Vinte anos atrás, a LucasArts lançava a sequência de Star Wars: Battlefront, jogo de tiro em primeira e terceira pessoas. Desenvolvido pela Pandemic Studios, Star Wars: Battlefront II manteve o estilo do seu antecessor ao mesmo tempo em que adicionou batalhas espaciais, uma nova classe jogável consistindo em figuras icônicas de Star Wars como os Jedi e os Sith, e novos planetas e modos de jogo. A obra rapidamente tornou-se um clássico tanto entre os fãs da guerra nas estrelas quanto entre os que amam um bom tiroteio simulado. Cabe agora relembrar tanto as épicas batalhas quanto a tensão fundamental que definem o icônico título.
A brutalidade da guerra
Meu primeiro dia como membro da 501ª – estava quente, com areia, caótico, nada parecido com as simulações em Kamino. Claro que foi basicamente assim para todos nós, não foi? Toda aquela gestação, todos aqueles anos de treinamento... não preparam você de verdade para todos aqueles gritos e sangue, não é?
É assim que começa o Diário da 501ª, a narração de todas as cutscenes do modo campanha do jogo. O texto torna evidente logo de cara qual o mote da história: a humanização dos clones. Trata-se de uma característica que Star Wars: Battlefront II tem em comum com muitas mídias da franquia lançadas no período, ou seja, que acompanharam o lançamento da trilogia prequela de filmes. Enquanto nos longas assistiu-se à descoberta e adoção pelos jedi de um complexo industrial de gestação e treinamento de soldados, nos desenhos, jogos, livros e quadrinhos testemunha-se um esforço ativo para construir empatia com esses seres da guerra.
Produto de seu contexto, o jogo investe pesadamente nessa temática. Acompanhamos os membros da 501ª Legião desde seus primeiros encontros com os horrores da guerra até a comemoração da suposta vitória do Império, passando por uma série de missões nas quais fica claro a lealdade desses soldados a Palpatine (inclusive o fatídico extermínio dos jedi). Ao longo de todo o caminho, o sofrimento e a subjetividade dos clones são destacados pelo narrador-personagem. De fato, o texto das cutscenes é todo muito bem-escrito, transmitindo com sucesso a humanização desejada e a consequente denúncia da guerra.
A diversão do jogar
Não existem filmes antiguerra
A frase atribuída ao cineasta francês François Truffaut sintetiza a ideia de que a mídia cinematográfica sempre fracassará ao tentar denunciar os horrores da guerra. Pode-se atribuir tal conclusão ao fato de que todo filme busca, em algum nível e de algum modo, entreter o espectador. Se isso é verdade para o cinema, é significativamente mais verdade para os videogames. Jogos divertem, como objetivo e por razão de ser. E Star Wars: Battlefront II diverte muito. Mas muito mesmo.
Seja nos modos singleplayer ou no multiplayer, as batalhas são todas caóticas e emocionantes, recheadas de momentos memoráveis em combate. Na terra ou no espaço, em qualquer um dos vários planetas e modos de jogo, quem se aventurar pela galáxia será recompensado com conflitos épicos. Em todos os contextos e cenários, não falta adrenalina e diversão, tudo embalado com a clássica trilha sonora de Star Wars. Jogar como uma das poderosas figuras icônicas da saga é a cereja no delicioso bolo que é jogar Battlefront II.
Dessa forma, o gameplay transmite uma mensagem não somente dissonante, como também diametralmente oposta à narrativa das cutscenes do modo campanha. Enquanto o Diário da 501ª adota um tom sério para humanizar os clones e denunciar a guerra, as batalhas em si não são definidas pela brutalidade ou pelo horror, mas sim pela diversão e pelo teor caótico eletrizante. No final das contas, é possível afirmar que há uma tensão no cerne do jogo entre a intenção da narrativa e a mídia videogame em si, mas isso não satisfaz toda a questão.
A contradição fundamental
Star Wars nunca foi uma saga particularmente sangrenta. Pelo contrário, os filmes sempre foram bastante acessíveis para crianças e adolescentes, apresentando uma versão sanitizada e palatável da guerra. Portanto, não surpreende que obras que visam humanizar soldados e denunciar os horrores dos conflitos armados acabem por se encontrar em uma posição difícil dentro da franquia. Some-se isso à emocionante diversão característica dos jogos de tiro, e começaremos a compreender a contradição fundamental de Battlefront II.
No desenrolar deste texto, pode parecer que estou criticando o jogo pela tensão descrita. De fato, em alguns momentos a discrepância entre as cutscenes e o gameplay me incomodou um pouco. Contudo, é importante destacar que tal contraste apenas é tão marcadamente notável porque a obra é extremamente bem-sucedida, em segmentos diferentes, tanto em humanizar e denunciar quanto em divertir e entreter. A qualidade da escrita se alia a um excelente game design para produzir uma experiência única que mais do que faz por merecer o status de clássico. Eu não desejaria que Battlefront II tentasse ser mais como um Spec Ops: The Line ou, pior, que não fosse um videogame em primeiro lugar. Star Wars: Battlefront II é icônico do jeitinho contraditório que ele é.
Revisão: Thomaz Farias





