Em quase 20 anos de YouTube, eu me inscrevi em apenas sete canais. Um deles é o Game Maker’s Toolkit, ou GMTK, criado pelo britânico Mark Brown para falar sobre game design. Ao longo de vários anos, ele refletiu sobre jogos enquanto uma produção funcional com diversas camadas e aspectos diferentes. Em 2021, porém, Mark decidiu dar um passo adiante e criar um jogo do zero.
A ideia era tentar aplicar a grande carga teórica que ele apresentou em seus vídeos mensais e mostrar o processo de transformar sua experiência analítica em um jogo. Disso nasceu Mind Over Magnet, lançado para PC em 2024 e, agora, menos de um ano depois, trazido aos consoles pela nova publisher brasileira Alchemy Games.
A atração dos puzzles
É um jogo de puzzle bastante convencional: fases consecutivas apresentam quebra-cabeças que exigem usar as mecânicas de forma lógica, variada e intuitiva. No centro de tudo está o magnetismo: os protagonistas são o robozinho Uni e uma turma de ímãs, começando por Magnus, o polo positivo. Controlamos Uni, que pode se mover, pular, acionar mecanismos e arremessar os companheiros, sempre buscando uma maneira de atravessar a sala e chegar ao encanamento que o levará ao próximo andar.
Acontece que tanto Uni quanto seus amigos foram demitidos da fábrica onde trabalham, o que adiciona ao diálogo uma singela camada de comentário social. A jornada pela liberdade deles será nossa diversão.
A alma dos jogos de puzzles está na solução de problemas, e Mind Over Magnet não tenta mudar isso. Aliás, não tenta modificar muita coisa, fazendo um feijão com arroz bastante gostoso, mas sem engrenar surpresas.
Na maior parte do tempo, precisamos usar feixes magnéticos para fazer blocos e o ímã subirem, muitas vezes com Uni agarrado a ele. Para deixar as coisas mais dinâmicas, aos poucos são introduzidas mecânicas variadas, como o acionamento de laser, brocas, plataformas e correntes de elevação. Juntas, elas formam algumas combinações criativas, porém pouco aprofundadas.
Como as novidades seguem um bom ritmo, a sensação de falta é consequência da breve duração da campanha, que não se dá tempo o bastante para realmente se reinventar e, com isso, nos intrigar e surpreender. Felizmente, há momentos engenhosos, que geram uma satisfação também efêmera, mas pertinente.
A dificuldade é acessível, embora flutue em alguns pontos, colocando enigmas fáceis logo após outros mais difíceis. O lado bom é que dá para atender a um público mais amplo. Meus filhos também jogaram comigo e apontaram soluções que eu ainda não havia visto. Até travei aqui e ali, sem saber como progredir, porém, no fim das contas, a resposta costumava ser mais simples do que eu imaginava. É ambivalente: às vezes, essa simplicidade é elegante, mas, em outras, banal.
Para evitar que um desafio bloqueie o progresso de quem joga, é possível recorrer a dicas ou até mesmo pular o nível e passar para o seguinte, uma opção que só fica disponível após alguns minutos em cada nível.
Em duas horas, cheguei ao final da história de Uni e os ímãs. É agradável e divertido, porém pouco ousado e marcante. Como jogo, cumpre os propósitos lúdicos que almeja atingir. Como produto, é bem pensado e competente, com visual leve e eficaz, especialmente nos cenários de fundo. As músicas encaixam muito bem com a proposta, embora se tornem repetitivas com faixas contínuas que se prolongam no decorrer de um mesmo mundo de níveis.
Cada pedacinho da tela é muito bem pensado para comunicar a linguagem do jogo. O funcionamento é intuitivo e as interações são bem sinalizadas, construindo uma obra polida com a competência de alguém que passou a década anterior atentando a esse tipo de detalhes funcionais. Parabéns a Mark.
A jornada do herói desenvolvedor
Há um outro lado nessa história, que é justamente o desenvolvimento de Mind Over Magnet. Se o jogo tomado por si só culmina em uma tarde casual para colocar os neurônios para funcionar, se enxergado como processo, a coisa ganha muitas camadas.
Certamente, é uma peça valiosa para os curiosos que se interessam em conhecer o percurso de uma obra e de seu criador, desde a primeira intenção produtiva até o público poder tê-la em mãos.
A jornada do desenvolvedor é um caminho sinuoso cheio de empecilhos, recuos, revisões e aprendizado, o que a leva a ganhar forma(s) e se mostrar uma peregrinação por soluções rumo à terra sagrada — isto é, ver seu jogo nas mãos de jogadores.
E se o sonhador precisar aprender o motor gráfico Unity? E se perceber que deu um passo errado lá atrás e, por causa disso, tiver que refazer completamente toda a arte já criada? E se o cronograma sair do controle e o projeto inteiro levar mais tempo do que se pensava inicialmente? Ok, essa última é quase uma certeza nesse ramo e, com base no meu achismo e senso comum, digo que (provavelmente) assola a maioria dos desenvolvedores de jogos.
Toda a bagagem que envolve Mind Over Magnet o torna mais interessante do que sua superfície mostra. Imagino que isso seja verdade para boa parte dos jogos independentes, mas, neste caso, temos uma espécie de diário-relatório-documentário confeccionado com a intencionalidade de um comunicador perspicaz e autocrítico.
É claro que você não precisa assistir a cinco horas distribuídas em 20 vídeos para curtir o tema, porém recomendo fazê-lo. Se preferir, o próprio jogo tem um modo de comentário do criador, disponível assim que a campanha é finalizada pela primeira vez. Esse tipo de conteúdo não é para todos, mas os curiosos terão motivo para se engajar na jornada mais uma vez, sob nova perspectiva.
A propósito, o nome Mind Over Magnet é um trocadilho com a expressão “mind over matter”, isto é, a mente supera a matéria, ou o mundo físico. Sim, a mente superar o magnetismo é um título legal para um jogo de quebra-cabeças de ímãs.
Para finalizar, acrescento que Mark Brown já lançou seu segundo jogo: Word Play, uma mistura de roguelite de combos com palavras cruzadas, já analisado aqui no GameBlast. Esse processo foi mais orgânico e rápido, como se o desenvolvimento tomasse as rédeas do desenvolvedor, em vez do contrário. Uns dois ou três vídeos bastam para entendê-lo.
Um simples jogo ou uma jornada complexa?
Se tomado como um jogo em que devemos solucionar um puzzle após o outro, Mind Over Magnet é casual, divertido, agradável e polido — mas não espere que seja marcante, surpreendente ou longo. Essa qualidade será apenas para os interessados em ver o jogo sob a perspectiva de um projeto de desenvolvedor solo traçando caminhos sinuosos de aprendizado, problemas e soluções. Esse é o público que mais terá proveito de visitar o game, os comentários do criador contidos nele e os vídeos que retratam o processo de três anos de desenvolvimento.
Prós
- Puzzles casuais, divertidos e, às vezes, criativos e desafiadores;
- O conjunto estético é agradável, polido e dá atenção aos detalhes de game design para uma comunicação eficiente com quem joga;
- Mesmo que não pretenda ser grande coisa, a narrativa dá um toque de vivacidade à campanha;
- O jogo é enriquecido pelo contexto de sua criação, que pode ser visto pelos comentários in-game e também nos vídeos de diário de desenvolvimento;
- Textos em português brasileiro.
Contras
- A brevidade impede o aprofundamento dos puzzles, resultando em um jogo curto e pouco marcante.
Mind Over Magnet — PC/PS5/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Alchemy Games












