Apesar de contar com mais de trinta anos de história, Baki é uma série que
permaneceu por um tempo no underground das comunidades de entusiastas da
cultura japonesa. Até então, a marca só havia dado a cara nos games com um
título lançado em 2001 no PlayStation 2 em um lançamento restrito ao Japão e à
Europa. Foram necessárias algumas décadas até que a IP realmente atingisse
alguma projeção internacional que justificasse a produção de outro jogo — ou,
pelo menos, algum time doido que topasse a empreitada pelo provável orçamento
de uma coxinha e um refrigerante. Há motivos sólidos para acreditar que foi
assim que Baki Hanma: Blood Arena veio à luz.
Paródia (substantivo feminino): obra projetada para imitar, comentar ou debochar de seu assunto original
Para os que não conhecem, Baki é um mangá que tem sido escrito e ilustrado por
Keisuke Itagaki desde 1991. Publicado na revista Weekly Shonen Champion, o
enredo segue a jornada de Baki Hanma, um artista marcial em evolução
constante. Tendo em vista um início de participações em meros torneios
underground clandestinos, a série começa a pisar no terreno do exagero
caricato ao apresentar oponentes que cada vez mais ultrapassam os limites
humanos.
Essa escalada de Baki tem um motivo: superar seu pai, Yujiro, o homem cuja
força é tão notória quanto temida. Assim, a narrativa ampla e dividida em
diferentes sagas e torneios, explora não só a escalada de poder e a obsessão
pela luta, mas também a relação conturbada entre pai e filho, com o embate
final entre Baki e Yujiro servindo como ápice desse caminho de superação e
legado.
Adicionalmente, Baki traz consigo uma camada bem característica de sátira, o
que está presente não só nos exageros naturais que Itagaki traz para os
combates — o que vai desde o arco dos condenados à pena de morte que escapam
da cadeia com o objetivo de lutar contra os homens mais poderosos do Japão até
o famigerado treino mental contra um louva-deus —, como também em relação à
forma como o autor decide tecer comentários de teor geopolítico ao incorporar
vários acontecimentos do mundo real na obra, como é o caso, por exemplo, dos
personagens Tramp, Bidem, Bosch e Eloso (baseados em Trump, Biden, Bush e Elon
Musk, respectivamente).
O mangá chegou a receber uma versão animada em OVA (um modelo de distribuição
japonês voltado para o mercado de home vídeo) em 1994 e uma série de anime
para a televisão de 48 episódios ao longo do ano de 2001. Embora tenha
conseguido manter uma fanbase fiel durante tantos anos, a marca só foi contar
com um novo auge de popularidade em 2018, com uma continuação feita direto
para o streaming que é distribuída internacionalmente pela Netflix.
Sendo, então, baseado em um anime — especificamente esses últimos lançamentos
mais recentes, considerando a estética utilizada — Baki Hanma: Blood Arena
foge do que se espera para uma adaptação para videogames. Em vez de seguir na
rota comum dos arena Fighters a exemplo dos Naruto Ultimate Ninja, o jogo opta
por condizer com as peculiaridades da IP e segue por um caminho próprio ao se
estruturar como um clone de Punch-Out!!.
Estranhamente, a ideia faz muito sentido, uma vez que Baki é, por via de
regra, quase sempre menor do que seus oponentes — tal como Little Mac, cuja
baixa altura característica deriva da proposta de fazer com que o inimigo seja
visto no mesmo ponto de vista do pugilista —, mas ainda consegue oferecer uma
peleja equilibrada contra outros adversários e seus icônicos estilos próprios.
Contra um soco forte, a solução é outro mais forte (sem garantias de sucesso, aliás)
Tendo em vista tudo isso, o design geral de Blood Arena traz a mesma
arquitetura básica de Punch-Out!!. Enquanto os direcionais correspondem aos
movimentos de esquiva, os ataques consistem em quatro botões básicos que vão
corresponder a jabs (socos ágeis) de esquerda e de direita em duas alturas
distintas para cada: contra o rosto e contra o torso.
A questão é que a graça da série da Nintendo se baseia em uma lógica quase
que de quebra-cabeça rítmico, sempre capaz de entender qual é o movimento de
esquiva correto para cada sequência de ataque de um lutador inimigo.
Blood Arena, por sua vez, abdica desse fator de puzzle, o que mostra que ele
aparentemente não entendeu o principal diferencial de sua fonte. Na prática,
a variação dos ataques (e de alguns especiais) não faz muita diferença na
hora do gameplay, visto que ele promove um estilo direto e que exige ataques
constantes em vez da movimentação ritmada que normalmente se esperaria de um
eventual clone de Punch-Out!!.
Assim, trata-se de um exercício de bater desenfreadamente a fim de nulificar
a ação do oponente até zerar a sua barra de vida e fazê-lo tombar, quando
começa a contagem que permite a Baki recuperar um pouco de vida proporcional
ao quão rápido o jogador apertou o botão que aparece na tela — em uma
tradução bem capenga (provavelmente feita por máquina) e traduziu “press”, que no contexto
significa “aperte”, como “imprensa”. Ao todo, a vitória definitiva só vem
depois de mandar o oponente para a lona três vezes, o que também se aplica
para um eventual game over caso isso ocorra contra o próprio protagonista na
tela.
