Análise: Primal Planet: sobrevivendo à cadeia alimentar jurássica — e também a uma invasão alienígena

Um bom platformer de exploração e sobrevivência que, com algumas melhorias, pode se tornar ótimo. Não deixe de conferir o mapa no final da análise.

em 28/07/2025

Criado pelo desenvolvedor solo da Seethingswarm, Primal Planet é um platformer com foco em exploração e sobrevivência na pré-história, estruturado com várias influências do gênero metroidvania.

Como a maioria absoluta das minhas análises é feita em consoles, quero começar esta por um ponto particular ao universo do PC: os requisitos mínimos. Dá para ver que Primal Planet é um jogo simples no aspecto gráfico, porém sua página no Steam indica serem necessários pelo menos 16 GB de memória RAM e uma placa de vídeo Radeon RX 560.

Certamente, é pouco para quem tem no PC sua plataforma principal para jogar, no entanto, é importante dizer que as recomendações são exageradas e o jogo funciona com muito menos. Se você é como eu e só tem um laptop “não-gamer”, sem placa de vídeo dedicada, não se preocupe: minha pequena máquina de 2019, munida de básicos 8 GB de RAM e um processador i5-8250u foi suficiente para uma experiência técnica limpa e tranquila, com poucas quedas na performance.



De maneira inesperada, tive uma moldura preta ao redor de toda a tela o tempo inteiro, diminuindo a proporção da visualização, e não há opções de resolução ou de tela além de cheia ou em janela para tentar ajustar isso. A questão não atrapalhou o bom proveito da jogatina, contudo, causou estranhamento.

Vida e morte no passado distante

Seguindo a pré-história fictícia de desenho animado, na qual diferentes espécies de dinossauros vivem no mesmo período que seres humanos da idade da pedra, Primal Planet traz uma trama minimalista, e, ao mesmo tempo, surpreendentemente eficiente por seus momentos de intensidade. O protagonista sem nome é um homem das cavernas (que, na verdade, vive em cabana).

Fica implícito que as relações entre o pessoal da vila passam por linguagem verbal, mas a narrativa abdica dela para se desenvolver sem qualquer texto escrito. Todos os eventos da trama e a expressão emocional provém de cenas animadas, efeitos sonoros e linguagem corporal. Em mais de uma vez fui pego de surpresa pela forma súbita como o jogo passou de algo tranquilo para uma tragédia envolvente.



O problema é que esses momentos ficam concentrados no começo e no final, deixando o meio com um vazio contextual, o que é reforçado pela ausência de lutas contra chefes e pela falta de desenvolvimento narrativo que acompanhe nosso progresso no vilarejo.

A vida do homem pré-histórico não é nada fácil. Não bastassem os predadores dinossauros e os ataques da tribo rival (com direito a máscara de caveira e montaria de pterodáctilos), ainda há a invasão de uma frota de naves alienígenas.

Isso mesmo, é pré-história com sci-fi, lanças de pedra e pura determinação de sobrevivência contra raio laser.



Um dia como todos os outros

Ainda é de manhã quando, emboscado por um réptil, o pai de família coloca a criança no chão e avança com sua clava de pedra. Sua esposa dispara flechas e o fiel cãozinho dininho acompanha o ataque com mordidas, porém é derrubado. Ao final da peleja, seu dono o põe de pé, coleta a carne do animal morto e seu grupo prossegue selva adentro.

Ferido, o pai come um pedaço de carne para recuperar as forças, mas ele não tem como acender uma fogueira no momento e a encara crua apenas para se arrepender no momento seguinte, quando uma indigestão o faz vomitar tudo o que comeu, deixando-o vulnerável por um tempo. Felizmente, isso não aconteceu no meio do combate. "Um estegossauro pasta em paz por ali, entretanto, o grupo não está forte o bastante para caçá-lo, então é melhor não perturbá-lo.



À tarde, enquanto todos atravessam uma passagem por baixo d’água, o dino de estimação devora alguns peixes pelo caminho, recuperando sua saúde, contudo, eles precisam apressar o nado porque também há predadores aquáticos, ainda que, por sorte, o maior deles esteja ocupado devorando outro.

