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Análise: Last Epoch (PC) mostra que, em um ARPG, o excelente vem depois de um básico bem-feito

Ao respeitar as suas influências e principalmente os seus jogadores, Last Epoch é facilmente recomendável para entusiastas de RPGs de ação.

Desenvolvido pela Eleventh Hour Games, Last Epoch é um ousado RPG de ação com viagens no tempo, ampla customização de personagens e elevado fator replay. Após uma longa jornada até seu lançamento, que contou com capítulos decisivos na plataforma de financiamento coletivo Kickstarter e também no formato Acesso Antecipado no Steam, o título finalmente chegou à versão 1.0 em fevereiro deste ano. 


Como veremos a seguir, o resultado (apesar de alguns leves percalços) é uma obra recomendada para os entusiastas do gênero que estejam buscando algo novo, porém essencialmente familiar e que se destaque pela acessibilidade. Confira a análise!

A beleza de cada época

Last Epoch se passa em um universo fictício no qual, no início, só havia o vazio e duas entidades distintas: Orobyss e Eterra. O primeiro se contentava com o nada e a inércia; Eterra, por sua vez, ansiava pela luz e pela existência.

Em um claro rompimento com seu paralelo Orobyss, Eterra criou um mundo, batizou-o com seu próprio nome e o preencheu com vida de todas as formas, incluindo deuses. Entusiasmada com a beleza de sua criação, a entidade escolheu viver nela. Este período ficou conhecido como Era Antiga.

Porém, após milênios de paz, um dos deuses criados por Eterra e chamado Rahyeh, sedento por poder, decidiu declarar guerra às outras divindades e à entidade original. É neste contexto de ruína, conflitos e desolação que o seu personagem acaba se envolvendo na trama e descobrindo a existência de um artefato extremamente poderoso que foi dividido em três partes no passado para evitar que caísse em mãos erradas.

Conhecido como Epoch, este artefato inclusive teria sido o responsável por conceder à Eterra o poder de criar o mundo como ele existe hoje. Sem entrar no território de spoilers, espere a partir disso uma aventura com viagens no tempo, chefes desafiadores e diversos inimigos a serem derrotados enquanto tenta encontrar e proteger Epoch e a própria realidade das garras de Rahyeh.

Novo, porém familiar

Na prática, Last Epoch é um RPG de ação com visão isométrica, como os títulos das sagas Diablo e Path of Exile. Embora carregue diversas diferenças por se tratar de uma obra nova, destaco que as semelhanças são o suficiente para todo fã do gênero se sentir um pouco “em casa” aqui, desde a organização do inventário em grid até a forma como os primeiros inimigos são derrotados.

Assim como a lendária série da Blizzard, Last Epoch permite aos jogadores escolherem a classe de seu personagem. Aqui, são cinco disponíveis — Sentinela, Ladina, Mago, Primalista e Acólito —, mas não deixe o número aparentemente baixo enganar no que tange à variedade: cada classe possui outras três subclasses, que moldam de forma definitiva como o seu herói se comporta na aventura.

Exemplo: um mago feiticeiro será capaz de usar raios e meteoros para atacar os inimigos à distância; já um especialista na arte da magilâmina imbuirá sua espada com poderes elementais para destruir os oponentes ao seu redor. Da mesma forma, a Ladina poderá se graduar na arte da falcoaria ou se aprimorar no uso de arco e flecha.

A escolha da subclasse é a única decisão permanente dentro da campanha do título e acaba gerando números consideráveis (provavelmente na casa dos milhares) de combinações possíveis ao lado das habilidades (Skills), sejam estas ativas ou passivas.

As habilidades ativas, como o próprio nome indica, são aquelas que precisam ser usadas (ativadas) manualmente. Normalmente, são obtidas conforme se progride na história, derrotando inimigos e ganhando pontos de experiência. Já as passivas concedem bônus duráveis, como mais força e vitalidade ou aumento da chance de causar sangramento ao golpear adversários.

Algo bem legal e um grande diferencial em Last Epoch é que há um notável incentivo à experimentação nas builds, sem que isso cause penalidades ao jogador. Por exemplo: uma das primeiras habilidades ativas que um Paladino adquire é a capacidade de jogar martelos em seus oponentes. Dependendo do seu investimento na árvore dessa habilidade, é possível fazer com que as ferramentas passem a girar ao seu redor, causem dano elemental ou mesmo que recuperem vida e energia ao acertarem os inimigos.

Mudou de ideia e quer testar outra combinação de Skills? Sem problemas, já que é possível realocar os pontos gastos a partir do próprio menu, a qualquer momento do jogo. Por mais simples que soe, a mera presença dessa facilidade em si acaba tornando mais acessível um gênero que não raramente costuma afastar jogadores por sua complexidade. Ponto positivo para os desenvolvedores, portanto.

Como se fosse a primeira vez, ou não

Como em outros games do gênero, a verdadeira graça em Last Epoch está em tentar criar o personagem mais forte possível para encarar desafios cada vez maiores, inclusive muito além dos oferecidos na campanha (o chamado endgame).