No total, há doze adversários na campanha principal, sendo que a inclusão de
alguns nomes não faz muito sentido para quem conhece a história original, já
que poderiam dar espaço para outros de maior expressão. A nível de desafio,
a maior parte deles não apresenta uma escalada lógica de dificuldade como
faz o próprio Punch-Out!! — cuja comparação constante com certeza já se
mostra cansativa aqui, mas é basicamente o que Blood Arena parece implorar
—, com sequências de ataques que vão ficando progressivamente mais ágeis,
fortes e complexas de acordo com cada novo oponente.
Aqui, por sua vez, o jogo do Baki abre mão disso. Tudo acaba sendo um
exercício de teste, no qual a audiência sabe que vai perder nessas primeiras
tentativas que só vão servir para averiguar como cada golpe pode ser
desviado ou nulificado, enquanto identifica os padrões até que os reflexos
enfim se acostumem e o combate fique mais ou menos equilibrado.
Essa falta de certeza no balanceamento vem de um aspecto que não está nas
mãos da habilidade por parte do próprio público, mas da forma com a qual o
game em si decide funcionar a cada momento. Contando com um acabamento tão
rústico quanto as animações modernas da IP, Baki Hanma: Blood Arena não traz
sistemas precisos de input (a velocidade com que responde ao apertar do
botão) e de colisão (quando o título decide considerar um ataque que não
chegou a encostar no personagem).
Um exemplo disso, cuja incidência foi maior do que deveria, foi na luta
contra Retsu Kaioh, cujo chute já tinha terminado e tudo o que sobrava na
tela era um efeito visual de movimento, mas que ainda assim provocava dano
no Baki e acabava com a imersão do combate, fazendo com que todo o timing do
jogador que estivesse ajustado até aquele momento desregulasse.
Adicionalmente, a dificuldade aparenta ser mais arbitrária do que calculada,
já que o jogo prefere apostar nessa escalonada de maneira desproporcional ao
apenas aumentar o dano infringido pelos adversários ao mesmo passo em que
torna alguns dos seus golpes impossíveis de se defender ou esquivar. Há
alguns ganchos de maior potência ou ataques especiais que podem impedir a
ação do oponente — veja bem, eles podem, não há certeza de que vão —, só que
essa não parece se tratar de uma lógica de game design que se baseia na
exatidão.
A despeito de tudo, não dá para dizer que não há lapsos de diversão. Em
jogatinas homeopáticas e menos comprometidas em completar a campanha, ele
até vai oferecer algum entretenimento do tipo que quem joga percebe tudo o
que o título tem de errado, mas acaba dando risada diante do quão absurda
essa falta de precisão é capaz de ser às vezes, além do próprio estilo
trasheira da produção e que é 100% alinhado com o que Baki representa.
Tão esquelético que não aguentaria nem um soco
É claro que, como um produto que será adquirido por um público consumidor,
ele poderia ter se esforçado um pouco mais na composição de seu pacote. A
história é quase inexistente, reduzindo tudo a um torneio qualquer que só
serve para justificar a reunião dos personagens da série, sendo que as lutas
contra os já falecidos acontecem no estado de treino-sonho do personagem.
A modalidade principal conta com duas dificuldades distintas cuja diferença
é apenas a quantidade de dano que cada golpe provoca, sem qualquer variação
de padrão de movimento dos ataques. Há um modo de sobrevivência e um modo
ainda bloqueado, supostamente baseado na icônica saga dos condenados à pena
de morte, que talvez venha em uma atualização futura ou pior: DLC — o que é
um absurdo caso seja um conteúdo adicional pago considerando que, pelo pouco
que o jogo entrega, o custo-benefício já é pouco compensatório.
Pesquisando a fundo, dá para perceber com rapidez que o time de
desenvolvimento, o Purple Tree, aproveitou o trabalho que eles tinham feito
em
Thunder Ray
e o maquiou com toda a estética das últimas iterações animadas de Baki. A
nível visual, Baki Hanma: Blood Arena é engraçado de forma trágica porque,
com exceção das animações dos combatentes se movimentando durante as lutas,
todo o resto é um apanhado de assets do anime, de renders a screenshots.
Apesar disso, o produto até consegue fazer um bom trabalho dentro desse
aparente esforço mínimo.
Trasheira das boas (de maneira tão pejorativa quanto apreciativa)
Baki Hanma: Blood Arena faz jus ao que Baki é. Inerentemente trash,
um fã de verdade vai conseguir entender como o produto entregue consegue
alcançar a essência da franquia: uma paródia de uma corporação (Nintendo)
lançada no dia onze de setembro — sugiro ao leitor uma checagem a respeito
da opinião do Itagaki em relação aos Estados Unidos. Clonar Punch-Out!! é
uma decisão bacana que aposta demais na boa fé do jogador em valorizar mais
a proposta do que a execução no limite do aceitável. O game definitivamente
não serve para introduzir a série a um novo público e nem sequer apresenta
um custo-benefício honesto, mas ao menos eles pegaram o espírito da obra.
Prós
- Capta o espírito da série com perfeição;
- Tem lapsos positivos de diversão em momentos pontuais, muito por causa da proposta diferenciada em clonar Punch-Out!!;
- Apesar dos assets reutilizados do anime, o jogo até que faz um bom trabalho em sua apresentação visual.
Contras
- Falta de precisão dos sistemas de colisão e input;
- Curva de dificuldade arbitrária e desregulada;
- Depende demais da sorte como solução para movimentos indefensáveis e indesviáveis;
- Localização capenga para o português;
- Pacote esquelético no que diz respeito ao conteúdo, o que resulta num custo-benefício quase nulo.
Baki Hanma: Blood Arena — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/NS — Nota: 5.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Purple Tree
















