Análise: Thrasher é um curioso, porém deficiente, arcade sensorial que faz jus ao próprio nome

Originalmente lançado para o VR, a experiência desenvolvida pelo Puddle tem dificuldades para imergir devido a um design de fases superficial.

em 07/11/2025


Em inglês, Thrash é uma palavra de várias definições. Como verbo, pode significar um movimento errante que seja descontrolado ou violento. Também pode corresponder o açoite repetitivo contra algo. Como substantivo, tem o sentido de movimento violento ou ruidoso, geralmente envolvendo bater em algo repetidamente. Pertinentemente, Thrasher, desenvolvido por um estúdio chamado Puddle, é uma experiência arcade sensorial e psicodélica que corresponde a todas essas acepções.

Um arcade em seu formato mais clássico

A despeito desses tantos significados que com certeza fazem jus ao seu título, Thrasher é um jogo bastante simples em sua proposta: a cada estágio, o papel do jogador é controlar uma espécie de enguia espacial contra uma bateria de alvos — que assumem a forma de sequências de linhas ou círculos móveis — antes que o tempo indicado se esgote. Esses objetivos, entretanto, são obviamente dificultados por uma infinidade de obstáculos, como anéis protetores, minas explosivas ou raios laser, para mencionar alguns.




Contra esses impedimentos, o jogo vai progressivamente apresentando alguns power-ups, como a possibilidade de destruir barreiras através de impulsos adicionais, disparo de projéteis ou o empurrar de uma bola. Cada fase de Thrasher é composta por nove ondas com um número variável de etapas antes de chegar no chefe, cujo combate é dividido em três partes, mas, na prática, sempre pareceu como qualquer outro nível enfrentado anteriormente.

Como a forma básica de pontuação é o tempo, o ato de bater nos obstáculos é penalizado com a dedução de alguns segundos no cronômetro. Além disso, o desempenho de cada fase é indicado por um ranking, que pode ir de S+, o melhor, a B, alcançado quando a enguia não só leva tempo demais para a conclusão da onda como também acertou alguma barreira durante o processo. A pontuação também pode subir caso o jogador consiga dar cabo dos alvos em sequência, fomentando um combo que é esticado quando a enguia executa círculos na tela.




Em sua estrutura, Thrasher é um arcade em seu estado puro no sentido de consistir em uma jogabilidade direta e objetiva — além da alavanca de movimento, o jogo só precisa de um botão de ação, além de outros dois que aceleram ou reduzem a velocidade da enguia, funcionando muito bem tanto em um controle quanto no mouse — que se estende por um grupo de fases cujo objetivo é sempre conseguir a melhor pontuação.  

Aliás, além da campanha, há um modo de jogo com desafios um pouco mais intensos e um modo de ataque de tempo que ajudam a diversificar as opções disponíveis ao jogador, que pode disputar para alcançar posições cada vez mais altas nos rankings online, além de um número robusto de conquistas.




Na prática, essa dinâmica básica de nadar pelo espaço em espiral acaba remetendo vagamente a NiGHTS into Dreams. No clássico cult do Saturn, o jogador precisava fazer a figura protagonista voar em fases de progressão lateral on rails e acertar os inimigos com impulsos e envolvê-los no meio de movimentos de looping, tudo isso enquanto é impedido por vários mecanismos do estágio em uma corrida contra o tempo.

Outra questão de NiGHTS, entretanto, é que ele é caracterizado por uma estética onírica surreal e quase psicodélica. Essa característica é compartilhada por Thrasher, mesmo que à sua forma. Aliás, é possível dizer que, mesmo que o próprio sistema de jogo bruto seja suficientemente original, é nessa apresentação geral que o jogo aposta todas as suas fichas.



Muita firula de luzes e sons para disfarçar as carências

Thrasher é um desses jogos que se vendem como experiência. Embora conte com uma jogabilidade arcade de muita competência, é quando ao se aliar ao aspecto audiovisual que ela realmente acredita brilhar. Todo o movimento fluido da enguia espacial é projetado para combinar aos visuais psicodélicos em tons de vaporwave retrofuturista e uma trilha sonora eletrônica incessante e insistente.

A cada nova fase, um novo plano de fundo surge. A enguia vai se alimentando, fortalecendo e crescendo cada vez mais, enfrentando chefões cada vez mais esquisitos e com novas dinâmicas sendo introduzidas que vão tornando a jogatina cada vez mais intensa. Ou, melhor, ela acha que vai ficando.




A questão é que o design de cada fase, de cada wave, não é exatamente muito inspirado. Aos poucos, dá para perceber que ele segue alguns padrões de repetição cuja única alteração é para condizer com os novos power ups que são inseridos ao longo da campanha, composta por 27 níveis espalhados por nove mundos de jogo principais.

