Quando a série Nível Secreto exibiu o episódio PAC-MAN: Círculo, ele pareceu se distanciar do aspecto promocional dos demais. Em vez de funcionar apenas como um “trailer glorificado”, como disse João Pedro Boaventura em sua resenha, essa história realmente veio como uma reimaginação completa — conseguindo ser estranha, sem perder os traços de familiaridade com sua obra de referência, e sem servir de propaganda comercial.
Ah, como somos inocentes! Três dias após a estreia da animação, a Bandai-Namco veio com uma reviravolta: soltou um trailer de revelação de Shadow Labyrinth, um jogo que virava a franquia do “come-come” de cabeça para baixo.
Tudo bem que Pac-Man já estrela spin-offs de plataforma há mais de 40 anos, mas é interessante que o gênero metroidvania tenha sido escolhido para uma franquia dessa relevância histórica. Esse tipo de jogos vive uma crescente há mais ou menos uma década, e empresas de maior fama na indústria parecem ter começado a olhar para ele. Foi o que vimos com Disney Illusion Island, Prince of Persia: The Lost Crown e, agora, Pac-Man/Shadow Labyrinth. Tem até um rumor de que o próximo God of War será um metroidvania.
Particularmente, gosto dessa ideia. Metroidvania é, na verdade, uma estrutura de progressão no espaço que permite representar franquias estabelecidas em campanhas de bastante profundidade — seja em narrativa, ambientação, ação, puzzles, melhorias de personagens etc. Se até Pac-Man foi satisfatoriamente adaptado para esse formato, o céu é o limite para esse tipo de transposição. Vamos ver o que quero dizer com isso.
Aperitivo
Primeiro, mesmo que o curta-metragem Pac-Man: Círculos sirva de prólogo, não é necessário tê-lo assistido para começar a jogar.
Segundo, é importante notar que o jogo não tem Pac-Man no título. Shadow Labyrinth conta com o potencial de reconhecimento da franquia — afinal, uma bolinha amarela com uma fatia de boca enorme é fácil de lembrar. Logo, consideremos como um spin-off sombrio que reimagina o arcade clássico como uma ficção científica misteriosa.
Terceiro, a adaptação em si é bem-feita e conseguiu extrair o máximo da série minimalista para fazer uma construção de mundo decentemente elaborada, além de uma gameplay de metroidvania satisfatória. Como produção, no entanto, o nível é de baixo orçamento.
Dos arcades para a sci-fi sombria
Mesmo se você nunca tiver jogado alguma das muitas versões de Pac-Man das últimas quatro décadas, é bastante provável que conheça o básico: uma bolinha amarela percorre um labirinto, comendo pontinhos amarelos e escapando de inimigos. Em alguns momentos, ela fica poderosa e passa a persegui-los — e devorá-los. A caça vira a caçadora.
Aqui, Pac-Man se chama Puck e é um robô flutuante que invoca crianças de outro mundo para auxiliá-lo em sua missão. Não, não há um sentido heróico para isso — é rapto e coerção mesmo, chamando sua serva de Número 8.
A bolinha amarela transplanta a alma da vítima para um novo corpo, a fim de que esse ser faça aquilo que ele mesmo não é capaz: atravessar o mundo labiríntico de metroidvania enquanto luta contra os inimigos, até alcançar o objetivo de sua missão. Entre eles há os fantasmas — é claro —, aqui chamados de G-HOST, e também uma tribo que cobre seus rostos com véus, que também se parecem com os espectros de Pac-Man.
Outros títulos da Namco, como Galaga, Xevious e Bosconian, entram no contexto da história. São jogos de arcade vindos diretamente dos anos 1980, então não espere um Namco-verso engenhoso. São apenas referências a obras que fazem parte do contexto histórico da empresa que viria a formar a Bandai Namco anos depois — e que podem ser encaixadas, sem problemas, na construção de mundo de um Pac-Man de ficção científica sombria.
A tal missão de Puck faz parte dos mistérios da história, e não vou entrar em spoilers — então, basta dizer que há uma trama razoável por trás de tudo e uma reviravolta que divide os atos e dá uma sensação de que a campanha é dividida em duas metades, ainda que essa divisão não aconteça de forma direta. Voltarei a esse ponto adiante.
Três pontos da gameplay são cruciais para referenciar os fundamentos da série. O primeiro é que Puck pode manifestar um robô gigante para consumir e absorver materiais dos inimigos. Alguns alvos são especiais e precisam ser devorados diretamente, conferindo novas habilidades de combate ou de movimento. É nessa oportunidade que a bolinha se transforma em uma enorme esfera sinistra para abocanhar suas refeições poderosas.
Devorar inimigos também enche a barra de poder, permitindo que encarnemos o robô gigante durante os combates. Como ele não leva dano e tem uma duração considerável, é um bom recurso para momentos de necessidade — mas com controles desajeitados: o movimento é travado, e o combate praticamente se resume a ficar trocando golpes de frente com o inimigo, o que também pode trivializar os primeiros chefes do jogo.