Se for possível finalizar a história principal jogando em torno de 20 horas — inclusive de forma totalmente offline —, o conteúdo aqui disponível e a facilidade de criar novos personagens pode facilmente quintuplicar essa estimativa. A grande atividade aqui são os Monólitos do Destino, que utilizam o mote de viagem no tempo da história e lhe colocam em cenários com inimigos cada vez mais poderosos, em troca de drops e loot proporcionalmente melhores.

Assim como todo o conteúdo do jogo, os Monólitos — e suas versões turbinadas, chamadas de empoderadas — podem ser enfrentadas em equipes de até quatro jogadores. Mas, caso você prefira jogar sozinho, não há com o que se preocupar, pois os desenvolvedores escolheram balancear o jogo de forma que toda atividade oferecida, até mesmo as sazonais, possa ser completada em single-player.

Isto se estende até mesmo às dinâmicas de comércio do game, pois próximo ao final da campanha é possível se aliar a uma de duas facções distintas — A Guilda dos Mercadores e o Círculo da Fortuna. 

A Guilda é para os jogadores que apreciam o aspecto social em títulos do gênero, pois possibilita aos seus membros acessarem o Bazar para compra e venda de itens e estabelecerem negociações diretas com o dinheiro in-game. Já o Círculo da Fortuna é para quem prefere jogar sozinho, pois seus membros gozam de drops melhores e mais valiosos nas atividades do endgame, como os já citados Monólitos.

Mudou de ideia? Sem problemas. Assim como no caso do respec, Last Epoch oferece flexibilidade para os jogadores mudarem de lado como preferirem, inclusive mantendo sua progressão em cada facção. É mais uma daquelas decisões simples, mas que valorizam o investimento e o tempo do jogador e demonstram que estamos diante de um jogo idealizado de fãs para fãs. 

Algumas (poucas) pedras no caminho

Mesmo com diversas qualidades e uma longa jornada de desenvolvimento, Last Epoch não está completamente imune aos percalços. Se você buscar análises do período de lançamento da versão 1.0, são grandes as chances de encontrar histórias tenebrosas sobre problemas de servidor, saves corrompidos e mais. Assim como ocorreu com outros sucessos recentes, como Helldivers 2 (PC/PS5), os desenvolvedores claramente subestimaram a demanda do público nos primeiros dias.

Felizmente, tendo jogado semanas após o lançamento, não me deparei com problemas similares, embora as instâncias de lag e atrasos no modo online ainda tenham ocorrido de tempos em tempos, assim como crashes para a área de trabalho. 

Dito isto, o suporte para controles é algo que definitivamente ainda precisa ser aprimorado, pois alguns menus e diálogos exibem os símbolos de teclas mesmo que um controle esteja sendo usado, dificultando a experiência e praticamente exigindo o uso de mouse e teclado. É algo pequeno, claro, mas que deve ser levado em conta caso você prefira usar controles no PC ou esteja planejando jogar em um Steam Deck e similares.

Considerando que o jogo continua a atrair bons números de jogadores simultâneos e os desenvolvedores continuam a reunir feedback do público na comunidade do Steam e no Discord, porém, acredito que esse ponto — bem como os ocasionais problemas de servidor — vá ser solucionado em breve. Fica a expectativa, ao menos.

Um título digno de suas influências e do gênero que representa

Last Epoch não é exatamente uma revolução dentro do segmento de RPGs de ação, mas a criação da Eleventh Hour Games acerta bastante ao entregar uma aventura divertida, envolvente e principalmente acessível em um gênero reconhecido por sua complexidade muitas vezes assustadora. 

Ao dar liberdade aos jogadores para conquistarem Eterra como quiserem — online, offline, ao lado de outros players ou não, inclusive desmontando e montando builds sem qualquer penalidade por isso —, a desenvolvedora prova que o excelente vem depois do básico bem-feito. Se por um lado será interessante conferir como estarão as próximas temporadas e o suporte dos desenvolvedores daqui pra frente, por outro nada pode mudar o fato de que aqui está uma trajetória digna de ser vivenciada já em sua versão 1.0. Recomendado.

Prós

  • Campanha divertida, com horas de duração e bom uso do recurso de viagem no tempo;
  • Todo o conteúdo da versão 1.0 pode ser vivenciado tanto no modo single-player quanto em parties de até quatro jogadores, sempre de forma balanceada;
  • Milhares de combinações possíveis fomentam a experimentação, inclusive incentivando builds capazes de “quebrar o jogo” (no bom sentido);
  • Suporte ao português brasileiro;
  • Endgame escalável para quem deseja levar seus personagens ao extremo do desafio.

Contras

  • Problemas de servidor e crashes, embora bem menos frequentes que na semana de lançamento, ainda se fazem presentes;
  • Suporte aos controles no PC carece de melhorias na implementação;
  • Não está imune à sensação de repetição característica do gênero.
Last Epoch — PC — Nota: 8.5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Eleventh Hour Games

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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