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Análise: Prince of Persia: The Lost Crown (Multi) reúne com sucesso o que há de melhor nos metroidvanias

O retorno triunfal de uma saga acrobática perdida nas areias do tempo.


Com Prince of Persia: The Lost Crown, uma das grandes séries populares dos videogames faz sua merecida volta à ativa. Desde The Forgotten Sands, de 2010, a franquia estava adormecida sob as dunas do deserto, enquanto Assassin’s Creed, que começara a produção como um spin-off seu, recebia a atenção dos estúdios da Ubisoft.

A saga dos príncipes anônimos começou em 1989, chamando atenção com suas animações elaboradas no título de estreia. Nos dez anos seguintes, teve uma sequência e uma péssima incursão no mundo do 3D.

Adquirida pela Ubisoft, a marca passou por uma reformulação bem-recebida com a trilogia de Sands of Time no começo dos anos 2000 e teve um reboot isolado em 2008, antes de retornar para o conto do tempo com o já mencionado The Forgotten Sands. E então, houve silêncio.



A modéstia como um meio de alcançar as alturas

Agora, The Lost Crown dá mais uma guinada no rumo e leva a Pérsia mítica ao formato metroidvania, um gênero que na última década entrou em uma crescente que o fez estar hoje em seu período mais produtivo. Ou seja: é uma abordagem segura para arriscar dar nova cara a uma série antiga sem os custos avassaladores das megaproduções fotorrealistas de hoje em dia.

Os personagens e a paleta de cores puxam para o cartunesco, o que encaixou muito bem com a perspectiva 2.5D pela qual o game se aventura. Isto é, gameplay 2D lateral em um mundo visualmente construído em três dimensões. Não é raro que eu lamente essa escolha gráfica, mas, neste caso, a composição foi muito bem executada e, em numerosos trechos, a profundidade dos cenários salta aos olhos, avolumando o mundo como um lugar mais amplo e denso.




Outra vantagem devidamente aproveitada é que, nas cenas narrativas, a direção pode usar o cenário poligonal para criar ângulos de câmera dinâmicos de uma maneira que não seria possível em pixel art ou cenários desenhados.

Por sinal, todas as cenas e diálogos possuem dublagem (mas não em português), um dos sinais que mostram investimento em uma produção minuciosa, mesmo que a estrutura do 2.5D seja muito mais modesta do que os enormes e onerosos mundos abertos que a empresa entrega aos montes.




Minha impressão é que, em termos de escala de produção técnica entre os metroidvanias, The Lost Crown alcançou o pódio, acima de jogos de empresas grandes, como Metroid Dread, e abaixo apenas de Ori and the Will of the Wisps. Não me surpreende, então, que o jogo tenha sido feito pelo Ubisoft Montpellier, o estúdio que desenvolveu Rayman Origins e Rayman Legends, dois dos melhores platformers de todos os tempos e munidos de excelente direção de arte.

Após esse panorama geral, vamos ver como nosso jogo analisado funciona.

A montanha onde o tempo parou

A história não segue os príncipes  de versões passadas. Em The Lost Crown, entramos na pele de Sargon, um dos sete Imortais, guerreiros persas de elite fortalecidos pela Athra, a energia vital.



Longe da Babilônia de jogos passados, desta vez o início da trama é na cidade de Persépolis, sitiada pelo exército Kushan. A maré da batalha vira com a chegada dos Imortais e Sargon mata o general inimigo, sendo condecorado pela rainha e reconhecido como um semelhante pelo príncipe Ghassan. A comemoração dura pouco, pois o príncipe é raptado pela general Anahita, mentora de Sargon, que sempre fora leal à coroa.

No encalço dos sequestradores, os Imortais chegam ao mítico monte Qaf, cuja cidadela era conhecida como um centro de sabedoria. Com o tempo, porém, os projetos da antiga arquiteta, de quem diz-se ter enlouquecido, geraram formas perigosas e muitas armadilhas espreitam nos corredores do local.

Algo aconteceu ali que fez o tempo sair de seu fluxo e se contorcer em um nó, criando confusas divergências e convergências de passado, presente e futuro. Nesse caos temporal, Sargon e os Imortais encontrarão algumas verdades escondidas, com direito a conflitos, reviravoltas e revelações.



O tempo é um grão de areia no deserto da realidade

Como podem ver, a brincadeira com o tempo permanece na franquia, porém de maneira mais evidente na narrativa e nos ambientes do que na jogabilidade, mostrando-se explicitamente apenas em alguns puzzles interessantes. As habilidades especiais de Sargon estão mais para manipulações dimensionais, como criar uma cópia de si mesmo para se teletransportar e abrir um portal para engolir um objeto e depois poder trazê-lo de volta. Portanto, não espere mecânicas passadas populares, como reverter o tempo.

O conceito central de agilidade e acrobacias também se faz presente para uma jogatina ágil, precisa e prazerosa que permite realizar desafios de plataforma bem-executados. A maioria dos mais exigentes é opcional e leva a tesouros, mas, a partir da metade, os caminhos da campanha incluem sequências que exigem reflexos para executar o que foi aprendido até então.



O combate também compartilha dos elogios acima com seus combos e golpes especiais, que agradarão aos que gostam de se aprofundar nas lutas para ter suas habilidades postas à prova contra os chefes que surgem pelo caminho.

O desafio fica ao gosto de quem joga: há cinco níveis crescentes de dificuldade para escolher, que também podem ser personalizados em detalhes. O segundo nível é o recomendado pelo jogo, mas preferi começar no terceiro e continuei nele, passando por uma boa dose daquela dinâmica de morrer algumas vezes contra alguns chefes empolgantes, até aprender a “dança” e conquistar a satisfação da vitória.




