A última década da Konami foi marcada por uma espécie de crise de identidade. Por anos, insistindo em uma estratégia voltada para jogos mobile e como serviço, muitas de suas marcas clássicas foram ostracizadas no período. Nos últimos anos, entretanto, ela parece estar reencontrando seu rumo ao decidir voltar a dar mais atenção às suas IPs mais tradicionais. Silent Hill f, então, representa um retorno à forma no primeiro jogo original, de grande porte, da série desde 2012.
Neste texto, reunimos materiais promocionais e outras informações oficiais já disponíveis publicamente para oferecer uma prévia do que esperar do novo título da série e te preparar para os horrores que te esperam durante o aterrorizante verão de Ebisugaoka.
O som da cigarra que prenuncia o nevoeiro
O verão japonês, que contempla o equivalente ao inverno brasileiro, é um período curioso. A chegada do calor é, historicamente, atrelada a inúmeros festivais locais que, por sua vez, são conduzidos devido às inúmeras crenças locais e mitos sobrenaturais que permeiam o imaginário, especialmente das comunidades interioranas do país.
Ebisugaoka é um desses povoados e o palco de Silent Hill f. É onde vive Hinako Shimizu, uma garota que passa seus dias tentando evitar, a todo custo, o pai bêbado e abusivo, enquanto vive à sombra da imagem perfeita cultivada por sua irmã mais velha. Sem conseguir se encaixar entre os colegas, Hinako decide, então, seguir na contramão do que se espera dela, agindo de forma totalmente contrária ao papel de gênero que se espera dela, especialmente durante a década de 1960.
O estilo de vida da jovem se mescla perfeitamente com a paisagem de Ebisugaoka, que é escura, fria e úmida, além de sinuosamente vertical. O sufixo -gaoka, inclusive, pode se referir a “colina” (hill, em inglês), com uma paisagem estéril e construções amontoadas que fazem a transversalidade urbana se parecer com um labirinto.
Embora depressivo, trata-se do mundo comum e, portanto, de um local familiar. Essa previsibilidade triste, entretanto, não dura muito tempo, uma vez que uma neblina misteriosa logo toma conta do local, transformando-o em um ambiente onírico, onde uma bela vegetação carmesim assola a vegetação urbana.
A névoa sobrenatural que toma a cidade traz à tona um dos principais motes do game: a linha tênue entre o grotesco e o sublime. Um dos produtores do jogo, Motoi Okamoto, chegou a declarar, em uma entrevista, que “o terror dentro da beleza” é um conceito inerente ao horror japonês. Segundo ele, há algo inquietante no que se torna bonito demais.
O jogador de Silent Hill f, portanto, precisará enxergar o mundo através de uma jovem cujas inseguranças, em relação à aparência física e à potencial disforia de gênero, acabam se materializando como uma atmosfera alternativa, o que potencialmente consolida o game como um legítimo representante de sua marca.
Mestres do Terror
Silent Hill f é a primeira produção original da série desde o lançamento de Downpour, há mais de dez anos. O desafio do time de desenvolvimento em relação a uma marca que ficou longe do grande público por tanto tempo é promover um retorno que consiga gerar uma mudança significativa na sua identidade, ao mesmo tempo em que resgate sua essência original.
Segundo outra declaração de Okamoto, esse conjunto de ideias aparentemente contrastantes – tal como a beleza e o horror que ditam o tema principal de Silent Hill f – se embasa no objetivo de resgatar a essência japonesa da série, diluída devido às influências ocidentais nos jogos de horror japoneses, mesmo que a série sempre tenha correspondido a um casamento entre essas duas vertentes. Assim, a Konami decidiu se debruçar um pouco mais sobre a ambientação oriental como forma de equilibrar essa dualidade.
No intuito de concretizar essa perspectiva, a Konami, então, recrutou um time com um histórico de peso no que diz respeito ao terror psicológico japonês. O roteiro, por exemplo, ficará a cargo de Ryukishi07, autor da consagrada Higurashi (da série When They Cry). A novel em questão conta a história de Rika, uma garota que, por cem anos, revive o verão de 1983 em loop. Em todas as vezes, ela nunca passa do dia 23 de junho, morrendo e revivendo sem as memórias sobre como foi assassinada ou quem cometeu o crime.
A escolha de ambientar a história na fictícia Ebisugaoka, inspirada na região do monte Kanayama, não é apenas por estética. Trata-se de um conjunto, uma vez que o mergulho em um Japão dos anos 60, recriado com fidelidade histórica, nesse tipo de ambientação, potencializa o estilo de escrita de Ryukishi07, que tem como objetivo destacar a passagem do tempo nesse tipo de local isolado dos grandes centros urbanos e como a arquitetura também reflete o estilo de vida de seus habitantes.
A trilha sonora conta com o retorno de um veterano: Akira Yamaoka, cujos créditos de composição serão divididos com Kensuke Inage, especialista em música japonesa tradicional e responsável por assinar trabalhos como a série Samurai Warriors (da Koei Tecmo) e do último game da série Samurai Shodown, da SNK.
