Na expansão, diversos rostos novos cruzam o caminho de V, mas poucos são tão impactantes quanto ela. Uma das melhores netrunners do mundo, capaz até de manipular o poder da Barreira Negra, Songbird agora trabalha para a NUSA, e nos envolve em uma missão arriscada para salvar a presidente Rosalind Myers. Em troca, promete uma saída para o problema que nos consome: o constructo de Johnny Silverhand. Mas, como tudo em Night City, nem tudo é o que parece.
Cuidado com os spoilers à frente.
Garota
Nascida em 29 de dezembro de 2045 e crescendo nas ruas de Brooklyn, Nova York, Song So Mi teve desde cedo uma inclinação para o mundo digital, ela demonstrava uma espécie de “intuição” para redes, códigos e sistemas de segurança. Muito jovem, abandonou a rotina comum dos seus pares ao mergulhar no submundo dos netrunners: missões clandestinas, invasões corporativas e dados fortemente protegidos. Foi nesse período que ela atraiu a atenção da Agência Federal de Inteligência (FIA) da New United States of America (NUSA), que, vendo seu talento incomum, lhe fez uma proposta que mudaria sua vida.
Quando tinha cerca de 19 anos, So Mi foi recrutada pela FIA sob cláusula de urgência: ou se juntava à agência, ou enfrentava a perseguição da NetWatch por seus feitos hackers. Assim, ela deixou Brooklyn, rompeu laços com o passado e passou a operar sob tutela do agente Solomon Reed, tornando-se sua aprendiz e protegida. A rotina singular de So Mi evoluiu rapidamente: missões de infiltração, alturas de risco e o aprendizado de que o poder digital pode custar caro.
À medida que a Guerra da Unificação se aproximava, So Mi já participava das operações mais sensíveis da FIA. Durante o conflito, ela foi enviada a Night City sob identidade de agente disfarçada para atuar na linha de frente da “guerra de informações”. Com o tempo, foi forçada a abandonar ainda mais sua individualidade ao aceitar modificações corporais e cibernéticas para suportar imersões perigosas no que se convencionou chamar de “Barreira Negra”. Esse componente físico e mental marcou não só seu corpo, mas selou sua transição de garota hacker independente para peça-chave de um jogo político muito maior do que ela mesma.
Guerrilheira
Quando a Guerra da Unificação eclodiu em 2069, So Mi já era uma agente experiente da FIA, moldada por anos de operações sigilosas e treinamentos que a afastaram de tudo o que um dia conheceu. Junto de Reed e outros agentes da agência, foi enviada disfarçada para Night City. Lá, entre as ruínas de Pacifica e os becos tomados por milícias, ela viveu sob o nome de Songbird, uma netrunner em missão, mas também uma sombra tentando se manter viva em meio ao caos. Seu refúgio era um pequeno apartamento em Serenisands, próximo ao Tranquil Terrace, onde às vezes se permitia respirar. Das varandas altas, observava a cidade pulsar abaixo, lembrando-se das luzes do Brooklyn e de uma vida que já não parecia real.
Durante o auge da guerra, Songbird e Reed receberam a missão mais arriscada de suas carreiras: neutralizar Murata Ozuru, um almirante da Arasaka Corporation. No entanto, antes que a operação pudesse ser executada, a presidente Myers ordenou a retirada imediata e o desmantelamento de todas as células da FIA em Night City. Em meio ao caos da evacuação, três agentes foram assassinados, e a sensação de traição pairou sobre todos os sobreviventes. No último dia da operação, Song e Reed descobriram que Ozuru e sua família haviam sido mortos em um atentado ao AV que os transportava. Nada fazia sentido, mas a guerra raramente oferecia respostas. Reed decidiu concluir pelo menos uma parte de sua missão: evacuar o último agente restante, Jonas Collinson. So Mi o alertou de que Jonas os abandonaria sem hesitar, e ouviu de Reed apenas que, naquela cidade, era preciso acreditar em alguma coisa.
