Análise: Everdeep Aurora é uma bela e falha aventura de escavação

Falta profundidade, mas a maior parte dos problemas ainda podem ser melhorados.

em 09/07/2025

Um dos benefícios de produzir análises de jogos é recebê-los antes do lançamento. Em alguns casos, porém, isso acaba sendo pouco vantajoso quando o título tem problemas que poderão ser melhorados com o tempo e feedback. Isto é, jogar com antecedência pode ser encarar a pior versão de algo que, no fundo, tem potencial para ser bom.

Eu imagino que Everdeep Aurora seja um desses. É um jogo adorável, com visual bonito, ambientação agradável e músicas maravilhosas, mas pontilhado com alguns problemas de design superficial ou ineficiente. A maior parte parece ser contornável se a desenvolvedora espanhola Nautilus Games assim decidir. Espero que sim, pois a aventura da gatinha Shell merece ser aprimorada. Do jeito que está, contudo, minha experiência foi um misto de atração e frustração.



Fuga para as profundezas

Naquele mundo, uma chuva de meteoros cai incessantemente sobre a superfície e os habitantes decidiram se refugiar no subsolo. Lá há casas, bares, templos e até uma agência de correio, além de acampamentos para refugiados. É nesse subterrâneo que a gatinha Shell vai procurar sua mãe, que seguiu na frente por algum motivo que a menina desconhece, deixando para a filha apenas um recado amoroso.

Os personagens são animais antropomórficos representados por sprites belos e muito bem animados. Tudo se move com uma fluidez agradável e tem uma identidade visual própria que torna o conjunto muito cativante. As personalidades excêntricas de alguns também são convidativas e há vislumbres de reflexão.



Apesar disso, fica a sensação de superficialidade porque a narrativa formada pelo todo parece desconjuntada, sem muita conexão significativa entre as partes além das circunstâncias em geral. Reforçando essa sensação, os colecionáveis de textos e imagens encontrados pouco contribuem para a compreensão e parecem um desperdício de contextualização.

A campanha acontece em um mundo com formato de retângulo vertical construído por blocos destrutíveis. De posse de uma broca, Shell vai escavar sempre mais fundo, adquirindo habilidades de movimento e melhorias para sua ferramenta de perfuração para alcançar estratos mais profundos do subterrâneo. Ou seja, há elementos de metroidvania suficientes para considerar o jogo um deles, ou, no mínimo, um parente próximo do gênero.



Ao longo do trajeto, encontramos acampamentos para salvar o progresso (não há salvamento automático) e também para viagem rápida. Cabe um elogio à praticidade disso, pois podemos usar em qualquer lugar do mundo principal a opção de seguir instantaneamente para qualquer acampamento já descoberto. Como para baixo todo santo ajuda, é muito útil poder viajar para um acampamento acima e descer até onde queremos, enquanto a via inversa seria mais trabalhosa.

À primeira vista, todo esse esquema lembra bastante o primeiro SteamWorld Dig, mas basta seguir um pouco mais fundo para ver que as dinâmicas são bem diferentes.

Como não há qualquer combate em Everdeep Aurora, a escavação da broca é relevante para o tema de busca subterrânea e para a exploração, nos fazendo perfurar nossos próprios caminhos, mas não vai muito além disso. Alguns blocos dão recursos minerais de três tipos, sendo que todos eles servem para melhorar a própria broca e agilizar o processo de escavar, tornando o sistema um tanto redundante.



A duracita vermelha, por exemplo, preenche a bateria da ferramente, que, mesmo quando está descarregada, ainda funciona. A diferença é que, no início, precisamos de três golpes para quebrar um bloco com a broca carregada, enquanto são necessários cinco para obter o mesmo resultado sem energia. Isso significa apenas que escavar o minério mais comum serve unicamente para agilizar a escavação de mais blocos. OK, na verdade tem mais um uso para eles perto do fim do jogo: gastá-los para comprar três itens em uma loja.

Os outros dois minérios seguem a mesma linha, cada um provendo dois níveis de melhoria de velocidade e consumo para a broca. O que provavelmente foi criado com a intenção de passar uma sensação de progresso real, melhorar o instrumento só causa alívio por diminuir a lentidão imposta pelo processo de escavação.



Um quadro lindo de ver em uma moldura questionável

Os cenários de fundo da grande área principal não variam muito, o que é compensado com o dinamismo da paleta de cores: ela muda como um todo de acordo com o lugar em que estamos no momento. É uma transição atmosférica e interessante, e achei bem melhor que a seleção de filtros coloridos que já vi em outros jogos de pixel art de cores minimalistas desse tipo.

Entendo que a tela quadrada faz sentido como referência à estética do Game Boy Color e para valorizar a ideia de manter o inventário e o minimapa sempre à vista. Mesmo assim, acho que deveria haver opções para reorganizar esses três elementos, como colocar inventário e minimapa no mesmo lado da tela para que ela pudesse ser mais ampla ou até seguir o HUD convencional para manter a gameplay em widescreen e ativar o inventário quando necessário. O próprio inventário ficou no limite do meu conforto visual devido aos seus muitos ícones pequenos. 

Enfim, eu não gostei desse layout, porém até que me acostumei com ele. Meu aborrecimento de visualização do jogo foi outro, de que tratarei a seguir.



Mas, entretanto, contudo, todavia

Penso que o principal problema é o mapa pouco eficiente. Sim, ficamos com um mini-mapa generoso o tempo inteiro na tela, o que é bastante prático e ao mesmo tempo insuficiente, uma vez que não há como visualizarmos todo o mapa já descoberto de uma vez. Esse recurso seria essencial para planejar o backtracking e explorar em busca de novidades e ainda tenho esperanças de que decidam implementá-lo no futuro.

