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Análise: Another Crab’s Treasure (Multi) é um ótimo e acessível soulslike marítimo que se banha em jogo de plataforma

O segundo jogo da desenvolvedora Aggro Crab nos apresenta uma divertida aventura no fundo do mar protagonizada por um caranguejo antissocial.

A trajetória do subgênero soulslike é muito curiosa. Foi criado pela From Software em Demon’s Souls (PS3/PS5) e, apesar de ter sido recebido com certo receio em sua época, acabou se tornando um daqueles casos de uma nova tendência nos games que passam a ser exploradas por outras desenvolvedoras, tendo variados graus de sucesso. 


Another Crab’s Treasure, segundo jogo da desenvolvedora Aggro Crab, bebe dessa fonte popular, mas apresentando uma ambientação bem distinta dos mundos medievais eurocentristas ou asiáticos. Ao invés disso, mergulhamos nas profundezas do mar com um protagonista nada heroico, em um pequeno lugar no qual o lixo tem importância.

A solidão e a beleza das águas

A história nos introduz a Kril, um caranguejo-eremita que cresceu nas piscinas naturais de uma pequena ilha. Desde seus primeiros anos de vida, o animal solitário teve que se defender dos perigos marítimos, podendo contar apenas consigo mesmo e com sua confiável concha. Dadas as circunstâncias, ele vivia em paz, com uma postura antissocial e certo medo do mundo.

No entanto, sua vida muda completamente quando um “tubarão” agiota, que se apresenta como um cobrador de impostos da rainha da região, chega com a intenção deconfiscar a concha de Kril a menos que ele caranguejo pague tributos pela moradia. Como Kril não pode pagar com lixo — o que logo descobrimos ser a moeda do mundo do jogo —, seu abrigo é retirado à força. Isso o obriga a mergulhar nas profundezas do mar para remediar a situação com a imperatriz e recuperar seu precioso objeto.

No entanto, sua paz e solidão não vão retornar tão cedo. Além da suposta tirania repentina da rainha, animais influenciados por uma estranha força começaram a se tornar mais agressivos. Logo, suas redondezas são tomadas por perigos desconhecidos, fazendo com que ele se envolva em uma trama que vai muito além de apenas recuperar sua concha, e tudo aconteça contra sua vontade.

Diante dessa odisseia, somos rapidamente apresentados a um dos aspectos mais interessantes de Another Crab’s Treasure: sua ambientação. Percorremos toda a diversidade do ecossistema marítimo, desde seus coloridos recifes de corais até locais infestados e poluídos pelo lixo. A lógica se assemelha  à de Bob Esponja, misturando as convenções da sociedade humana com elementos marítimos. Por exemplo, a principal cidade do jogo apresenta uma divisão na qual os ricos vivem em garrafas de vidro e botas elegantes, enquanto os suburbanos se contentam com caixas de papelão como abrigo.

A ambientação é apresentada com visuais carismáticos com uma direção mais caricata, especialmente no design dos NPCs que são humanoides. O uso de cores destaca bem os locais que permanecem distantes da poluição excessiva do lixo, enquanto as regiões corrompidas pela influência sofrem com sujeira e cores mortas. O jogo falha um pouco na parte técnica nos locais menos naturais, especialmente quando há entulhos de lixo que são basicamente relevos com texturas de entulho, mas a atmosfera continua engajante do começo ao fim da aventura.

O combate sistemático que se espera, com espírito de plataforma

Como mencionado anteriormente, Another Crab’s Treasure é um jogo do gênero soulslike em sua essência. Características como: o combate que exige nossa atenção constante; um item de cura restituído em um local de descanso que faz os inimigos derrotados voltarem à vida, e a busca por recursos perdidos ao morrer estão presentes.

No entanto, a fórmula é combinada com uma mobilidade não muito comum no gênero. Kril é um personagem relativamente ágil, capaz de correr e se esquivar sem a necessidade de gerenciar uma barra de estamina. Por isso, os confrontos contra os diversos inimigos são bem mais agressivos, especialmente quando há mais de dois deles envolvidos na luta.

Para lidar com a pressão, Another Crab’s Treasure foca mais nos recursos defensivos do que ofensivos, devido à mecânica principal do personagem, sendo a capacidade de se esconder em conchas ou objetos semelhantes. Podemos usar latas, potes, copos, molas, globos de discoteca e outros objetos como escudo, e cada um deles possui seus próprios atributos de peso, resistência e alguma habilidade especial. Além disso, o jogador é beneficiado se optar por uma abordagem de ataque devido ao sistema de postura semelhante ao de Sekiro: Shadows Die Twice (Multi), no qual basta sobrecarregar o oponente para dar um golpe poderoso.

O método de ataque básico é um garfo, sendo a única arma que teremos até o fim da aventura. A princípio, pode parecer desanimador pela falta de variedade, mas podemos contar com o poder mágico Umami para complementar nosso arsenal. Cada tipo de concha terá algum especial que pode ser decisivo em diversos momentos, como ataques giratórios, bolhas teleguiadas e projéteis de energia. Além disso, alguns chefes derrotados nos darão habilidades extremamente poderosas, como um soco concentrado ou uma enguia-elétrica de energia, o que também pode servir para abrir caminho nos cenários.

