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Análise: Crymachina (Multi) discute o que significa ser humano em um RPG de ação meia-boca

Novo título da FuRyu em parceria com a AQURIA tem aquele gostinho de jogo que poderia ter sido muito melhor.

Crymachina
é um RPG de ação desenvolvido em uma parceria entre a AQURIA e a FuRyu. Com ambientação sci-fi e um elenco principal inteiramente feminino, o jogo busca oferecer uma discussão sobre o que significa ser humano e outros aspectos filosóficos sobre a existência. Porém, um design de fases sem graça e um combate mal balanceado prejudicam a experiência.

Sobre humanidade e máquinas

Crymachina se passa em um futuro distante no qual a humanidade foi totalmente destruída por uma doença chamada Centrifugal Disease. Apesar da grave crise, antes que o pior acontecesse, os cientistas conseguiram criar uma arca com Dei Ex Machina, robôs programados para tentar restaurar a humanidade futuramente.

Trazer de volta os humanos é a missão de Enoa, a oitava Deus Ex Machina, que usa dados salvos sobre a humanidade como base para a criação de candidatos a humano. Mais especificamente, na arca conhecida como Eden, os indivíduos são avaliados de acordo com uma taxa de humanidade, e ser considerado mais humano lhes concede mais poder na hierarquia. O objetivo é criar um “True Human”, alguém cuja humanidade é reconhecida por todo o sistema.

Em meio a disputas entre os Dei Ex Machina, assumimos o controle de garotas que foram resgatadas por Enoa no mar de informações da arca. Em particular, Leben é considerada uma “escolhida” por motivos desconhecidos que serão revelados posteriormente. Junto a ela, temos Mikoto e Ami, suas veteranas que lutam para proteger Enoa e ter a chance de se tornarem True Humans.

De forma geral, temos uma trama cheia de reviravoltas interessantes, abrindo discussões sobre o conceito de identidade, prova de existência, definição de humanidade e a formação de famílias não-consanguíneas. Todos esses elementos são divulgados em meio a uma ambientação futurista que mostra uma possibilidade assoladora de fim da humanidade reforçada por boas músicas na trilha sonora com algumas canções de destaque, especialmente aquelas com vocais. E por falar em vozes, como de costume, as dublagens japonesas conseguem refletir muito bem a identidade das personagens e oferecer um bom leque emocional para elas.

Um mundo sem vida

Infelizmente, o cerne da gameplay é um problema grave. Embora tenha uma ambientação interessante, Crymachina é, francamente falando, um jogo chato. Trata-se de um RPG de ação em que os elementos de RPG são mais barreiras do que ferramentas úteis para expandir o combate em direções interessantes.

Crymachina é um jogo dividido em fases. Cada área é mais ou menos um corredor amplo e vazio com alguns momentos de combate aqui e ali e pouquíssimos elementos interativos. De forma geral, as fases são genéricas, repetitivas e profundamente sem graça. Alguns desses elementos poderiam até ser justificados pela ambientação, tentando reforçar o quão sem vida a arca é, mas isso não reduz o fato de que a apresentação é pouco interessante.

Algumas fases até tentam fazer algo diferente para ajudar a dar uma diversificada na experiência. Por exemplo, em uma área, uma baleia gigante persegue o jogador, forçando-o a correr e pular em plataformas que estão sendo destruídas pela trajetória da criatura. Em outra, somos forçados a desviar de raios lasers pulando em cima de caixas ou se escondendo atrás delas. 

Infelizmente, esses desafios são majoritariamente tediosos e não têm o impacto desejado pelos desenvolvedores. Da mesma forma, eles tentam fazer variações nos layouts usando elevadores e trilhos futuristas, mas o resultado é apenas deixar as fases ainda mais arrastadas.

Para piorar a situação, o combate também é desestimulante, não oferecendo evolução ao longo do tempo. Desde o início, temos um sistema de combo com ataques fracos e fortes, assim como armas auxiliares que são equipadas nas laterais das personagens e podem ser ativadas em vários momentos das lutas. Na prática, apenas a mudança dos equipamentos auxiliares muda algo fácil de notar na forma de combate das heroínas.

Ao final de cada área, ganhamos experiência e pontos de EGO para melhorar os parâmetros das garotas. Como o jogo força o uso das três personagens em momentos distintos, não dá para simplesmente investir tudo em uma delas sem que isso leve à necessidade de grinding, algo que o jogo inclusive desestimula, tendo valores limitados de nível que podem ser atingidos a cada ponto da trama.

Essa limitação não é o único problema, já que Crymachina possui parâmetros ultra específicos que podem ser melhorados com EGO. Em vez de poder diretamente escolher ajustar valores de ataque ou defesa, temos elementos relacionados a enfrentar inimigos com nível mais alto ou mais baixo e uma taxa de regeneração de HP patética que não costuma ser muito útil.

Junto com os raros equipamentos obtidos nas fases, a sensação geral é a de que o jogo só tem elementos de RPG porque é moda ter ou algo do tipo. O que temos na verdade são sistemas limitadores, como o grande impacto do nível, com chefes opcionais intocáveis até que você esteja na zona de nível deles. Em vez de um jogo de ação com uma evolução agradável para o jogador, que é geralmente o ideal do gênero, temos um título repleto de barreiras artificiais e que se beneficiaria mais de um design simples de combate sem parâmetros.

Como resultado dessa implementação, infelizmente, o combate é bastante desequilibrado. Com poucas oportunidades para melhorar as personagens e um limite de nível, mesmo os inimigos básicos do jogo podem causar danos altos e até matar o jogador em até três hits se ele não conseguir desviar. O timing correto de esquiva ativa propriedades especiais que variam de acordo com o personagem, mas que servem como forma de contra-atacar. 

Caso o jogador falhe, porém, terá que recomeçar a fase desde o início, a menos que esteja enfrentando o boss da área. Isso inclui rever cutscenes e diálogos que são muito comuns no jogo. Felizmente, há formas de skip que reduzem o incômodo, mas essas cenas ainda são ativadas toda vez que o jogador precisa recomeçar por conta do game over e quaisquer elementos interativos necessários para avançar também precisarão ser ativados novamente.

Um jogo sci-fi que poderia oferecer muito mais

Crymachina possui um mundo interessante, mas isso não é o suficiente para fazê-lo se destacar, graças à sua gameplay cansativa e sem graça. É honestamente difícil recomendá-lo para quem gosta de RPGs de ação com tantos exemplares bons do gênero no mercado, mas quem se afeiçoar pelas histórias das personagens talvez consiga ainda assim aproveitá-lo.

Prós

  • Ambientação futurista bem-executada;
  • A trama possui boas reviravoltas;
  • Trilha sonora com algumas canções memoráveis.

Contras

  • Fases extremamente sem graça, vazias, genéricas e repetitivas;
  • Os elementos que tentam dar um pouco de variedade às fases são mal colocados, inconvenientes e de pouco valor além de deixá-las mais arrastadas;
  • Mesmo inimigos básicos no modo mais fácil podem dar fim ao jogador em poucos hits e a regeneração de vida é patética;
  • Recomeçar a fase ao perder contra inimigos comuns, incluindo passar por todas as cutscenes, é um grande inconveniente;
  • Os sistemas de evolução de personagem são muito limitados e mal explicados.
Crymachina — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC

 Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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