Vulnerabilidade como fonte do medo
Apesar de abraçar suas origens orientais, Silent Hill f ainda tem a intenção de manter os três elementos clássicos de jogabilidade que definem a franquia: exploração, combate e quebra-cabeças. Ainda assim, algumas mudanças foram promovidas com o objetivo de adequá-los à nova ambientação.
Uma delas é a restrição do combate ao corpo a corpo. As armas de fogo, presentes em jogos anteriores da franquia, darão lugar, essencialmente, ao improviso, como canos, martelos e outras ferramentas que possam ajudar Hinako a se defender contra as entidades que espreitam seu caminho; ou ainda armas clássicas, como a naginata.
Tentando seguir na contramão dos jogos de horror modernos, a ideia é manter a protagonista vulnerável, sem tantos elementos de ação responsáveis por minimizar o sentimento de horror derivado da impotência diante dos cenários apresentados pelo game. Ainda assim, ela terá acesso a um sistema de esquivas que, quando realizadas com precisão, poderão desacelerar o tempo e permitir a execução de contra-ataques.
Dentro dessa proposta, também foram implementados medidores de fôlego e sanidade. O primeiro se correlaciona às aptidões físicas da personagem, enquanto o segundo pode ser exaurido caso ela passe muito tempo encarando os inimigos diretamente, sendo psicologicamente consumida pela influência dessas entidades. Assim, será necessário encontrar a sinergia entre o instinto de atacar e o de evitar o contato direto.
As práticas culturais japonesas também foram enraizadas na própria jogabilidade, como a possibilidade de realizar oferendas nos santuários a fim de receber omamoris, amuletos capazes de conceder melhorias permanentes à protagonista, como recompensa. O mesmo também vale para os quebra-cabeças, que exigirão certo conhecimento dos símbolos mitológicos para serem solucionados e que, por sua vez, também poderão fornecer pistas a respeito dos outros personagens e do resto do mundo ao seu redor.
Um exemplo já revelado pelo time de desenvolvimento é o puzzle do arrozal, cujos espantalhos se parecem com colegas de Hinako. Ela deverá identificar qual deles indica o caminho certo a ser seguido através de detalhes sutis. Com consequências perante o erro, esses enigmas não consistem apenas em resoluções que abrem caminhos de forma lógica, a dúvida também é capaz de provocar o medo na protagonista e, por consequência, no jogador.
Psicologia junguiana com um toque oriental
Como um bom terror psicológico que não denuncia seu funcionamento logo de cara, Silent Hill f deverá se afastar das explicações didáticas e seguir por um caminho de exposição fragmentada, característica que ajudou a consolidar a série no imaginário popular como uma alternativa à Resident Evil, por exemplo.
Assim, o enredo se revelará aos poucos, através de diálogos com outros personagens, anotações espalhadas pelos cenários ou pela observação das dicas trazidas pelo próprio ambiente. Em vez de entregar respostas imediatas, o jogo deverá instigar o jogador a interpretar e conectar símbolos, reforçando a sensação de mistério.
Como de praxe na franquia, a própria cidade de Ebisugaoka funciona como um reflexo psicológico da protagonista. As ruas tomadas pela flora rubra e as criaturas grotescas, compostas de pétalas e carne, deverão simbolizar as inseguranças de Hinako em relação àqueles ao seu redor.
Símbolos visuais também se farão presentes na trama a fim de trazer mais respostas (ou dúvidas) sobre o enredo. A iconografia da raposa, por exemplo, é uma representação da divindade conhecida como O-Inari, normalmente associada à fertilidade e à transformação. O animal, cultuado com certo afinco naquele povoado interiorano, surge em diversos elementos religiosos e reforçam a abordagem de temas como metamorfose, servindo como metáforas dos traumas de Hinako.
Silent Hill f, então, deverá abordar temas como abuso, isolamento, repressão e o peso das escolhas pessoais, mantendo a abordagem clássica da franquia de transformar traumas íntimos em manifestações sobrenaturais. Mais do que sobreviver em Ebisugaoka, o desafio do jogador será enfrentar horrores que são reflexos de dores internas, carregando o peso do passado e a constante dúvida: até que ponto o verdadeiro inimigo não estará dentro da própria protagonista?
Bem-vindo de volta à Silent Hill
A aceitação positiva do remake de Silent Hill 2 mostrou que o público realmente anda ansioso por experiências de horror densas que, na última década, acabaram sendo substituídas por aquelas de abordagem mais visceral, que beiram a ação. Silent Hill f, então, surge como oportunidade perfeita para expandir essa ressurgência da franquia, agora explorando novas camadas culturais aliadas à já clássica tradição em materializar pesadelos visuais dos traumas pessoais. Se a reimaginação de Silent Hill 2 conseguiu reacender a chama da série, este novo título poderá ser o pontapé determinante para seu futuro.
Silent Hill fPlataformas: PC/PlayStation 5/Xbox SeriesDesenvolvedora: NeoBards EntertainmentGênero: horror de sobrevivênciaLançamento: 25 de setembro de 2025
Revisor: Mariana Marçal















