A história de
Assassin’s Creed Shadows
traz a dupla de protagonistas, Naoe e Yasuke, em uma jornada contra uma
organização chamada Shinbakufu, que conspira contra a estabilidade política e
social do Japão. Enquanto o samurai assume essa empreitada por uma questão de
honra, a ninja-assassina acaba comprando essa briga não só por vingança contra
os responsáveis pela morte de seu pai, mas também para descobrir o paradeiro
de sua mãe, que parece estar intimamente ligado a tal grupo.
Garras de Awaji, o primeiro pacote de DLC do game, é a extensão de
campanha que coloca um ponto final nessa ponta solta.
Puxando as pontas soltas
A campanha principal de Shadows encontrou algumas críticas em relação à sua
narrativa minimalista e descentralizada, que não se envereda em conspirações
entre os Assassinos e os Templários de maneira muito aprofundada, fragmentando
o progresso entre as missões relacionadas ao abatimento de cada membro do
Shinbakufu, antes de, enfim, chegarmos ao abatimento do cabeça da organização.
Para complementar, o game deliberadamente opta por deixar algumas tramas em
aberto. Não é como se a história careça de uma conclusão — se é satisfatória
ou não, já vai de cada jogador —, mas há cliffhangers deixados no ar, visando
à extensão da epopeia. Garras de Awaji, então, parte desse vácuo para
justificar a incursão da dupla protagonista à ilha de Awaji após receberem uma
pista a respeito do destino da mãe de Naoe: uma mulher chamada Tsuyu, alguém
que aprendemos ser a responsável por tocar a Ordem dos Assassinos no Japão.
Depois de uma introdução bacana em sidescroller que dramatiza como Tsuyu foi
parar na ilha, enfim chega a hora de navegar até ela, que sempre esteve lá no
mapa, só não era acessível no jogo base. A partir daí, o ritmo é até que ágil,
apresentando todos os elementos necessários para o entendimento dela de forma
bem didática, o que faz com que seu andamento também se mostra até que
objetivo, principalmente em comparação à progressão descentralizada da
campanha original.
No instante em que esse primeiro ato se conclui, o jogador terá toda a
liberdade do mundo para explorar a nova localização enquanto vai progredindo
nas três linhas de missão principais, cada uma relacionada a um dos três
comandantes da soberana de Awaji, em um processo que normalmente envolve
investigar as identidades de cada um e reduzir suas forças antes de um ataque
direto contra tais oponentes.
Mata densa? Inimigos à espreita com armadilhas? Estou no Japão ou no Vietnã?
Logo de cara, o território do novo mapa se mostra bem montanhoso. É uma ilha
pequena, que parece maior do que é, pois os caminhos comuns, pela estrada,
são muito tortuosos e dão voltas e mais voltas antes de chegar ao destino.
Ao mesmo passo, é bastante complicado ignorar as estradas por conta das
irregularidades do terreno e da selva densa e impenetrável.
Assim, há um paradoxo claro no progresso do DLC. Embora todas as missões
sejam bastante objetivas e simples na sua conclusão, com uma progressão
direta, a impossibilidade de ignorar as rotas pré-determinadas, a fim de
seguir pelo caminho mais curto entre dois pontos — que aprendemos na escola
que é sempre a linha reta —, dá a impressão de que a viagem serve para
continuar inchando o tempo de um jogo cuja campanha principal é capaz de
chegar às cem horas com bastante facilidade.
Para complementar, Awaji é considerado um lugar hostil, o que se traduz na
quantidade de emboscadas nas quais Naoe e Yasuke vão acabar caindo, caso o
jogador opte pelo sistema de piloto automático incluso no título. É um
número abundante de inimigos de tocaia, só esperando para quebrar ainda mais
o fluxo de qualquer trajeto, seja pelos campos e montanhas, seja pelos
centros urbanos.
Inclusive, enquanto as áreas naturais sofrem com esses problemas de relevo,
o mesmo não pode ser dito em relação aos assentamentos em Awaji. Nesse
aspecto, eles se mostram um destaque positivo por valorizarem a movimentação
de parkour ao incluírem certas estruturas que permitem o trânsito direto
pelos telhados, o que, certamente, acaba destoando das estruturas insossas
dos povoados do jogo original.
A questão maior, por sua vez, é que o tom do DLC foi descrito como mais
denso e soturno em relação ao da história base. Entretanto, o que vemos não
se mostra tão distante do que já vimos antes, apesar da atmosfera dita
opressiva e fria da própria ilha e de um ou outro momento da trama,
especialmente na hora de ir às vias de fato contra uma chefe específica,
Nowaki.
Stealth, combate e investigação: chefes com jeitão de chefes
Como já constatado, a soberana de Awaji conta com três comandantes
principais, com suas respectivas linhas de missão, que culminam em
confrontos diretos contra cada um. A graça é que a Ubisoft Bordeaux
realmente se esforçou um pouco mais em duas dessas lutas e criou dinâmicas
próprias para cada uma.
No caso da Nowaki, é necessário se esgueirar por um pântano escuro e atolado
de armadilhas enquanto se tenta traçar a localização da oponente sem que a
sua própria seja denunciada. Uma clara referência a The End, de Metal Gear
Solid 3, trata-se de uma verdadeira batalha de stealth — bastante
complicada, inclusive — algo agregou um valor positivo quando, enfim,
descobrimos como lidar com ela e o sentimento de frustração dá lugar ao da
diversão.
