáculos é
penalizado com a dedução de alguns segundos no cronômetro. Além disso, o
desempenho de cada fase é indicado por um ranking, que pode ir de S+, o
melhor, a B, alcançado quando a enguia não só leva tempo demais para a
conclusão da onda como também acertou alguma barreira durante o processo. A
pontuação também pode subir caso o jogador consiga dar cabo dos alvos em
sequência, fomentando um combo que é esticado quando a enguia executa círculos
na tela.
Em sua estrutura, Thrasher é um arcade em seu estado puro no sentido de
consistir em uma jogabilidade direta e objetiva — além da alavanca de
movimento, o jogo só precisa de um botão de ação, além de outros dois que
aceleram ou reduzem a velocidade da enguia, funcionando muito bem tanto em um
controle quanto no mouse — que se estende por um grupo de fases cujo objetivo
é sempre conseguir a melhor pontuação.
Aliás, além da campanha, há um modo de jogo com desafios um pouco mais
intensos e um modo de ataque de tempo que ajudam a diversificar as opções
disponíveis ao jogador, que pode disputar para alcançar posições cada vez mais
altas nos rankings online, além de um número robusto de conquistas.
Na prática, essa dinâmica básica de nadar pelo espaço em espiral acaba
remetendo vagamente a NiGHTS into Dreams. No clássico cult do Saturn, o
jogador precisava fazer a figura protagonista voar em fases de progressão
lateral on rails e acertar os inimigos com impulsos e envolvê-los no meio de
movimentos de looping, tudo isso enquanto é impedido por vários mecanismos do
estágio em uma corrida contra o tempo.
Outra questão de NiGHTS, entretanto, é que ele é caracterizado por uma
estética onírica surreal e quase psicodélica. Essa característica é
compartilhada por Thrasher, mesmo que à sua forma. Aliás, é possível dizer
que, mesmo que o próprio sistema de jogo bruto seja suficientemente original,
é nessa apresentação geral que o jogo aposta todas as suas fichas.
Muita firula de luzes e sons para disfarçar as carências
Thrasher é um desses jogos que se vendem como experiência. Embora conte com
uma jogabilidade arcade de muita competência, é quando ao se aliar ao
aspecto audiovisual que ela realmente acredita brilhar. Todo o movimento
fluido da enguia espacial é projetado para combinar aos visuais psicodélicos
em tons de vaporwave retrofuturista e uma trilha sonora eletrônica
incessante e insistente.
A cada nova fase, um novo plano de fundo surge. A enguia vai se alimentando,
fortalecendo e crescendo cada vez mais, enfrentando chefões cada vez mais
esquisitos e com novas dinâmicas sendo introduzidas que vão tornando a
jogatina cada vez mais intensa. Ou, melhor, ela acha que vai ficando.
A questão é que o design de cada fase, de cada wave, não é exatamente muito
inspirado. Aos poucos, dá para perceber que ele segue alguns padrões de
repetição cuja única alteração é para condizer com os novos power ups que
são inseridos ao longo da campanha, composta por 27 níveis espalhados por
nove mundos de jogo principais.
É válido reforçar também que esses novos recursos que surgem nem sempre são
muito interessantes ou minimamente práticos. Enquanto o disparador de
projéteis ou o impulso são inclusões que parecem naturais, o mesmo não pode
ser dito para a bola de destruição e um outro que nem descrever a utilidade
dele eu consigo, mas ele apresentava algum bug que vira e mexe fazia a
enguia travar e era necessário retornar ao menu para que o jogo fluísse de
maneira mais apropriada.
Adicionalmente, não é nem um pouco difícil pegar uma média S ao final de
cada realidade enfrentada, uma vez que o jogo penaliza os encontrões contra
os obstáculos de uma maneira bem mais pesada do que uma conclusão que gastou
muito tempo, embora limpa nesse aspecto. Como complemento, o jogo permite o
reset a partir da wave, então é só recomeçar sem ter que reiniciar o nível
inteiro por causa de uma trombada que seja.
