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Análise: Alone in the Dark (Multi) apresenta um horror cósmico que é decente, mas com péssimas escolhas

Como uma reimaginação do original de 1992, o jogo segue o seu antecessor com foco no terror lovecraftiano.


Fazer um remake de um clássico pioneiro de um gênero é uma tarefa extremamente desafiadora. Nas mãos da desenvolvedora Pieces Interactive, Alone in the Dark vem para reimaginar a tenebrosa história da mansão Decerto, atualizada com nova roupagem, estilo de câmera e talentos de peso para ajudar na dublagem. Mas seria realmente necessário se arriscar tanto tendo como referência o “pai” do survival horror?

Olhamos para o vazio…



A história começa com uma sinopse bem similar à original. Na Louisiana dos anos 20, Emily Hartwood contrata o detetive particular Edward Carnby para ir com ela até Decerto,  asilo chique para ricaços decadentes, em busca do seu tio Jeremy, que mandou uma carta estranha para ela alegando estar sendo perseguido pelos funcionários do local antes de desaparecer.

Com um começo clássico digno de um filme de terror de Dario Argento, Alone in The Dark cria uma cortina de mistério e misticismo em torno de um grande personagem recorrente em toda a jogatina: a mansão. Os protagonistas encontram diversos personagens que compõem o elenco de estranhos funcionários e pacientes do local, cada um com seu maneirismo e estilo, o que torna cada interação no local ainda mais suspeita. A transformação física, mental e até espiritual de seus personagens e locações é um ótimo auxílio para mostrar o avanço da história e como as máscaras vão caindo, as cortinas se abrindo e o horror inominável vai saindo aos poucos da escuridão revelando suas mil faces de pura insanidade.

A trama se desenrola de forma direta, diferente de Alan Wake 2 (Multi) que busca na metalinguagem expandir seus horizontes como obra. Aqui o texto é voltado para uma construção clássica linear, fazendo uma ode aos clássicos com uma linguagem simples mas que não perde seu brilho ao entregar um gênero frontal como o horror.

Entre o espaço e o enredo



Decerto consegue ser enigmática do início ao fim, a mansão é onde boa parte da sua aventura se desenrola no jogo, e o trabalho fantástico da equipe de direção de arte dá vida a esse espaço que também é um meio pelo qual a trama aplica suas entrelinhas. Um bom exemplo disso é pensar na narrativa como um mofo: corrói partes do imóvel e só aumenta com o tempo conforme os horrores vão se revelando.

Na criação da mansão houve um cuidado especial para contar histórias através dos objetos e formas espalhadas pelos cômodos. Cada paciente tem um quarto e os detalhes em cada um deles revelam a natureza e personalidade desses personagens. Até a própria arquitetura, ou estátuas e decorações da casa dão o tom e indicam uma história para aquele local. É o chamado Environmental storytelling, ou Narrativa ambiental, a arte de arranjar uma seleção cuidadosa dos objetos disponíveis no mundo do jogo de forma que esses sugiram uma história ao serem vistos.

Não somente em Decerto  (ambientes metafísicos nos quais os protagonistas passam boa parte do horror) existe um cuidado em demonstrar a história e cultura do local com cada item disposto, até os itens de combate como pás e remos condizem com seu local e uso. Um trabalho primoroso da equipe que entendeu que boa parte do que faz um bom terror é sua ambientação.

…E o vazio olhou de volta



Apesar dos bons acertos no texto e ambientação, é exatamente nos aspectos mais centrais da jogatina que Alone in the Dark deixa a desejar. O survival horror é composto de algumas mecânicas básicas que podem ser expandidas ou reprimidas para criar uma experiência x ou y. Aqui os desenvolvedores optaram por expandir o uso de enigmas, estando presentes por todo o projeto. E, como não é um action survival, o combate é deixado de lado.

Não que faltem lutas: pelo contrário, tem muitas até, o problema é como o combate é desenvolvido no jogo. Sem nenhum sistema de upgrade fora as armas que você consegue, que são limitadas a quatro tipos apenas. Além disso, a variedade de inimigos é risonha e o jogo conta com apenas uma batalha de chefe. Isso pode parecer algo que não impacta a experiência, mas tendo em vista os grandes jogos da última década, mesmo de survival horror, momentos catárticos como batalhas de chefe são muito bem vindos e adicionam a experiência, o que falta em peso aqui.

E com o uso dos Mitos de Cthulhu tirado diretamente do trabalho de H.P Lovecraft, a equipe tinha em mãos diversos horrores inimagináveis para usar nessa loucura, mas por algum motivo optou por manter toda a loucura do horror cósmico contida em alguns poucos inimigos que lembram um caveira enrolada em minhocas de pesca. Quando o momento da loucura e catarse chega com um monstro maluco e aterrorizante, o jogo já está em seus minutos finais.




Outro elemento que pesou na experiência foi o trabalho sofrível empregado pelo elenco de vozes. Jodie Comer e David Harbour, que dão vida respectivamente à Emily e Edward, entregam uma atuação feita completamente no piloto automático, principalmente David Harbour, grande ator que entrega tudo em trabalhos como o personagem Hopper de Stranger Things ou o Guardião Vermelho de Viúva Negra, Aqui, mal parece que ele está animado com projeto e entrega suas falas com quase nenhuma paixão. 

Outro problema que pesa ainda mais nas performances são os gráficos datados. A discussão sobre a necessidade de bons gráficos sempre é bem acalorada, mas pra mim, assim como qualquer técnica, eles têm suas necessidades e usos. No já citado Alan Wake 2, a alta fidelidade é um meio para trazer a história à realidade e entregar a excelente performance de seus atores talentosos. Aqui, além do trabalho de dublagem deixar à desejar, a péssima fidelidade gráfica em nada ajuda na conexão com os personagens em suas expressões faciais. Talvez o único ponto positivo dessa falha gráfica seja a sólida performance no PC.

Um horror maculado

Apesar de não chegar no nível do original, Alone in the Dark honra o legado da franquia sendo o melhor título desde 1992, com um uso decente, apesar de modesto, da loucura de Lovecraft, além de uma ótima ambientação e uma história enigmática que prende do começo ao fim, dando vários nós na cabeça. Uma ótima experiência para os fãs de longa data, e para os mais aficionados no survival horror, antigo ou atual.

Prós

  • Ambientação extremamente detalhada que conta fragmentos da história e ajuda na composição de mundo e personagens;
  • História enigmática com boas reviravoltas que leva o jogador de cantos esquecidos do Egito antigo até os pântanos sujos da Louisiana;
  • Aparição de nomes famosos dos Mitos de Cthulhu de Lovecraft, dando ainda mais profundidade no horror cósmico.

Contras

  • Péssimas performances da dupla de protagonistas;
  • Pouca variedade de inimigos, principalmente tendo em vista a quantidade de monstros que o bestiário de Lovecraft contém;
  • Gráficos extremamente datados que atrapalham na imersão com os personagens e suas respectivas performances;
  • Péssima abordagem no que diz respeito à batalhas de chefes, sendo essas quase inexistentes no jogo.
Alone in the Dark — PC/XSX/PS5— Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela THQ Nordic

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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