Análise: Plus Ultra: Legado inova ao ser um metroidvania de ambientação histórica real

A criativa apresentação visual de história em quadrinhos é totalmente integrada à todos os aspectos da experiência.

em 27/10/2025

Até onde sei, Plus Ultra: Legado é o primeiro metroidvania diretamente baseado em eventos históricos, o que, por si só, já o torna interessante como conceito. O nome vem da expressão que é o lema da Espanha há cinco séculos. Ainda hoje presente no brasão daquele país: plus ultra, em latim, significa “mais além”, um ideal que representa a visão européia na invasão, conquista e colonização das Américas no período conhecido como a época das Grandes Navegações.

A ambientação histórica e a estética metalinguística de quadrinhos são os grandes destaques, mas a gameplay de combate e exploração fica no básico e é atrapalhada por alguns problemas.



Legado do colonizador

O ano é 1519. No início da campanha, o protagonista Don Juan chega a Veracruz, no Golfo do México. Ele faz parte da expedição de Narváez, o novo governador encarregado da missão de prender por desobediência o famoso conquistador Hernán Cortés.

Criado pela Póntica, uma desenvolvedora espanhola, o jogo tem uma visão simpática à conciliação histórica, recorrendo ao maniqueísmo para separar hispânicos malignos, como o conquistador Narváez, dos benignos, simpáticos aos povos originários, como Frei Bartolomé de Las Casas e o próprio protagonista fictício Don Juan.

Sendo o herói da história e representante da Espanha, cabe a ele carregar a visão de seu país invasor e, portanto, o Legado a que se refere o título. O próprio Cortés é apresentado em um viés inteiramente positivo.



A tendência não é de todo surpresa, uma vez que as principais fontes escritas dos eventos que se desenrolaram naquele ano foram produzidas por espanhóis, como o cronista Bernal Díaz del Castillo, também personagem no jogo, e Las Casas.

É visível a intenção da Póntica de trazer uma abordagem ampla, detalhando as tensões entre os diversos povos que já habitavam a região, especialmente as querelas que orbitam em torno do Império Asteca dos mexicas. Esse, no fim das contas, é o vilão maior do jogo e o ponto de apoio para justificar a propaganda histórica dos conquistadores.



Ao mesmo tempo em que condena as guerras e os males provenientes delas, como a escravidão, Plus Ultra: Legado se resigna à inevitabilidade, naturalizando o tecido histórico e colocando o fictício soldado espanhol no centro dele como uma espécie de destino para salvar os povos de seus vizinhos poderosos adeptos de sacrifícios humanos, os mexicas. No fim, ainda que busque ser respeitoso aos povos colonizados, Plus Ultra: Legado mantém a legitimação da visão colonialista.

Tal respeito é expresso em um ponto culturalmente importante: o jogo traz o nahuatl, a principal língua da região naquele período. Não tenho como avaliar o cuidado dado a ela, mas é por si só uma adição significativa. A propósito, também tem nosso português brasileiro, com várias partes questionáveis, mas com um resultado que funciona bem e até combina com a distância exótica de uma trama de 500 anos atrás.



Velho novo mundo

Em se tratando de um videogame, todas as relações belicosas entre os diferentes grupos de espanhóis e indígenas em meio a uma terra desconhecida pelo protagonista providenciam um contexto favorável a um platformer de ação.

Com tantos soldados envolvidos, é possível manter a centralidade do combate sem cair na dissonância. O primeiro chefe que enfrentamos, por exemplo, é Sandoval, capitão sob o comando de Cortés que, anos mais tarde, chegou a ser governador do México.

Essa mesma coerência é vista na exploração, uma vez que controlamos um espanhol recém-chegado ao continente. Em suas andanças, passará por cidades espanholas, cidades astecas, selvas, cavernas e até segmentos da terra dos sonhos, compondo um sistema de biomas que encaixam perfeitamente com a ideia de mundo variado e interconectado que todo metroidvania que se preze deve ter.



Esses dois pontos, porém, são onde Plus Ultra: Legado escorrega. O combate funciona, mas é simplista, contando com pouco mais que golpes de alabarda em quatro direções para atacar inimigos de frente ou com pogo, e um arcabuz de tiro único, que demora para ser carregado e exige uma boa janela de tempo para poder ser usado com eficiência.

Os chefes não empolgam e, na verdade, alguns deles são bem irritantes por serem lutas coletivas em que um estoque interminável de inimigos comuns aparece de forma contínua e atrapalham bastante os esforços de quem joga, algo agravado por problemas de precisão que tornam a movimentação um pouco desajeitada. Podemos considerar que esse problema de balanceamento já foi parcialmente reconhecido pela Póntico, uma vez que a primeira atualização já implementou mudanças em uma dessas lutas. Sinceramente, espero que ajustem outras.

A questão da movimentação pouco precisa também é presente nos segmentos de plataforma em que jogamos com o cachorro. Esses trechos são uma boa mudança de ritmo, mas o comando é mais escorregadio do que eu gostaria, levando-me a numerosas repetições.



