Análise: Ghost of Yōtei entrega excelente progressão orgânica por um mundo aberto estonteante

Uma história de vingança, mas também de retorno para casa.

em 14/10/2025

Após Ghost of Tsushima, em 2020, a Sucker Punch Productions agora trouxe uma nova aventura dramática em um Japão de mundo aberto: Ghost of Yōtei. Ainda que carreguem o mesmo DNA, são jogos completamente independentes, passando em locais e séculos distintos.

Ghost of Yōtei, porém, toma seus próprios caminhos na estrutura do mundo e da campanha, passando por uma via mais orgânica de descobertas e com menos cara de lista de tarefas repetitivas que tanto assolam esse gênero. O resumo é que é um jogo melhor e mais equilibrado do que o seu elogiado antecessor. Vejamos como.



Uma menina, seis bandidos e um destino

A menina Atsu e seu irmão gêmeo Jubei eram filhos de um ferreiro e uma musicista. Viviam em paz em Ezo (hoje, Hokkaido), uma terra ao norte, distante da efervescência bélica que assolou o Japão central por um século inteiro.

Muitos derrotados do sul, no entanto, fugiram para longe e se estabeleceram por lá e, entre eles, estavam os brutamontes conhecidos como os Seis de Yōtei, um grupo de bandidos. Com sua força, o bando se expandiu a partir das redondezas do monte Yōtei e construiu um exército de ronins para fazer frente ao próprio clã Matsumae, os representantes do Shogun na colonização de Ezo.

Os motivos são assunto para o decorrer da campanha e da história, mas o ponto de partida do épico é que os Seis vão pessoalmente matar a família de Atsu e atear fogo à casa. Apenas a garota sobrevive e vai para o sul, onde sobrevive, aprende a espada e, 16 anos depois, retorna para uma vingança suicida contra os assassinos, uma história inteiramente contada no nosso bom português brasileiro, inclusive com dublagem.



Um conto de vingança, mas também de volta à terra natal

Se considerarmos apenas a divulgação do jogo e a introdução, na superfície esta parece ser uma história centrada na vingança. De fato, ela é, contudo há mais camadas sob a pele ensanguentada. Não demorei a sentir que, tão importante quanto o tema da desforra assassina, é o de retorno para o lar.

É claro que muito é dito sobre os malditos Seis e Atsu é uma força implacável que age sem hesitar e que precisa se fortalecer para cumprir seu objetivo. No entanto, é onipresente o tom de volta e de recuperação de algo há muito perdido. A força da nostalgia da terra natal é irresistível à guerreira errante, algo que a Sucker Punch costurou à coluna vertebral do enredo por meio de locais de memória.



Logo que chegamos à primeira região, é à casa de Atsu que vamos primeiro. Dentro daquele perímetro, basta apertar um botão para alternar entre o tempo atual e o tempo das memórias, estabelecendo uma fronteira entre um antes caloroso e um depois que, mesmo estando em ruínas, segue vivo dentro dea protagonista.

Com vários outros locais de memória para alternar para o passado e motivos para revisitar a casa ao longo da campanha e vislumbrar mais do dia a dia daquela gente, Ghost of Yōtei aprofunda as raízes do apego à terra e à família, temas universais com os quais facilmente podemos nos envolver e valorizar nesse conto de perda e retorno.



Jornada por campos e montanhas

É notável como a campanha consegue conciliar os dois temas em sua estrutura. Atsu está determinada a eliminar seus algozes, porém precisa primeiro encontrá-los e se preparar para os confrontos. Faz isso enquanto se deixa levar pelo vento, pela montanha e pelos animais, que parecem recebê-la em seu retorno e validar sua justiça de sangue.

Assim, a espadachim vingativa tem motivos de sobra para explorar o mundo, melhorar equipamentos, trabalhar como mercenária, atacar acampamentos inimigos e buscar mestres de armas, mas também para reforçar o espírito e homenagear os rastros da memória parando em fontes termais, rezando em santuários, ajudando pessoas comuns, desenhando as belezas de Ezo e aprendendo músicas no shamisen, instrumento ensinado a ela pela mãe.



A vantagem é que Ghost of Yōtei nos deixa livres para progredirmos no nosso tempo, sem pressão e sem incoerências temporais na narrativa. Para fazer a história central andar, há gargalos narrativos quando passamos de uma região do mundo para outra, mas o formato de exploração e descoberta segue a tendência à abertura, buscando deixar tudo a cargo da nossa curiosidade em vez de nos impor destinos obrigatórios em sequência.

Ao contrário, vamos descobrindo objetivos junto com Atsu, escutando relatos de camponeses, mercadores ou inimigos vencidos, trazendo informações parciais sobre onde se encontram cada um dos Seis ou seus rivais declarados, mestres de armas que Atsu logo visualiza como potenciais aliados. Também é deles que ouvimos rumores de tesouros, perigos e mistérios.



