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Análise: Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy (Multi): uma jornada de três advogados curiosos

O pacote reúne e atualiza Apollo Justice e suas duas sequências.

Ace Attorney é uma franquia de aventura japonesa clássica que transporta mecânicas tradicionalmente associadas a obras de detetive para um universo de advocacia. Apesar do conceito exótico parecer um tanto peculiar a princípio, os títulos conquistaram o mundo com suas histórias e personagens vibrantes, cheios de carisma e charme.

Após a trilogia original de Phoenix Wright, foi introduzido um novo protagonista chamado Apollo Justice. A Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy reúne os três últimos jogos da linha principal, mas, apesar do nome, inclui não apenas o jovem advogado das “Cordas de Aço”, como também o seu mentor e a novata Athena Cykes. Todos os três protagonizam a defesa de alguns casos em uma trilogia fundamental para a evolução da franquia.

De volta aos tribunais

Em Ace Attorney, assumimos o papel de um advogado de e precisamos defender nossos clientes dos crimes dos quais eles são acusados. Na prática, a série envolve vários casos de assassinato em que o réu é enquadrado injustamente e precisamos nos esforçar para descobrir a verdade.

A estrutura é toda feita como um mistério que tem o ápice de sua resolução em disputas acaloradas no tribunal. Cabe ao jogador vasculhar a cena do crime, interrogar testemunhas e reunir provas para provar a inocência do seu cliente e chegar ao que realmente aconteceu.

As tramas costumam envolver personagens muito excêntricos a ponto de serem caricatos, boas doses de humor e reviravoltas rocambolescas. Geralmente, descobrimos a verdade durante a discussão do caso porque os detalhes são muito peculiares. Casos que parecem simples a princípio se provam verdadeiras máquinas de Rube Goldberg completamente fora da realidade.

Na trilogia Apollo Justice, temos três bons representantes disso e que introduzem novos personagens importantes à franquia. No primeiro jogo, é contada a história dos casos iniciais que o advogado ainda novato assume, e mais detalhes sobre o passado dele são explorados nas sequências.

Em Dual Destinies, Phoenix Wright retorna aos tribunais e assume o protagonismo em alguns casos, repetindo a dose em Spirit of Justice. Ambos também introduzem a novata Athena Cykes, uma advogada especializada em psicologia.

Três destinos

Embora a trilogia enfatize Apollo Justice em seu nome, os três personagens alternam os momentos de foco, embora Athena acabe ficando mais no papel de auxiliar. A presença deles também traz variações mecânicas, já que cada um deles possui táticas especiais para questionar as testemunhas.

Quem jogou a trilogia Phoenix Wright deve se lembrar da Magatama. Com o poder desse artefato místico, Phoenix consegue notar quando uma pessoa esconde segredos e pode tentar pressioná-las em uma espécie de espaço mental. Apesar do elemento sobrenatural, na prática o advogado tem que usar argumentos lógicos e evidências para fazer com que elas contem as verdades que estão escondendo.

Já Apollo possui uma técnica especial chamada Perceive; ou seja, ele é capaz de notar com muita precisão as manias das pessoas. Quando alguém mente ou esconde algo intencionalmente, tende a ter hábitos específicos cujas animações devem ser destacadas pelo jogador durante suas falas. Esse sistema é melhor explorado em Apollo Justice e depois simplificado para evitar que o jogador se confunda sobre quando ativá-lo.

Por fim, Athena Cykes introduz o uso da Mood Matrix, uma visualização do estado mental dos personagens. Com ela, é possível notar discrepâncias entre as falas e quatro estados psicológicos (Felicidade, Raiva, Tristeza e Surpresa). Ao apontar esses erros, as testemunhas adaptam suas declarações, adequando-as à nova realidade e revelando mais detalhes.

No caso específico de Spirit of Justice, temos também a introdução de uma mecânica especial chamada Divination Séance. Graças a ela, podemos ver os últimos momentos da vítima. Apesar de parecer algo “objetivo” e conclusivo, Phoenix consegue provar que os resultados interpretados pela princesa Rayfa, a responsável pelo ritual, não são infalíveis e precisam de uma inspeção rigorosa. O resultado é uma mecânica de investigação de contradições da cena do crime com as provas e o entendimento geral dos casos.

Ao analisar a trilogia como um todo, observamos uma qualidade oscilante de casos e uma sensação geral de que os escritores precisaram repensar elementos do passado, adicionando detalhes que acabam soando como alterações de continuidade. Apesar disso, os casos rocambolescos, o humor afiado e o charme dos personagens faz com que resolver os casos seja bem agradável.

Evoluindo o espírito da série

Quando falamos da trilogia Apollo Justice, é importante ter em mente que suas entradas marcam a transição da série do 2D para o 3D. Isso já começa a acontecer no próprio Apollo Justice, que foi o único a ser feito especificamente para o DS enquanto seus antecessores foram portados do GBA. Nele, a equipe testou adicionar animações especiais para os casos, incluindo alguns trechos de 3D, como uma reconstituição da cena do assassinato do caso 2.

Honestamente falando, chega a ser surpreendente como essas animações continuam bonitas na nova edição. Tanto os elementos 2D quanto 3D dos três jogos possuem contornos nítidos e anti-aliasing, e ficam muito bonitos de ver em um monitor ou TV HD, apesar de ter alguns poucos casos de pior qualidade, como as pessoas ajoelhadas no caso 3 de Spirit of Justice.