É válido reforçar também que esses novos recursos que surgem nem sempre são muito interessantes ou minimamente práticos. Enquanto o disparador de projéteis ou o impulso são inclusões que parecem naturais, o mesmo não pode ser dito para a bola de destruição e um outro que nem descrever a utilidade dele eu consigo, mas ele apresentava algum bug que vira e mexe fazia a enguia travar e era necessário retornar ao menu para que o jogo fluísse de maneira mais apropriada.




Adicionalmente, não é nem um pouco difícil pegar uma média S ao final de cada realidade enfrentada, uma vez que o jogo penaliza os encontrões contra os obstáculos de uma maneira bem mais pesada do que uma conclusão que gastou muito tempo, embora limpa nesse aspecto. Como complemento, o jogo permite o reset a partir da wave, então é só recomeçar sem ter que reiniciar o nível inteiro por causa de uma trombada que seja.

Com tamanha dependência desse apelo audiovisual, seria de se esperar que pelo menos nesse aspecto ele se sobressaísse, mas há alguns problemas pontuais na execução. O mais incômodo deles diz respeito aos mundos cujos cenários são claros e iluminados, já que, neles, ficou bem complicado acompanhar a posição da enguia e de outros elementos em tela. 


Em situações anteriores, havia alguma contraposição visual que facilitava a execução dos combos e até favorecia a imersão entre jogo e jogador. Sem esse contraste, os alvos, os obstáculos e até a própria enguia se perdem na imensidão do plano de fundo. Isso acarreta em um grau maior de frustração e, por consequência, a quebra de todos os estímulos que fariam com que o jogador se concentrasse unicamente na tela e naquele mundo que Thrasher tenta apresentar.

Também é de se ressaltar que a trilha sonora, por si só, pareceu realmente muito aquém em relação ao que ela almeja nesse conjunto sinestésico de visuais, jogabilidade e música. São batidas repetitivas que podem incomodar até quem gosta de se sentir consumido por ritmos eletrônicos pesados — como é o meu caso, para deixar claro. Em mais de uma ocasião eu desliguei o som do jogo e botei alguma outra playlist de fundo que julguei combinar melhor com a coisa toda.  




Para complementar a trilha sonora deveras incômoda, a despeito da execução (quase) perfeita do esse estilo estético, é importante notar que ela pode também exaurir alguns jogadores mais sensíveis ao bombardeio sensorial promovido pelo conjunto de luzes, som e música e ao movimento frenético dos elementos em tela — algo que talvez se assemelhe ao motion sickness. Se no PC já é assim, imagina no VR, a plataforma original para a qual foi concebido.

Pelo menos, salvo um ou outro bug já mencionado, o jogo é muito bem otimizado, com uma taxa de exibição que chega a 90 quadros por segundo com facilidade e sem sobrecarregar a máquina, o que colabora para tornar o movimento da enguia e de todos os outros elementos em tela ainda mais fluido.



Errante, ruidoso, repetitivo

Thrasher é, sem dúvida, uma experiência arcade mais clássica do que na verdade parece, disfarçada por trás de muito estilo que, reforça-se: é um elemento que não antagoniza com a substância, ao contrário do dito popular, mas também ajuda a compô-la. O controle da enguia é impecável — a despeito de alguns bugs e outras influências contextuais, como o plano de fundo —, mas o design dos estágios e dos power ups não se aproveitam desse grande triunfo. Parece que o título se mostra tão desesperado em imergir o jogador em sua piscina sensorial de luzes, cores e sons que ele pareceu se esquecer que uma das formas de fazer isso é através do desafio prático e arquitetado de uma forma menos conceitual e mais lógica.
 

Prós

  • Jogabilidade clássica de arcade simples, direta e acessível, com controles intuitivos;
  • Controle da enguia espacial é responsivo e preciso, mesmo com algumas limitações contextuais;
  • Variedade de modos de jogo, incluindo campanha, desafios e ataque de tempo, com ranking online e conquistas;
  • Estética marcante, com visuais psicodélicos e estilo vaporwave que conseguem criar uma identidade visual interessante e chamativa.

Contras

  • Design de fases superficial e repetitivo, com pouca inspiração e padrões de repetição;
  • Um ou outro bug ocasional que acaba forçando o reinicio a partir do menu;
  • Problemas visuais em cenários muito claros, o que dificulta a identificação dos elementos em tela;
  • Inconsistência geral no design do jogo, do design de fases simplório aos power ups que as acompanham;
  • Trilha sonora repetitiva e incômoda, que não alcança o potencial sinestésico desejado.
Thrasher — PC — Nota: 6.0
Revisão: Johnnie Brian
Análise produzida com cópia digital cedida pela Creature Label
OpenCritic
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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