Fora da água, não demora até o surgimento de outro perigo na forma de um enxame de insetos perigosos que voa na clareira adiante. O pai joga uma fruta no meio deles e, enquanto os bichos agressivos se banqueteiam, a família se apressa para passar em segurança. Suspeitando de uma reentrância no paredão ao lado, ele descobre uma gruta escondida onde há ervas raras e úteis para fabricar remédios.



Anoitece. Diante de um barranco que dificulta a passagem, a melhor opção é fincar uma lança na parede e usá-la como apoio para subir. Acima, há restos de uma antiga fogueira, o que torna fácil usar a madeira seca antes coletada para acendê-la. Na proteção do fogo, a família descansa e verifica seus pertences para se preparar para continuar o retorno ao vilarejo. Assar carne é uma boa ideia. Também é preciso fazer uma lança nova, uma ferramenta sempre útil.

Ao longe, estranhas coisas brilhantes passam voando em velocidade pelo céu, tão grandes que conseguem capturar dinossauros. Ainda sem saber do que se trata, a vida na idade da pedra jurássica continua.



A sobrevivência do mais apto

Como podemos ver no relato acima, Primal Planet tem dinâmicas de sobrevivência na história e na gameplay. A sensação de urgência bem executada nos mantém atentos aos riscos e envolvidos com a fragilidade da vida. Aliada a isso, a capacidade limitada de estocar recursos nos incentiva a usá-los na confecção de itens e nos mantém buscando por mais para repor o que já consumimos.

À medida que encontramos mais companheiros de vilarejo, podemos investir para melhorar suas cabanas e, com isso, conseguir fontes de recursos específicos. Melhor ainda: com um incentivo alimentar, é possível recrutar um desses companheiros de cada vez para nos acompanhar nas selvas, controlados pela CPU.



É possível também curtir a pré-história em dupla, com outra pessoa assumindo a qualquer momento o controle de “Sino the Dino”, o pequeno dinossauro de estimação, para o qual também há pontos disponíveis a fim de investir em algumas poucas melhorias. Sinceramente, seria melhor que a mesma opção de jogatina cooperativa se estendesse aos outros personagens humanos e não entendo o motivo para ter ficado de fora.

O sistema de melhoria de personagem é bastante direto: ganhamos XP por caçar bichos, encontrar segredos, pintar murais e outras coisas, o que nos dá Skill Points que devem ser gastos em um menu destinado a aumentar a os pontos de vida, o dano das armas, o tempo de segurar a respiração sob a água, a velocidade e por aí vai. Por esse mesmo meio obtemos habilidades como o pulo duplo e o dash no ar, vantagens que outros platformers de ação preferem entregar em momentos específicos em vez de deixá-los à venda desde o começo.



Por um lado, esse sistema combina bem com a grande abertura do mundo, mas, por outro, diminui a quantidade de colecionáveis importantes para achar e, por consequência, as recompensas de explorar com afinco. Cada passagem secreta descoberta tem grandes chances de conter apenas um ou outro item que não será adicionado ao inventário porque já carregamos a quantidade máxima dele.

Primal Planet é mais voltado para a dinâmica de sobrevivência, aprimoramento e descoberta como finalidade da gameplay, enquanto tudo isso trabalha como meios para alcançar o objetivo derradeiro.

No entanto, quanto mais fortes ficamos, menos vivenciamos a envolvente experiência de sobrevivência que relatei antes. Com mais vida, mais carne assada para me recuperar e mais dano causado, a cautela ficou cada vez menos necessária. Deixei de precisar distrair os predadores e apenas parti para cima de tudo que surgiu em meu caminho.



O jogo se coloca diante de um dilema que vejo como associado à estrutura de mundo aberto: é preciso dar a quem joga uma liberdade que, se for restrita demais, corre o risco de macular a experiência por deixá-la trabalhosa e punitiva; em contrapartida, se for generosa demais, pode diluir e até perder a consistência que pretendia construir.

É difícil planejar e aplicar a dosagem correta e creio que Primal Planet se beneficiaria de criar alguns gargalos de melhorias e de história para que a abertura pudesse expressar tanto liberdade quanto equilíbrio.