Em Dual Destinies e Spirit of Justice, a maior parte dos jogos usa modelos tridimensionais dos personagens, o que trouxe algumas vantagens. Primeiramente, houve um cuidado nítido em manter o espírito da série na transição, utilizando-se de cel shading para que os personagens tivessem um estilo mais caricato. Junte a isso o uso de mais animações faciais e corporais e câmeras dinâmicas, e o resultado é que as disputas nos tribunais são muito emocionantes.

Em termos das investigações, isso implicou também em casos que envolvem a análise das cenas dos crimes por múltiplos ângulos. Com isso, os ambientes possuem mais detalhes e nuances curiosas para prestar atenção. Porém, Dual Destinies também acabou cortando boa parte da exploração para que o jogador só fizesse isso em locais-chave das investigações.

Embora essa mudança não afete a evolução da história principal, é uma pena perder o aspecto charmoso de interagir com objetos aleatórios do cenário. Ao fazer isso, sempre tínhamos diálogos engraçados com o nosso atual parceiro de investigação, mas isso fica faltando na quinta entrada da série. Felizmente, Spirit of Justice traz de volta esse elemento de point-and-click de qualquer área.

Em busca de um veredito favorável do júri

Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy mantém o estilo das coletâneas anteriores da franquia de enfatizar elementos de qualidade de vida. Além da atualização gráfica, os jogos buscam modernizar a experiência sem alterar o núcleo da gameplay para que todo tipo de jogador possa ter a melhor experiência nessa edição, dando-lhe ares de “versão definitiva”.

Como esperado de uma obra com grande ênfase textual, há um registro de todas as falas, autoplay e a possibilidade de acelerar o texto apertando um botão. Além disso, o progresso é salvo automaticamente em intervalos regulares e é possível manter até 10 saves manuais para cada título. Com o sistema de Story Mode (que faz com que o próprio jogo resolva os casos) e a possibilidade de eliminar dicas adicionais, tanto novatos quanto veteranos podem aproveitá-lo.

Para quem quiser jogar apenas algum caso em vez de passar por tudo, a lista de episódios é bastante detalhada. Não apenas é possível pegar um caso específico, incluindo aqueles que antes eram DLC no 3DS, como também há a opção de selecionar em que ponto da trama vamos começar. Ou seja, a qualquer momento é possível mergulhar direto no meio de um dia de investigação ou do testemunho de uma pessoa no tribunal.

A coletânea também conta com um Museum que reúne vários conteúdos para fãs, como ilustrações, músicas, conquistas (aqui chamadas de Accolades) e um Animation Studio que permite montar uma cena simulando os tribunais. Infelizmente, esse último recurso acaba sendo bem limitado, dando apenas para escolher personagens, poses, fundos e reações. Teria sido interessante se ele fosse um pouco mais detalhado e permitisse montar de fato uma espécie de mini-julgamento falso.

Em termos do resto do conteúdo, porém, trata-se de um pacote essencial. Na parte gráfica, estão disponíveis ilustrações promocionais e in-game, artes conceituais dos personagens e animações dos títulos. Enquanto isso, na parte sonora, temos as músicas dos três jogos e arranjos orquestrados. Além disso, podemos alterar o menu principal para usar as artes e músicas que quisermos para representar cada título.

Apesar de todos os aspectos positivos, gostaria de destacar que há alguns momentos em que não é possível salvar o progresso. Isso acontece principalmente em Apollo Justice quando o juiz pressiona Apollo para apresentar uma evidência, mas também em certos pontos de Spirit of Justice nos quais há um vídeo que precisa ser pausado e investigado. É uma escolha estranha bloquear o save apenas nessas situações, tendo em vista que ele é liberado na apresentação de outras evidências.

Além disso, vale destacar que no computador temos apenas um sistema simples de ajustes gráficos em adição ao que já é possível customizar na edição de consoles, como a transparência das caixas de diálogo. O menu de PC inclui quatro opções:

  • Alterar a resolução;
  • Usar janela, janela sem bordas ou tela cheia;
  • Ativar ou desativar a sincronização vertical;
  • Ativar ou desativar o anti-aliasing.
Essas opções são suficientes para aproveitar os títulos. A performance é boa e sem grandes problemas de forma geral, embora eu pessoalmente tenha notado um momento de loading particularmente demorado ao carregar um save específico, mas esse caso foi fora dos padrões normais da trilogia.

Sem objeções, meritíssimo!

Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy pode não ser o ponto alto da série até aqui, mas é um ótimo representante do seu carisma e uma parte muito importante da sua história, adicionando elementos mecânicos curiosos à vivência dos advogados. Com os elementos de qualidade de vida e os extras do Museum, a história de Apollo, Phoenix e Athena traz personagens cativantes em casos bizarros e está muito mais fácil de ser aproveitada na nova coletânea.

Prós

  • Boa variedade de mecânicas exploradas nos casos;
  • Tramas curiosas cheias de reviravoltas rocambolescas e bom humor;
  • Sistemas de qualidade de vida que fazem com que o pacote seja a melhor forma de aproveitar os jogos;
  • A galeria de ilustrações, vídeos e músicas conta com um acervo incrível de conteúdo perfeito para os fãs, e é possível usá-las para customizar o menu dos jogos;
  • Os três jogos ficam bem bonitos em alta definição com contornos mais nítidos e anti-aliasing.

Contras

  • A exploração dos cenários em Dual Destinies é bastante limitada;
  • Em Apollo Justice e em um trecho de Spirit of Justice, é impossível salvar quando o juiz te pressiona a apresentar evidências;
  • Como um conjunto, a trilogia acaba tendo tramas com ar de “retcon” e o desenvolvimento do Apollo fica um pouco de lado, especialmente em Dual Destinies;
  • O Animation Studio poderia oferecer mais recursos para simular um trecho do tribunal de fato.
Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Capcom

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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