Quando a retirada começou, Reed ficou preso em Night City. Desesperado, entrou em contato com So Mi, enviando suas coordenadas e confiando que ela encontraria uma saída. E ela encontrou. Traçou um plano de fuga que o levaria até um trem maglev com destino ao sul da Califórnia. Reed seguiu as instruções com total confiança, afinal, Songbird nunca falharia com ele. No trem, os dois ainda trocaram breves palavras pelo comunicador. Reed brincou dizendo que ela era a favorita da presidente e merecia o “fácil caminho para fora”, depois de tudo o que havia feito. Ela respondeu com ironia, tentando esconder o peso da decisão que estava prestes a tomar. Quando Reed percebeu a presença de homens armados no vagão e tentou escapar, as portas se fecharam. Foi ela quem as trancou. So Mi o traiu, hesitante, mas convicta de que aquela era a única forma de sobreviver. Reed foi deixado para morrer, cercado por gangoons e soldados da Arasaka, enquanto Songbird se afastava do rádio, incapaz de ouvir os sons que se seguiram.
A guerra terminou oficialmente pouco depois. O governo da NUSA a considerou uma heroína, uma agente que cumprira ordens com precisão e lealdade. Mas dentro dela, a culpa corroía qualquer orgulho. Entre 2071 e 2076, Songbird continuou trabalhando sob ordens diretas da presidente Myers, agora como netrunner de elite do governo. Foi enviada repetidas vezes a missões que exigiam cruzar a Barreira Negra, incursões que consumiam sua mente e seu corpo a cada retorno. Com cada conexão, perdia mais fragmentos de quem fora, mais lembranças de Brooklyn, mais humanidade. “É como se algo estivesse me tomando por dentro”, confessou certa vez. E talvez estivesse. Naquele ponto, Song So Mi já não era mais uma simples agente ou uma soldado. Era um espectro, uma sobrevivente de todas as guerras, inclusive da própria.
Sobrevivente
As incursões repetidas à Barreira Negra a deixaram fragmentada, parte dela ainda humana, parte absorvida por algo que nem os melhores técnicos da FIA conseguiam compreender. Seu corpo passou a rejeitar implantes, e o cérebro, saturado de dados, começou a colapsar. Mesmo assim, a presidente Myers continuou a utilizá-la, mantendo-a viva apenas o suficiente para mais uma missão. Foi nesse estado de quase-ruína que Song foi enviada de volta a Night City, agora como o ativo mais valioso, e mais perigoso, do governo da NUSA.
O contato com V, reacendeu nela uma centelha de algo esquecido: vontade própria. Ao longo da operação Dogtown, So Mi oscilava entre lucidez e colapso, dividida entre a lealdade forçada à Myers e o desejo de finalmente ser livre. O Relic instalado em V, um protótipo experimental, reagiu à presença dela de forma inesperada , como se reconhecesse algo familiar. Em pouco tempo, Song começou a decifrar e manipular o dispositivo, abrindo brechas dentro do constructo, permitindo que V explorasse poderes até então adormecidos: sobrecargas de rede mais rápidas, amplificação neural e a capacidade de projetar-se temporariamente na rede sem interface. Era como se ela transferisse parte de sua própria corrupção digital para V, um presente e uma maldição.
Mas Songbird sabia que o tempo acabava. O colapso cibernético em seu cérebro avançava, e cada mergulho na rede a deixava mais próxima de um apagão definitivo. Assim, traçou seu último plano: escapar da NUSA e da presidente Myers, usando o caos da operação em Dogtown como distração. Pediu ajuda a V, prometendo liberdade, cura e respostas. E V acreditou, como Reed um dia acreditou. A diferença é que, dessa vez, a traição não era fria. Era inevitável. Quando a chance surgiu, Songbird tomou o único caminho possível: o dela.
Com nossa ajuda, So Mi deixa a Terra para trás. A Lua torna-se seu destino final, um caminho de esperança onde finalmente poderia ser livre e buscar a cura que seu corpo e mente fragmentados tanto precisavam. Não buscava redenção, nem paz, apenas o direito de continuar existindo, mesmo que metade de si já pertencesse à rede. Nos confins lunares, o eco de Songbird persiste entre códigos e memórias partidas, como o fantasma de uma guerra que nunca terminou.
Revisão: Johnnie Brian