Já a exploração é pouco refinada, sem grandes recompensas para encontrar além de moedas de ouro, penas de pássaro e relíquias com informações interessantes sobre o contexto histórico.
A divisão por salas fica apenas no básico da gameplay de plataforma e inimigos para encontrar, servindo mais como caminhos extensos para representar o mundo do que como locais específicos e criativos em design.

Como o mini-mapa é estreito, na maioria das vezes eu precisei recorrer ao mapa completo, acessível com um botão. A cartografia se beneficiaria bastante de ser mais detalhada ou de ter marcadores aplicáveis. Do jeito que está, temos apenas quadriláteros com esboços do tipo de área que há ali e marcações para as passagens entre eles. É o bastante para a navegação básica de um local a outro, mas pouco eficiente como incentivo de exploração.



Incentivo bastante necessário, devo acrescentar. Nem sempre os objetivos são claros e não raro me vi simplesmente percorrendo os caminhos possíveis na esperança de esbarrar no correto, levando a uma jornada pouco intuitiva. A Póntica já se mostra disposta a ouvir feedback e está planejando melhorias, então acredito que mudanças no sistema de mapas poderão evitar certas frustrações no futuro.

Assim, combate e travessia são básicos e atendem ao mínimo, mas não o bastante para quem está interessado primeiramente nesses aspectos.



O encontro da nona arte com a décima

Além da ambientação histórica bem desenvolvida, o grande destaque fica por conta da apresentação em estilo de história em quadrinhos. É um trabalho muito criativo e detalhado, esbanjando metalinguagem de uma maneira que consegue encaixar o conceito com a narrativa e a interface para o enriquecimento da experiência estética. Até a tela de carregamento é uma agradável referência ao personagem belga Tintim.

Cada sala é emoldurada pela sarjeta de HQ (o espaço vazio entre cada quadrinho) e as passagens entre elas são marcadas por limites mais finos, como se danificados. As cenas da história e semblantes dos personagens surgem em ilustrações, acompanhadas de balões de fala. Para passar as falas, quebramos o balão com a alabarda.



Os menus rápidos ficam nas bordas da tela, como se fosse uma página ligeiramente puxada para ver o que está atrás. Essa ideia é aproveitada em três cantos: um para a saúde, outro para o minimapa e o terceiro para colecionáveis.

O menu geral é simples, mas bem-feito na mesma pegada de desenho sobre papel. Dá para notar a atenção ao acabamento e também à contextualização, aprofundada por meio de um interessante diário em que são registrados comentários sobre as pessoas, animais, locais e relíquias encontradas.



A gameplay tem suas licenças poéticas, justificadas pela constante aparência de história em quadrinhos. Esse ponto nos permite suspender a descrença e aceitar a mistura entre ficção histórica e aventura de videogame, sem que uma coisa entre em conflito com a outra.

O mais estranho, provavelmente, é ver Don Juan, um soldado de proporções realistas, usar uma alabarda para fazer pogo (golpear para baixo para ganhar impulso para cima). Afora alguns exageros em nome da aventura gamificada, como um chefão que é um jaguar do tamanho de um boi, a coisa toda até que é pé no chão.



Um exemplo é o medidor de vida, um conceito bem pensado no qual cada ponto de saúde é representado por uma peça de armadura: elmo, peitoral, grevas e escudo. Levar dano implica na perda de um deles, lembrando o esquema do clássico Ghouls’n Ghosts. Não há itens de cura, mas encontramos peças sobressalentes o tempo todo, de acordo com o inimigo derrotado: espanhóis deixam elmos, indígenas têm os escudos e os animais fornecem o couro para as grevas.

As músicas são outro destaque no campo estético, com melodias instrumentais vibrantes e até algumas vozes, contribuindo para fechar a excelente atmosfera de aventura histórica.

Um conceito inovador que precisa de melhorias de gameplay

No metroidvania Plus Ultra: Legado, vai depender das preferências de cada um para definir se a refinada ambientação histórica e a excelente estética de quadrinhos compensam pela gameplay básica e de controles imprecisos. Para mim, o saldo consegue ser positivo, mas a exploração pouco intuitiva e chefes desbalanceados se mantêm como os maiores percalços dessa aventura espanhola colonialista.


Prós

  • Abordagem única de ficção histórica em metroidvanias, ambientada no México sob a conquista espanhola e com a participação de personagens reais;
  • O conceito visual de história em quadrinhos e metalinguagem é profundamente integrado à narrativa e à interface;
  • As músicas são vibrantes e contribuem para a identidade da obra;
  • A tradução para português é estranha, mas funciona bem para a atmosfera.

Contras

  • O combate é simplista e desajeitado;
  • Falta balanceamento às lutas de chefes em que aparece um fluxo interminável de inimigos comuns;
  • O sistema de mapas é pouco eficiente na navegação dos terrenos e na exploração de segredos deixados para trás;
  • Há pouca clareza nos objetivos, com uma exploração que, mesmo sendo ágil, tem muitos momentos que parecem seguir a esmo até esbarrar no próximo requisito para progredir.
Plus Ultra: Legado — PC/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Johnnie Brian
Análise produzida com cópia digital cedida pela Megalevel
OpenCritic
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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