Um jogo curto como Trash Quest pede uma análise também breve, não é mesmo? Afinal, se levei duas horas e meia para chegar ao final da aventura, não espero gastar mais tempo do que isso para descrever a experiência.
Metroidvania em porção de sobremesa
Esse pequeno metroidvania nasceu de um experimento em design de metroidvania, para responder à seguinte pergunta: é possível criar um jogo nesse estilo com um único ponto de salvamento? A resposta é sim — com uma trapaça conveniente para quem joga, que direi adiante.
O desenvolvedor solo Francis Vace criou Trash Quest para o Wowie Jam 3.0, em 2021. O resultado foi tão bem acabado que, apenas dois meses depois, o jogo foi lançado no Steam — que é a versão que analiso agora (também há versões para Switch e Xbox Series).
Um mês mais tarde, uma atualização gratuita, chamada Salvation, expandiu a aventura. Precisei de uma hora e meia para completar o jogo base e mais uma hora para os extras — que não concluí.
A ideia foi executada como uma estrutura de quatro áreas que dão voltas em si mesmas e sempre retornam a uma quinta área central, por meio de atalhos desbloqueados pelo caminho. Após o final, o novo mapa Salvation pode ser acessado pela porta desbloqueada na tela acima da inicial, contendo três pequenas áreas desafiadoras — cada uma com um novo chefe.
É uma solução simples. O desafio, imagino, é fazer com que essa simplicidade se mostre interessante. Para cumprir esse objetivo, Trash Quest vai direto ao ponto, focando em gameplay intensa de plataforma. Tudo isso pode durar menos de três horas, mas esse tempo é inteiramente investido na ação — sem paradas para introduções, tutoriais, história ou gerenciamento de inventário. Infelizmente, o guaxinim também economiza nos colecionáveis a serem encontrados, reduzindo o potencial de exploração.
O conceito de um único checkpoint é relativo, pois há, na verdade, mais alguns deles: um antes de cada chefe. Isso é muito importante para que cada tentativa de vencer os robôs de segurança não se torne, também, uma frustrante repetição de jornada. Em vez disso, podemos tentar as lutas novamente, de forma quase instantânea. Isso soa como trapaça contra a ideia de toda uma estrutura que orbita em torno de um único ponto de salvamento? Talvez. Na prática, não parece isso — e eu certamente apoio a decisão de abrir exceções convenientes para o melhor aproveitamento do ritmo acelerado.
Sobremesa da sobremesa
O desafio não acaba por aí. Ao final de Salvation, uma área de boss rush é liberada, na qual se pode enfrentar todos os sete chefes — em suas versões normais ou mais difíceis — para alcançar um “final verdadeiro”. Também há um Novo Jogo + e um menu de modificadores de dificuldade, para revisitar o minivania em condições bem mais complicadas.
Como minhas duas horas e meia não incluem o boss rush, posso considerar que há mais tempo de jogatina para quem quiser treinar essas lutas e refazer o jogo rapidamente (o recorde mundial para o primeiro mapa é de cinco minutos!).
A ambientação é um tanto descarada, como um tapa-buraco, deixando a sensação de que falta algo mais para atrair nosso envolvimento com o jogo em outros níveis — para além da gameplay. Em vez de uma trama, há apenas um contexto sem sentido: controlamos um guaxinim saído da lixeira, no meio de uma estação espacial, para fazer a farra do lixo enquanto todos os tripulantes estão em estado de suspensão para a viagem. Ele é muito ágil e tem uma pistola — dois elementos suficientes para começar qualquer platformer de ação.
Para um metroidvania, porém, precisamos de progressão de habilidades — o que torna o pulo do guaxinim mais versátil e preciso, com saltos múltiplos e parada momentânea no ar. Tudo muito prático e bom de controlar. Os comandos são ensinados por inscrições nas paredes e… bem, é hora de falar delas. Das paredes — não das inscrições.
Faz muito com pouco
Trash Quest segue a linha de se inspirar em visuais do passado e aplicar uma boa camada de verniz moderno por cima. Dessa forma, parece uma mistura de gráficos básicos de Game Boy Color com um interessante efeito de iluminação, que irradia em círculo a partir do guaxinim.
Os cenários são bem simples, mas, quando iluminados pela passagem do protagonista, sempre ganham alguns detalhes a mais — o que transmite uma sensação eficiente do contraste de claro-escuro, que enriquece bastante a paleta de cores minimalista. Esta, por sua vez, varia um pouco na parte iluminada, de acordo com cada área da estação espacial. Ainda há o rastro deixado pelo movimento do bichinho, incrementando a sensação de fluidez e agilidade. Essa soma gera um resultado notável, que faz muito com tão pouco e, em minha experiência, é único nesse meio.
Outro destaque estético é a trilha musical que, obviamente, tem poucas músicas — mas cada uma delas é empolgante e caberia facilmente entre as melhores dos Mega Man de 8-bits ou de The Messenger.
Para finalizar, quem decidir jogá-lo pode ativar modos de desafio, como o de speedrun, com um cronômetro na tela, e o de contagem de pulos — incentivando a finalização com o menor número possível. Há, ainda, uma tabela de classificação que me deixa pensando: como alguém consegue concluir o jogo normalmente em cinco minutos e com tão poucos saltos?
Com toda a sua simplicidade, a aventura do guaxinim espacial parece um esboço, rascunho ou ensaio para algo maior — o que é reforçado pelo fato de que uma sequência mais robusta, Trash Heart, está em desenvolvimento (tem demo disponível no Steam). Todavia, a eficiência desse esboço lhe garante uma qualidade acima desse conceito, valendo como um jogo que é curto, mas completo segundo seu propósito.
Um bom esboço que vale a pena
Muito mais curto que a maioria dos metroidvanias, Trash Quest consegue aproveitar cada momento de sua brevidade e minimalismo para oferecer uma experiência polida, divertida, esteticamente agradável e com modos extra de jogo. A ação de plataforma não perde tempo e desafia com sua eficiente estrutura cíclica, resultando em um jogo que parece um esboço de algo maior, mas que vale a pena para uma boa tarde de jogatina.
Prós
- O design de níveis, organicamente bem articulado, resulta em boa execução da ideia de todas as áreas se desdobrarem em torno de um checkpoint central;
- Coerente com sua natureza de curta duração, o jogo vai direto ao ponto, sem introduções, excessos ou momentos de lentidão;
- Música enérgica e instigante, adequada ao ritmo da aventura;
- O foco de luz em torno do guaxinim funciona bem para que a paleta de cores minimalista tenha um aspecto distinto;
- Ótimo para uma experiência que se desfruta do começo ao fim em uma única sessão de jogo.
Contras
- Mesmo que a brevidade seja parte importante da intenção por trás do design, ainda pode passar a sensação de que a aventura tem um tom único e não aprofunda sua superfície;
- O baixo número de colecionáveis para encontrar e a total falta de contexto narrativo atrapalham o envolvimento e a noção de que se trata de uma experiência completa.
Trash Quest — PC/XSX/Switch — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo redator