A progressão de poder de Kril ocorre de várias formas. Cada inimigo derrotado nos premia com microplásticos, que podem ser usados para melhorar nossos atributos de ataque, defesa, vida e poder Umami, ou como moeda para diversos itens. Também é disponibilizada uma árvore de habilidades que destrava novos movimentos e recursos realmente úteis como: parry, esquiva no ar, ataque enquanto corre e até a junção de uma concha com o garfo, resultando em uma arma pesada e poderosa.

A quantidade de sistemas ajuda a manter o combate sempre interessante, ainda mais considerando que a variedade de inimigos não é alta e se resume a tipos de caranguejos diferentes e alguns animais nadadores. Por outro lado, as batalhas contra chefões e sub-chefes são bem divertidas e distintas, especialmente perto do final, cheio de embates catárticos. 


Contudo, o combate é levemente prejudicado pelas animações um tanto desengonçadas que necessitam de um tempo para adaptação quando se trata de defesas e esquivas. A câmera também pode se tornar um problema em locais mais fechados durante as lutas, especialmente quando somos encurralados contra uma parede, momentos que fazem com que nosso caranguejo desapareça da tela. Já na exploração, apesar de termos um mapa do menu, não podemos interagir com ele para ver os caminhos ao redor, ficando limitado apenas a uma pequena área próxima.

Fora dos combates agressivos, Another Crab’s Treasure se revela um jogo de plataforma bastante competente. O mundo se divide diversas vezes em áreas abertas que beneficiam a exploração em busca de itens equipáveis, enquanto corredores mais estreitos testam as habilidades de pulo do jogador com plataformas móveis, grades para se pendurar e ganchos para lançar uma corda com anzol. Essa mescla funciona bem na estrutura linear da aventura, nunca caindo na mesmice em seus desafios.

O oceano de acessibilidade, e a poluição dos bugs

Another Crab’s Treasure carrega a proposta inerente dos jogos soulslike de ser uma experiência desafiadora e que nos ensina com nossos erros por meio de constantes desafios. No entanto, considero este jogo mais fácil do que outros do mesmo gênero. Devido à quantidade de movimentos à nossa disposição, jogadores mais habilidosos não enfrentarão grandes problemas. Não me considero um jogador experiente de Dark Souls (Multi) e seus derivados, mas não cheguei a morrer mais do que quatro ou cinco vezes em batalhas contra chefes. Por isso, considero um bom “primeiro soulslike” para quem ainda não se aventurou nesse nicho.

Se você precisar de ajuda específica, o jogo oferece um menu de assistência que permite alterar o dano recebido, a vida dos inimigos, remover o fator de busca por recursos perdidos após a morte, desacelerar o jogo e até mesmo equipar Kril com uma pistola que mata instantaneamente qualquer inimigo. Não há penalidade alguma ao usar qualquer recurso de acessibilidade, permitindo a customização conforme o desejo e a aptidão de cada jogador.

Infelizmente, a aventura de Kril é levemente prejudicada pela falta de polimento. Apesar de eu não ter encontrado nenhum bug que tenha impedido totalmente minha progressão — apenas um momento de completa falta de atenção que me fez vagar por horas sem saber o que fazer — alguns erros ocorreram. Além do problema com a câmera, já vi inimigos entrando debaixo da terra, fiquei preso em um momento roteirizado que exigiu que eu reiniciasse o jogo, IA de chefe que praticamente desligou de repente, e até fui arremessado para fora da batalha final a dois golpes de finalizar o chefe.
Bug bem aleatório que ocorreu na batalha final.
O jogo também não é tão bem otimizado para PC, dado seu escopo mais simples no campo visual. A princípio, eu estava tendo leves quedas de fps em regiões mais abertas, o que me fez ajustar as configurações para amenizar. No entanto, ao desligar o V-Sync, o jogo conseguiu rodar constantemente acima de 60 fps e, mesmo com os rasgos de tela ocorrendo, achei bem melhor desta forma e rodando com os presets gráficos no máximo.

É importante salientar que joguei o título em seu estado de pré-lançamento e, durante o período de embargo, algumas atualizações foram lançadas. Acredito que a Aggro Crab continuará corrigindo os problemas após o lançamento, então esses contratempos podem desaparecer futuramente.

Um tesouro no mar de 2024

Another Crab’s Treasure é uma surpresa agradável em um estilo de jogo que pode estar um pouco saturado atualmente. O título se destaca por seus combates dinâmicos, design de níveis bem pensado e focado em plataforma, além de uma história que, embora não seja profunda, é envolvente devido a seus personagens. As questões de acessibilidade expandem o potencial do título para além do público já familiarizado com a fórmula da From Software, e podem alimentar discussões sobre um “modo fácil” nesse tipo de jogo. Mesmo tendo seus problemas técnicos, já o considero um dos melhores do ano.

Prós:

  • Atmosfera marítima interessante do começo ao fim, trazendo um aspecto único ao jogo;
  • Visuais cartunizados charmosos;
  • Ótimo design de som que complementa a qualidade da ambientação;
  • Combate cheio de recursos diferente para ajudar em cada abordagem, mas simples de entender;
  • Elementos de jogos de plataforma casaram muito bem a abordagem soulslike mais ágil;
  • Opções de acessibilidade o tornam um dos soulslike mais acessíveis para começar.

Contras:

  • Certos bugs podem forçar a reinicialização do jogo;
  • Alguns detalhes visuais mais simples prejudicam um pouco da ambientação;
  • Quedas de desempenho em locais mais abertos;
  • Um mapa que não dá para interagir e é bem incômodo.
Another Crab’s Treasure — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Aggro Crab

Estudante de enfermagem de 24 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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