Apesar da atual epidemia de jogos de azar que frequentemente pauta os noticiários brasileiros, há um crescente movimento de jogos indie que visam utilizar mecânicas de sorte para confeccionar um gameplay envolvente sem afligir os bolsos nem as mentes de seus jogadores. Pode-se citar o sucesso absoluto Balatro como um exemplo dessa tendência. Sol Cesto, que no momento está em acesso antecipado, se encontra claramente nessa linhagem. Contudo, não se trata simplesmente de mais um exemplo para a lista. Não, Sol Cesto é diferente. É único.
Altas chances de diversão
Se você optar por começar a jogar Sol Cesto, aposto que rapidamente se encontrará sob o efeito da imersão profunda produzida pelo roguelite. Aqui, vale destrinchar o funcionamento do loop de gameplay central do jogo. A cada tela, uma grade quatro por quatro aleatoriamente gerada contém monstros físicos ou mágicos, armadilhas, baús de tesouro com ouro, ou morangos que curam o aventureiro. Após uma certa quantidade de ações, abre-se a porta para a próxima tela. Cabe ao jogador selecionar qual linha deseja explorar, mas não qual quadrado dela. Eis o primeiro diferencial significativo de Sol Cesto: em uma experiência feita de escolhas, cada uma delas requer simultaneamente estratégia e sorte do jogador.
Com isso, a aventura nunca ficará inteiramente à mercê do temido RNG (Random Number Generator, ou gerador de número aleatório em inglês; essencialmente o componente aleatório dos jogos). Sempre haverá uma margem de opção para as táticas do jogador, na medida em que faz-se necessário calcular com precisão a sequência de linhas escolhidas para abrir a porta e progredir na masmorra. Dessa forma, há sempre um esforço mental sendo feito ao lado do elemento de sorte.
A construção de uma atmosfera imersiva
Tal combinação de estratégia e sorte não é a única coisa que diferencia Sol Cesto de seus pares. Há de se destacar também a envolvente atmosfera de imersão construída pelo estilo de arte e pelo contexto narrativo da obra. De início, o charme logrado pelos desenhos e a criatividade presente nos designs dos monstros — diferentes de acordo com o bioma — e dos personagens contribuem para manter a atenção do jogador. A excelente trilha sonora também merece menção especial.
Além disso, a ambientação narrativa do jogo também é um fator para a sensação de imersão. Sol Cesto se passa em um mundo misterioso onde o Sol desapareceu, e a busca por ele motiva os personagens jogáveis. Essa premissa é por si só instigante e atrativa, o que estimula o mergulho no universo da obra. O advento de um personagem que oferece afirmações enigmáticas em troca de uma moeda de ouro é uma divertida adição a esse panorama.
Um perigo alarmante
Mesmo com todas as qualidades que expus ao longo do texto, surgiu em mim uma preocupação para a versão final do jogo. Depois de algumas horas me aventurando por Sol Cesto, o loop de gameplay começou a parecer trivial e repetitivo. Explico: a imersão sentida quase instantaneamente quando comecei a jogar começou a se dissipar com a sensação de que estava fazendo escolhas fáceis e cálculos que já fizera antes. É bem verdade que o jogo possui uma série de itens, melhorias e diferentes opções de personagem que modificam a experiência e diversificam a progressão, mas mesmo o uso deles não recuperou o envolvimento inicial.
Nada que não possa ser resolvido com atualizações que adicionem mais mistérios, mais batalhas de chefão (de modo bem anticlimático, um dos três biomas não possui uma no final, e a última do acesso antecipado é simplesmente uma cópia direta da primeira) e talvez alguns mini-chefões para refrescar o fluxo do jogo. Tal perigo precisa ser devidamente lidado pelos desenvolvedores, mas não diminui o sucesso de Sol Cesto em construir uma imersão profundamente envolvente e em entregar horas de diversão para o jogador. Tive muita sorte de me deparar com essa obra — e azar o seu se ignorá-la.
Revisão: Beatriz Castro
Texto de impressões produzido com cópia digital adquirida pelo próprio redator