Começou por baixo
Poucos jogos independentes podem se orgulhar de uma história de criação tão singular quanto UNDERTALE. Desenvolvido praticamente sozinho por Toby Fox, o projeto nasceu de forma modesta, contando apenas com a ajuda pontual de alguns artistas voluntários para sprites e artes específicas. Grande parte da programação, design e até mesmo a trilha sonora foi feita por ele, que buscava recriar a sensação nostálgica de RPGs clássicos como EarthBound, mas com um toque totalmente novo.
O financiamento inicial veio de uma campanha no Kickstarter em 2013, que arrecadou mais de US$50 mil, um valor pequeno quando comparado ao padrão da indústria, mas mais do que suficiente para dar vida ao sonho de Toby. A promessa era clara: um RPG em que não seria necessário matar ninguém, e no qual as escolhas do jogador teriam peso real no desenrolar da narrativa.
O processo de desenvolvimento foi longo e, segundo o próprio criador, repleto de improvisações. Muitas ideias surgiram no meio do caminho, moldando personagens e situações que hoje são icônicas. A simplicidade técnica foi compensada com criatividade, resultando em mecânicas inesperadas, diálogos espirituosos e um humor peculiar que se tornaria marca registrada do jogo.
Alcançando o topo
Apesar de sua aparência simples e pixelada, o jogo rapidamente chamou a atenção da crítica especializada e, principalmente, dos jogadores. Em pouco tempo, estava sendo apontado como uma das experiências mais inovadoras da década, conquistando tanto fãs de RPGs tradicionais quanto aqueles que nunca haviam se aventurado no gênero.
A recepção foi avassaladora: sites de análise como o Metacritic deram notas altíssimas, e a comunidade no Steam elevou o jogo à categoria de “Extremamente Positivo”, com mais de 96% de aprovação. Em termos de vendas, o sucesso também surpreendeu. Em poucos anos, UNDERTALE já havia ultrapassado a marca de 1 milhão de cópias vendidas, um feito impressionante para um título independente feito praticamente sem equipe.
Esse crescimento não parou por aí. Ao longo da década, UNDERTALE chegou a diversas plataformas, incluindo PlayStation, Nintendo Switch e até Xbox, ampliando ainda mais seu alcance. Cada relançamento trouxe consigo uma nova onda de jogadores e reforçou a ideia de que a história do pequeno humano no subsolo havia conquistado um lugar permanente na cultura dos videogames.
Um legado que só cresceu
Mais do que números de vendas ou prêmios da crítica, UNDERTALE se consolidou pelo impacto que causou na comunidade. Desde os primeiros meses, surgiram canais no YouTube dedicados a destrinchar cada detalhe da sua rica lore, com teorias sobre os personagens e finais secretos. Outros fãs foram além e criaram músicas, animações e até jogos inspirados pelo universo do Subterrâneo. O título se transformou em uma verdadeira fonte de criatividade coletiva.
A trilha sonora de Toby Fox, por si só, ganhou status de fenômeno cultural. Faixas como Megalovania, Hopes and Dreams e Bonetrousle se tornaram virais, aparecendo em remixes, orquestras e até mesmo em apresentações oficiais da Nintendo, consolidando-se como algumas das composições mais icônicas do mundo dos games. Em shows de videogame music, é comum ouvir a plateia reagindo com entusiasmo logo nos primeiros acordes de suas músicas.
Essa repercussão fez de UNDERTALE algo maior do que apenas um jogo: ele se transformou em uma experiência compartilhada. Cada fã encontrou uma maneira de recontar sua jornada, seja em vídeos emocionais, artes digitais ou discussões apaixonadas sobre o significado das escolhas de pacifismo ou genocídio. A influência segue viva até hoje, provando que o legado de Toby Fox transcende o próprio título que lhe deu origem.
Além do abismo
Com o estrondoso sucesso de Undertale, era natural que os fãs começassem a se perguntar: “E agora?”. Toby Fox, no entanto, nunca pareceu apressado em oferecer uma continuação direta. Em vez disso, apresentou ao mundo Deltarune, um novo projeto que, embora compartilhe elementos estéticos e musicais, segue uma direção própria, com personagens inéditos e uma narrativa diferente, mas que mantém a essência criativa de seu criador.
O lançamento do primeiro capítulo de Deltarune em 2018, seguido pelo segundo em 2021, deixou claro que Toby estava disposto a construir algo maior, mas em seu próprio ritmo. Esses primeiros momentos foram oferecidos gratuitamente, reforçando a ideia de que a motivação principal do desenvolvedor não é comercial, mas sim criativa. Ainda assim, cada novo capítulo gera uma onda de expectativas e teorias dentro da comunidade, exatamente como aconteceu com Undertale, principalmente depois do lançamento do 3 e 4 neste ano.
Hoje, passados dez anos desde a estreia do RPG que mudou tudo, a expectativa pelo futuro continua. Sejam novos capítulos de Deltarune ou até mesmo um projeto inédito, a certeza é de que Toby Fox já escreveu seu nome na história dos videogames. O pequeno jogo nascido de um sonho indie não só conquistou milhões, como abriu caminho para que outras obras independentes também encontrassem seu espaço. O que virá depois ainda é um mistério, mas se há algo que UNDERTALE nos ensinou, é que até mesmo no abismo pode haver esperança e determinação.
Depois de jogar UNDERTALE, acho que precisamos de mais pessoas que não são game designers fazendo jogos. Essas pessoas têm uma visão diferente do que compõe um jogo, fazendo perguntas que nós, gamers tradicionais, nunca fizemos antes.(Lucas Pinheiro Silva, em Analise para o GameBlast)
Revisão: Beatriz Castro