O outro taisho é Imagawa Tomeji, o líder da força militar local. A
disponibilidade para enfrentá-lo está aberta ao jogador basicamente desde o
início, mas é quase impossível nessas condições. Isso porque ele conta com
uma guarda bem fortificada de subordinados poderosos, que vão participar da
briga com o próprio chefe. Assim, a forma de contornar esse obstáculo é
explorar a ilha atrás de cada um desses subalternos a fim de assassiná-los
e, por consequência, diminuir as distrações no duelo definitivo.
A graça dos três comandantes é que cada um parece ter sido concebido para
representar alguma característica específica da série. Enquanto Nowaki
corresponde ao stealth e Tomeji, aos combates diretos, o terceiro chefão vai
exigir todo um trabalho de investigação a fim de ter sua identidade
desmascarada.
Por trazer uma linha de história tão fragmentada, esse último não se mostra
tão interessante quanto os outros, mas dois de três é um número até que
consistente. Ao contrário do jogo base, com um painel de alvos de
assassinato tão robusto que faz com que quase nenhum se destaque, é
reconhecido o esforço de fazer o pouco valer muito ao arquitetar as
contendas em arenas, cada um com seu próprio gimmick marcante.
Fazendo jus às alegações
Uma vez que o trio é abatido, cabe a Naoe e Iwasuke partirem em direção à
soberana de Awaji. É nesse instante que a linha narrativa geral do DLC acaba
se mostrando um pouco capenga na execução, já que tudo, nesse clímax, se
resolve, com o perdão do trocadilho, de um jeito bastante anticlimático.
Acredito que a maior decepção acabe sendo em relação à mãe de Naoe, que não
conseguiu fazer jus a toda mística atribuída a ela em todas as vezes que era
mencionada durante a história principal de Shadows. No fim, embora realmente
fosse a líder da Ordem dos Assassinos local, ela só pareceu uma senhora
chata e bronca. O processo de reencontro e reaproximação entre mãe e filha
foi bem carente de carga emocional, o que torna difícil se deixar levar pela
trama do DLC.
Ou seja, esperava-se que Garras de Awaji trouxesse maior complexidade por
servir como um final definitivo para o enredo alegadamente incompleto do
jogo base, mas a superficialidade dele acaba dando razão às críticas feitas
a esse sentimento de inconclusividade.
Aliás, ficando restrito apenas à relação local entre Templários e
Assassinos, o DLC não faz qualquer aceno à disputa mais ampla e milenar
entre as duas organizações, nem ao tempo presente da mitologia da série.
Isso não é exatamente um problema; contudo, a menção é importante por se
tratar de um tópico bastante divisivo entre os fãs da franquia, dado que ele
faz eco às alegações de que, sem esses elementos explorados com propriedade,
Shadows não passa de um game genérico de Japão feudal.
Um mimo para quem não for seguir viagem para Awaji
Um último elemento que acaba ficando mais à parte do conjunto DLC — tanto
que ele vem como uma atualização gratuita e quase independente — é a
inclusão do bastão Bō como uma das armas disponíveis para Naoe, que
realmente parecia contar com menos recursos de combate direto, mesmo se
considerarmos que ela foi concebida como o extremo oposto de Yasuke nesse
aspecto.
Esse novo estilo marcial traz uma complexidade divertida às batalhas por
contar com três posturas distintas de movimento, cada uma com suas
finalidades e peculiaridades, sendo possível utilizar ataques altos, médios
e baixos para atordoar ou derrubar os inimigos, além de curar Naoe a cada
golpe bem-sucedido.
Mais um apêndice e menos uma conclusão
Na campanha principal de Assassin’s Creed Shadows, a impressão de
final aberto até fazia algum sentido, porque era uma maneira de a Ubisoft
deixar claro que o jogo tem vida útil pela frente, tanto a nível narrativo
quanto em relação ao serviço de suporte e atualizações constantes que o
título segue recebendo. Um chavão do tipo: “As aventuras de Naoe e Yasuke
não chegaram ao fim; ainda há muito Japão para explorar.” Em
Garras de Awaji, contudo, esse sentimento de vagueza soou um pouco
como deboche. Mesmo assim, embora o mapa de Awaji não traga elementos
convidativos, o DLC não é de todo ruim, já que a inclusão do bastão, a
objetividade do progresso e os combates contra os chefes conseguem agregar
valor à experiência geral.
Prós
- Progressão direta das missões traz um respiro da descentralização promovida pelo jogo base;
- Geografia das cidades pensada para favorecer a movimentação por parkour;
- Inclusão do bastão traz uma possibilidade extra, e muito bem-vinda, aos combates;
- Batalhas contra os chefes marcantes, que se sustentam em elementos-chave da franquia.
Contras
- História consideravelmente anticlimática e inconclusiva, além de carente de carga emocional;
- Relevo e vegetação de Awaji obrigam o jogador a seguir pelas sinuosas estradas principais, dificultando a exploração alternativa e potencialmente mais ágil;
- A quantidade de emboscadas a cada esquina quebra o fluxo de jogo;
- A atmosfera não é tão diferente assim em relação ao game principal, o que pode representar um problema depois de cem horas de campanha.
Assassin’s Creed Shadows: Garras de Awaji — PC/PS5/XSX — Nota: 5.5Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital do season pass cedido pela Ubisoft no
lançamento original
