Muitas outras opções de acessibilidade estão disponíveis no menu, tanto no auxílio visual — como no tamanho do texto e nas cores — quanto na gameplay. Aqui entra o Modo Guiado, que acrescenta detalhes ao mapa, orientando para o objetivo da missão. Por padrão, ele começa desligado e é recomendado apenas para quem achar necessário no decorrer da campanha. Na verdade, o mapa, o design de níveis e as indicações visuais são eficientes e intuitivos.

Por exemplo: bem antes de encontrar uma árvore dourada que funciona como ponto de salvamento, Sargon sempre se depara com um nada discreto rastro de folhas sopradas na direção dela.

Com isso, The Lost Crown consegue oferecer uma aventura aos amantes de exploração baseada na curiosidade e iniciativa, enquanto oferece os recursos opcionais a quem quer algo mais direcionado e leniente.



Persiavania

Como um metroidvania, The Lost Crown é quase como um greatest hits de design e mecânicas do gênero. Temos a não-linearidade, a vendedora de mapas, os marcadores de mapa personalizáveis, os amuletos equipáveis por sistema de pontos, o pulo duplo, a mecânica de estilingue para se lançar no ar, os mercadores e a ferreira, o combate de combos com aparada baseada em timing, muitos chefes desafiadores, as portas que só abrem de um lado e paredes quebráveis.

É um mundo vasto que abriga uma quantidade enorme de segredos e trechos opcionais que, em geral, entregam boas recompensas, mas nem sempre. Para ter uma ideia da proporção, finalizei a campanha em 24 horas e 88% de completude, considerando que sempre invisto meu tempo em explorar o máximo que consigo e optei por não comprar os mapas, preferindo descobri-los à medida que percorri as áreas.



Uma ótima ideia implementada foram os Fragmentos de Memória. Em jogos de exploração desse tipo, eu já tinha o hábito de fazer capturas de tela para lembrar de locais importantes para retornar depois. Muitas vezes, precisava fazer duas imagens: uma do local em si e outra do mapa, para ter certeza de onde fica.

A Ubisoft Montpellier uniu as duas coisas em uma mecânica simples, prática e eficiente: ao pressionar de um botão, você cria uma captura de tela que fica salva diretamente no local correto do mapa de jogo. Basta abrir o mapa e colocar o cursor sobre o ícone para vê-la. Espero que vire moda.

Os ambientes também seguem o manual clássico da aventura de videogame: passamos por palácios, fortalezas, bibliotecas, florestas, catacumbas, minas e esgotos, mas algumas áreas são belas surpresas que surgem no meio do caminho.




Toda a cidadela do monte Qaf é devidamente aprofundada com uma boa quantidade de informações e contexto que contam a história de sua grandiosidade mítica e a queda que a deixou naquele estado.

Para encerrar, é válido mencionar que tive alguns pequenos e eventuais bugs aqui e ali, mas nada relevante ou constante ao ponto de atrapalhar a diversão. Meu maior incômodo, na verdade, foi a obrigatoriedade de logar a uma conta do Ubisoft Connect para começar o jogo e a impossibilidade de desativar as notificações. Mesmo após eu ativar o modo Não Perturbar do PS5, elas continuaram se intrometendo para avisar do cumprimento de desafios que rendem XP no programa da empresa.




Por fim, a música foi subutilizada. Sempre que uma melodia se sobressaía e chamava minha atenção por sua beleza e papel na atmosfera da aventura, eu percebia que, na maior parte do tempo, o aspecto musical é tão discreto e banal que eu havia esquecido dele.

Após as ressalvas, digo honestamente que minha experiência com The Lost Crown foi muito positiva e superou as expectativas. Mesmo sem revolucionar o gênero, dá para ver como cada aspecto foi pensado em detalhes e recebeu dedicação para uma reimaginação confiante.



Reencontrando a coroa perdida

Com Prince of Persia: The Lost Crown, a Ubisoft Montpellier aproveitou o terreno firme do legado metroidvania para dar novos ares à série clássica. Mesmo sem inovar, o jogo é construído com o que há de bom no gênero, uma combinação confiante e muito bem executada que leva a uma campanha robusta, divertida e desafiadora, destacando-se como um dos melhores em seu meio.

Todos os pontos receberam a devida atenção: o mapa enorme e cheio de segredos, o combate ágil, os visuais bonitos, a história intrigante e os diálogos dublados. Ainda que a música seja mais discreta do que deveria e as notificações compulsórias do Ubisoft Connect quebrem a imersão de vez em quando, a aventura de Sargon é uma obra exemplar ao mostrar que nem toda franquia adormecida precisa de um blockbuster bombástico para despertar novamente.



Prós

  • O retorno de uma franquia clássica em nova forma;
  • Entrada no meio metroidvania com aproveitamento eficiente de diversas mecânicas do gênero;
  • Ótima exploração de um mundo vasto, bem-construído e repleto de segredos;
  • Boa condução narrativa para acompanhar a estrutura de progressão;
  • Relevantes aplicações de qualidade de vida e de opções de acessibilidade;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • Para iniciar o jogo, é necessário logar em uma conta do Ubisoft Connect, cujas notificações invasivas não podem ser desativadas no PS5;
  • A música se destaca vez ou outra, o que serve para lembrar que, na maior parte do tempo, ela é discreta demais para ser relevante.
Prince of Persia: The Lost Crown — PS4/PS5/PC/XBO/XSX/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ubisoft

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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