Assim como em Ghost of Tsushima, os elementos visuais são centrais no desbravamento da terra. De longe avistamos fumaça de acampamentos e árvores de folhagens diferentes que indicam pontos de interação. Raposas e pássaros também são guias para nossos passos, levando a novas pequenas histórias, interações e recompensas.

Tudo isso é alinhado de forma orgânica, sem precisar de indicações insistentes ou de uma lista convencional de missões. Na verdade, a lista está ali, de certa maneira, mas com uma roupagem mais prática e discreta: são cartões organizados no menu do mapa, contando com um novo para cada objetivo distinto. Como estão vinculados ao mapa, basta navegar por eles para ver a localização aproximada do alvo.

Senti que é uma boa abordagem para evitar o enfado das listas de tarefas sem, no entanto, abdicar delas completamente. A variedade dos objetivos e a maneira de atribuir um pouco de significado a cada pequeno achado também contribuem para essa sensação positiva.



O caminho da espada

O que não tem o mesmo sucesso é o combate. Ele é o bastante para ter seus bons momentos e tem a vantagem de trazer uma variedade de armas maior que o jogo de 2020, contando com o esquema básico de melhorias por meio de árvores de habilidades específicas.

O que me incomoda é a sensação de peso dos movimentos e da intenção cinematográfica, que prioriza o estilo e um certo grau de realismo em detrimento do pleno controle que penso que o jogador deveria exercer. Muito sangue voa pelo ar e fica impregnado nas vestes de Atsu, e o golpe final contra os oponentes é sempre uma finalização dentro de um leque de animações. É estiloso, porém menos preciso de manobrar do que outros títulos de ação.



O sentimento é reforçado pela baixa variedade de inimigos. Vemos ronins brandindo katanas e lanças, arqueiros e arcabuzeiros, brutamontes com porretes e chefes que são poucos mais do que versões mais fortes desse pessoal.

O que deixa o combate dinâmico são os diversos recursos de Atsu e a possibilidade de escolher diferentes vias, seja a de luta direta, a sorrateira, a do sistema de confronto e o de aterrorizar inimigos. Tem uma loba que pode aparecer para ajudar nas lutas, contudo não depende de nós e achei que a lupina dá as caras bem menos do que eu gostaria.

Para completar o nível mediano do conjunto de batalhas, a furtividade é simplista e pouco gratificante, resumindo-se a se esgueirar no mato alto para cometer assassinatos com um botão. Há pouco mais que isso em um sistema que até funciona superficialmente, mas não empolga.



O Japão mais belo já visto em jogos

O requinte cinematográfico está de volta e agora temos Modos de Tela baseados em três cineastas japoneses, o que já expliquei detalhadamente em artigo anterior.

No entanto, enquanto as principais cenas da trama brilham em primor técnico, as de diálogos comuns trazem animações faciais pouco expressivas, tímidas demais para uma obra desse porte, chegando a destoar do nível de detalhamento visual que o jogo esbanja.



Um exemplo muito claro disso está no Modo Foto, que é muito detalhado na customização. Em contrapartida, as muitas opções de expressões faciais de Atsu são quase nulas em realmente transmitir as emoções pretendidas, chegando a aparentar estranhas.

Encerrando em tom positivo, destaco um dos pontos mais altos do jogo: a beleza estonteante de seus cenários. É raro que eu me interesse pelo Modo Foto em videogames, mas Ghost of Yōtei é tão impressionante que o usei constantemente apenas para poder ver tudo por ângulos diferentes, mergulhar nos detalhes de uma luta, capturar momentos de revoadas de pássaros, enxames de vagalumes e de cavalgar em meio a uma manada de cavalos, ou mudar o clima e hora do dia para melhor contemplar a paisagem.

Com tantos momentos panorâmicos sob iluminação dinâmica e cores vívidas, é bastante óbvio como a Sucker Punch arquitetou Ezo sob medida para ser deslumbrante e memorável, o que conseguiu com louvor.



Lutando contra os fantasmas da memória

Com uma exploração intuitiva de seu excelente mundo aberto, Ghost of Yōtei dá liberdade de ritmo para prosseguir em um Japão de panoramas deslumbrantes e segredos a descobrir. Temos, assim, duas protagonistas: a guerreira Atsu e a própria terra de Ezo, o que combina bastante com uma história que é tanto sobre vingança quanto sobre o retorno para casa.



Prós

  • Mundo aberto incrivelmente belo e bem projetado para exibir panoramas vistosos e conduzir a orientação geográfica;
  • Sistemas orgânicos de exploração, missões e mapeamento, proporcionando um ritmo de campanha agradável e valorizando a agência de quem joga;
  • Modo foto profundo;
  • Textos e dublagem em português brasileiro.

Contras

  • O combate pesado e cinematográfico pode passar a sensação de ser um pouco desajeitado, assim como de inimigos repetitivos;
  • Exceto nas principais cenas da história, as expressões faciais simples demais estão aquém do nível de detalhamento visual visto em todo o resto da obra.
Ghost of Yōtei — PS5 — Nota: 9.0
Revisão: Thomaz Farias
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sony
OpenCritic
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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