O mundo perdido

A grande questão é ficarmos perdidos nos caminhos ramificados. As primeiras duas horas marcam no mapa os objetivos para progredir na história, mas, depois, somos deixados livres e soltos numa selva labiríntica, com meia-dúzia de objetivos espalhados de modo impreciso pelo mundo aberto.

Entendo que é um convite à exploração e valorizo isso. O problema é que a dinâmica de “se perder antes de se encontrar” requer ferramentas capazes de fazer com que becos sem saída não pareçam meras perdas de tempo. Os temas de selva, apesar de haver uma pixel art belíssima e cenários sempre povoados de insetos e dinossauros, se tornam repetitivos e carecem de uma diversidade mais distinta.



O mapa nos ajuda apenas parcialmente, pois é tão fragmentado que não serve para se planejar com precisão e evitar andar em círculos na busca por novos caminhos.

O mapa em sua totalidade é visto desde o começo e apresenta uma divisão em quadriláteros para representar os diferentes setores. Há também um mapa mais detalhado para cada setor, mas só podemos ver o daquele onde estamos naquele momento, com suas diversas saídas e transições. Nesse quebra-cabeças, é difícil manter a consciência de como os fragmentos de setores formam um todo.

Um atenuante é que basta uma melhoria no sistema de mapas para resolver o principal da situação: mostrar bloqueios encontrados, visualizar os mapas de setores para planejar rotas e evitar repetições, incluir um grande mapa integrado com os setores ou, no mínimo adicionar marcadores personalizados. Minha saída foi montar eu mesmo um mapa do mundo com capturas de tela, disponível no final desta análise.



Outro ponto que espero que seja aprimorado é a viagem rápida. Os locais para isso são muito poucos e só são liberados mais tarde, quando boa parte do mundo já foi explorada, sem contribuição relevante para a eficiência das jornadas.

Por se tratar de um jogo de duração mediana (levei onze horas para finalizá-lo, contando o tempo dedicado a capturar imagens de todo o mapa para confeccionar um completo), o ímpeto de explorador falou mais alto e gostei de seguir em frente, disposto a desbravar os confins do mundo, vencer a cadeia alimentar e os invasores de tecnologia avançada.

Para finalizar, um adendo: o português brasileiro está entre os 16 idiomas disponíveis.

Sobre humanos, dinos e aliens

Com seus pontos altos mais relevantes que os baixos, Primal Planet ambienta a plataforma de ação na dura sobrevivência de uma idade da pedra povoada por dinossauros e invadida por naves alienígenas. O meio da campanha, com seu vazio narrativo e a trivialização de algumas mecânicas, vai perdendo a força emocional e a dinâmica do começo, algo agravado pelo mapeamento pouco funcional. No entanto, os apreciadores de encarar dinossauros e explorar os cantos de perigosos mundos bidimensionais interconectados terão motivos suficientes para se aventurar nessa pré-história.
Expanda a imagem para baixar na resolução total. Fiz uma colagem do todos os mapas de setores dentro da grade do mapa do mundo. Excluí spoilers de objetivos, tracei as conexões entre locais e marquei os portais de viagem rápida.

Prós

  • A pixel art é bonita, especialmente nos cenários naturais cheios de vida animal;
  • Envolvente narrativa universal de sobrevivência da família e do grupo, contada sem palavras;
  • A evolução de personagem baseada em melhorias obtidas por pontos de experiência combina bem com a grande abertura do mundo;
  • Mesmo sendo limitado, o modo cooperativo para duas pessoas é uma opção bem-vinda;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • O sistema de mapas é fragmentado e pouco eficiente, agravando a possibilidade de se sentir perdido ou sem rumo definido;
  • Há poucos e ineficientes pontos de viagem rápida;
  • O meio da campanha, com foco maior na liberdade de exploração, perde o impacto da narrativa e de alguns sistemas de sobrevivência, que podem ser trivializados como consequência do fortalecimento do protagonista; 
  • O recorrente tema visual de selva, mesmo com suas variações, é repetitivo.
Primal Planet — PC — Nota: 7.0
Revisão: Thomaz Farias
Análise produzida com cópia digital cedida pela Pretty Soon Games
OpenCritic
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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