O segundo é que a Puck assume o comando da dupla quando toca em um dos muitos trilhos que ativamos, remetendo ao estilo clássico — enquanto mantém uma gameplay própria de plataforma.
O terceiro foi, para mim, uma grata surpresa: um mini-game que remete diretamente ao estilo clássico de Pac-Man e traz algumas adições interessantes de pulo e combate de plataforma.
Falta beleza…
Sinceramente, Pac-Man merecia um acabamento melhor em seu metroidvania. É clara — e constantemente visível — a baixa resolução dos cenários e de quase todos os seus elementos, sempre borrados e até pixelados. Há poucas camadas de profundidade nos cenários de fundo, e os elementos em primeiro plano têm aparência planificada, semelhante a recortes sobrepostos.
Pode até ser difícil perceber isso nas imagens pequenas desta análise ou talvez até no modo portátil do Switch, mas quem jogar em uma televisão 4K vai entender bem o que digo.
Tudo isso fica ainda mais evidente durante as cenas de diálogos, quando a câmera se aproxima e é nítido como os modelos de personagens e monstros estão em uma resolução muito acima de todo o resto. Mesmo que sejam bem ilustrados, os modelos têm animação um tanto rígida, como se fossem bonecos articulados. Isso não chega a atrapalhar a gameplay, mas deixa o controle menos fluido — especialmente quando controlamos o robô gigante.
A direção de arte tem elementos interessantes, mas a apresentação como um todo nunca se destaca, e o conjunto chega a ser inferior ao de vários outros jogos de criadores independentes com o mesmo estilo artístico. Fiquei com a impressão de que se trata de um jogo comissionado a algum estúdio pequeno, com orçamento e prazos limitados — mas o crédito de desenvolvimento se refere apenas à própria Bandai Namco Studios. Ela pode não ser conhecida por superproduções, mas, com certeza, tem os recursos necessários para entregar maior qualidade gráfica a um jogo bidimensional.
…e sobram áreas longas
Outra questão que pesou na minha experiência foi a forma como todas as áreas são muito maiores do que penso ser necessário. Puck leva Número 8 por corredores e mais corredores interconectados, abrindo atalhos, ativando geradores de energia e coletando itens de acesso.
Foram muitos os momentos em que me deparei com becos sem saída que, ainda que sejam bem curtos, carecem de sentido em meio ao design de níveis. Também foi recorrente seguir caminhos alternativos com trechos de plataforma ou de trilhos que, no fim das contas, só fizeram um loop para me levar de volta a um ponto anterior. Nesses momentos, eu abria o mapa e tentava entender o propósito do local — talvez tivesse deixado passar um item escondido —, chegando à conclusão de que, provavelmente, só tinha bolinhas amarelas coletáveis unicamente para fins de completude, pois elas rendem pouquíssimos pontos de experiência.
Um agravante é que vários dos checkpoints são muito distantes entre si, levando a repetições frustrantes por esses caminhos após morrer. Além disso, há dois tipos de checkpoints, e o menos frequente é justamente o que concede as opções de viagem rápida, de melhorias e de equipar modificadores. Espero que a Bandai Namco decida transformar alguns checkpoints comuns em especiais para favorecer a navegação pelo mundo enorme.
As áreas longas impactam no ritmo da história e deixam o progresso lento. Chega a parecer que o jogo adia a devida implementação de seus artifícios, deixando para aprofundar a gameplay mais tarde.
É por isso que eu disse que Shadow Labyrinth se divide em duas metades: apenas do meio em diante é que a história recebe contornos mais definidos, o combate fica mais dinâmico, os materiais recolhidos de inimigos se tornam um pouco úteis, mais acessórios podem ser obtidos, e habilidades novas dão razões para explorar áreas pregressas. Inclusive, é apenas dali em diante que o divertido mini-game de Pac-Man fica disponível. Ou seja, Shadow Labyrinth fica melhor com o tempo.
Um labirinto de brilho morno
O que Shadow Labyrinth tem de melhor é a ideia inusitada de transformar Pac-Man em um metroidvania, além de um mini-game que reinventa o formato clássico que conhecemos. Para além da adaptação, a execução rendeu um jogo competente, mas que não possui destaques que o façam ficar acima da média no gênero, sendo comprometido por áreas desnecessariamente longas e cenários de baixa qualidade visual.
Prós
- Por mais inusitada que seja, essa reinvenção sombria de Pac-Man funciona e combina bem com conceitos essenciais à série;
- Sistema de mapeamento detalhado e com recursos úteis;
- O mini-game de Pac-Man reformula o estilo clássico com novas ideias;
- Personagens bem ilustrados, com imagens em alta resolução;
- Textos em português brasileiro.
Contras
- Áreas desnecessariamente longas e com checkpoints distantes entre si;
- Visual planificado, com cenários de fundo sempre em resolução muito abaixo do adequado;
- Os sistemas de combate, melhorias e exploração demoram a ser melhor aproveitados.
Shadow Labyrinth — PC/PS5/XSX/Switch/Switch 2 — Nota: 7.0Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco
