Outro ponto que vejo como problemático é que nem todas as localidades aparecem no mapa. Temos ícones para os principais locais, mas vários outros — tanto opcionais quanto obrigatórios — não têm nada para marcá-los após os descobrirmos.



Eu vou além: gostaria que não só aparecessem no mapa, para evitar andar a esmo quando precisamos voltar a eles, como também tivesse algo que indicasse que já esgotamos os segredos daquele local. Uma alternativa simples seria incluir marcadores personalizados; se não quer indicar todos os locais, que pelo menos nos deixe registrá-los convenientemente.

Esses problemas tornam o backtracking, isto é, o retorno para explorar lugares já visitados, menos interessante e mais cansativo, complicando o fato de que Everdeep Aurora não segura nossa mão em momento algum. Em outras palavras, significa que a exploração depende inteiramente de nossa diligência e, ainda que eu goste desse tipo de confiança na agência de quem joga, para que tal design seja bem executado é preciso que seja intuitivo, algo que nem sempre é conseguido aqui. As missões do começo funcionam bem, contudo, depois disso, muitas vezes me vi vasculhando a esmo até encontrar o próximo objetivo.



Na verdade, falta até tutorial. Chegou ao ponto de eu conseguir algo importante e achar que era apenas voltado à história, sem saber que aquilo concedia uma nova habilidade de movimento que era justamente o que eu precisava para progredir na campanha. Eu só descobri quando resolvi ver o trailer e fiquei surpreso diante de um momento de “ei, eu posso fazer isso?!”.

A essas alturas, eu já havia passado mais de uma hora procurando por toda parte algum ponto que me permitisse avançar, enquanto tudo o que precisava era usar um botão do controle que não tinha qualquer utilidade até então — não há diagrama de comandos para nos indicar as possibilidades.



Induzido ao erro

Agora, vou me permitir uma reclamação mais específica: o design do menu de configurações me fez perder todo o progresso do jogo quando eu estava na metade da campanha. A culpa é minha, eu sei, mas essa burrada de quem joga (eu) poderia ser evitada com um menu melhor.

A questão é que todas as opções ficam em uma mesma lista vertical e para alterá-las basta apenas pressionar para o lado, sem antes ter que apertar um botão para confirmar que você realmente quer mexer naquele aspecto. Para confirmar as mudanças, é preciso passar por todos os itens até o final da lista e selecionar Aplicar.



Tudo o que eu queria era aumentar o volume da música. Após isso, desci rapidamente para o Aplicar, porém não percebi que, logo duas opções acima dele, estava a escolha de apagar todo o progresso. Deslizando até o final com o analógico do controle, algumas opções foram modificadas sem querer, umas mais discretas, outras menos, incluindo essa terrível escolha definitiva. Lá se foi meu progresso: tive que recomeçar tudo (na nuvem, só encontrei salvas as configurações das opções, não da campanha).

Entendo que isso não aconteceria tão facilmente se eu usasse o D-Pad ou o teclado para navegar o menu. Por outro lado, também não aconteceria se uma opção tão drástica fosse mais protegida, se precisasse confirmar antes de poder mudar uma opção ou se o menu de configurações tivesse abas separadas para vídeo, áudio e gerenciamento de arquivos.

Se a Nautilus Games ou a Ysbrid lerem isto, por favor, considerem a mudança.



Uma escavação adorável que não vai fundo o bastante

Descontando do tempo registrado no Steam o progresso que eu perdi e me obrigou a recomeçar a campanha, e ainda o tempo que passei vagando a esmo pelo mundo, creio que levei em torno de cinco horas para ver os créditos rolarem. Consegui alcançar dois finais e há indícios suficientes para crer que ainda me falta o final verdadeiro, então não sei dizer quanto conteúdo o jogo ainda tem a me oferecer.

Após perder o progresso, eu poderia ter parado de jogar e feito a análise com base nisso, mas, se não fiz isso é porque há algo de cativante na jornada de Shell, o bastante para me motivar a recomeçar e continuar até o final, apesar da frustração.

Minha experiência com Everdeep Aurora foi inconstante, movida a adoráveis altos e incômodos baixos. A bela apresentação visual e as músicas impecáveis são certamente os pontos mais altos, assim como alguns objetivos intuitivos que renderam bons momentos na exploração. No entanto, a superficialidade de algumas mecânicas, a total falta de direções e de tutorial, a narrativa pouco articulada e o layout questionável da tela de jogo e dos menus macularam minhas escavações por aquele mundo.



Prós

  • Belo visual com sprites bem feitos e fluidos, além das paletas de cores minimalistas que variam com a atmosfera de cada lugar;
  • Trilha musical impecável do menu inicial até o final da campanha;
  • O sistema de viagem rápida é útil para a estrutura vertical do mundo;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • A narrativa desconjuntada não permite o desenvolvimento do que seria uma boa construção de mundo;
  • A mecânica de escavação é pouco aproveitada, sendo rasa e, às vezes, redundante;
  • Há problemas de design nos menus e a apresentação quadrada para tela de jogo limita a visão, sem dar opções para mudar o layout;
  • O mapa é incompleto e ineficiente, sem contribuir devidamente ao backtracking.
Everdeep Aurora — PC/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Thomaz Farias
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ysbrid Games
OpenCritic
Siga o Blast nas Redes Sociais
Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 4.0).