Com tamanha dependência desse apelo audiovisual, seria de se esperar que
pelo menos nesse aspecto ele se sobressaísse, mas há alguns problemas
pontuais na execução. O mais incômodo deles diz respeito aos mundos cujos
cenários são claros e iluminados, já que, neles, ficou bem complicado
acompanhar a posição da enguia e de outros elementos em tela.
Em situações anteriores, havia alguma contraposição visual que facilitava a
execução dos combos e até favorecia a imersão entre jogo e jogador. Sem esse
contraste, os alvos, os obstáculos e até a própria enguia se perdem na
imensidão do plano de fundo. Isso acarreta em um grau maior de frustração e,
por consequência, a quebra de todos os estímulos que fariam com que o
jogador se concentrasse unicamente na tela e naquele mundo que Thrasher
tenta apresentar.
Também é de se ressaltar que a trilha sonora, por si só, pareceu realmente
muito aquém em relação ao que ela almeja nesse conjunto sinestésico de
visuais, jogabilidade e música. São batidas repetitivas que podem incomodar
até quem gosta de se sentir consumido por ritmos eletrônicos pesados — como
é o meu caso, para deixar claro. Em mais de uma ocasião eu desliguei o som
do jogo e botei alguma outra playlist de fundo que julguei combinar melhor
com a coisa toda.
Para complementar a trilha sonora deveras incômoda, a despeito da execução
(quase) perfeita do esse estilo estético, é importante notar que ela pode
também exaurir alguns jogadores mais sensíveis ao bombardeio sensorial
promovido pelo conjunto de luzes, som e música e ao movimento frenético dos
elementos em tela — algo que talvez se assemelhe ao motion sickness. Se no
PC já é assim, imagina no VR, a plataforma original para a qual foi
concebido.
Pelo menos, salvo um ou outro bug já mencionado, o jogo é muito bem
otimizado, com uma taxa de exibição que chega a 90 quadros por segundo com
facilidade e sem sobrecarregar a máquina, o que colabora para tornar o
movimento da enguia e de todos os outros elementos em tela ainda mais
fluido.
Errante, ruidoso, repetitivo
Thrasher é, sem dúvida, uma experiência arcade mais clássica do que
na verdade parece, disfarçada por trás de muito estilo que, reforça-se: é um
elemento que não antagoniza com a substância, ao contrário do dito popular,
mas também ajuda a compô-la. O controle da enguia é impecável — a despeito
de alguns bugs e outras influências contextuais, como o plano de fundo —,
mas o design dos estágios e dos power ups não se aproveitam desse grande
triunfo. Parece que o título se mostra tão desesperado em imergir o jogador
em sua piscina sensorial de luzes, cores e sons que ele pareceu se esquecer
que uma das formas de fazer isso é através do desafio prático e arquitetado
de uma forma menos conceitual e mais lógica.
Prós
- Jogabilidade clássica de arcade simples, direta e acessível, com controles intuitivos;
- Controle da enguia espacial é responsivo e preciso, mesmo com algumas limitações contextuais;
- Variedade de modos de jogo, incluindo campanha, desafios e ataque de tempo, com ranking online e conquistas;
- Estética marcante, com visuais psicodélicos e estilo vaporwave que conseguem criar uma identidade visual interessante e chamativa.
Contras
- Design de fases superficial e repetitivo, com pouca inspiração e padrões de repetição;
- Um ou outro bug ocasional que acaba forçando o reinicio a partir do menu;
- Problemas visuais em cenários muito claros, o que dificulta a identificação dos elementos em tela;
- Inconsistência geral no design do jogo, do design de fases simplório aos power ups que as acompanham;
- Trilha sonora repetitiva e incômoda, que não alcança o potencial sinestésico desejado.
Thrasher — PC — Nota: 6.0
Revisão: Johnnie Brian
Análise produzida com cópia digital cedida pela Creature Label














