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Análise: Life of Delta (Multi): ajudando os outros em um point and click pós-apocalíptico

Uma breve aventura bonita em sua simplicidade e construída com puzzles eficientes.


Quando vemos em Life of Delta as cenas de conflito e bombardeio sobre um terreno árido no qual dois povos distintos vivem segregados, podemos pensar que o timing da chegada desse jogo foi duvidoso para a situação geopolítica atual.

No entanto, essas são apenas as aparências, uma vez que o cenário que o jogo apresenta é um Japão desertificado em um futuro pós-apocalíptico no qual a humanidade foi extinta.



A empatia de um pequeno robô que não tem medo de rinocerontes

Quem habita o mundo poeirento são os robôs e os animais antropomórficos, com destaque para o exército dominante composto por javalis, rinocerontes e tricerátops - sim, dinossauros. Não tente entender como esse quadro tomou forma, essa não é a proposta do título. Na verdade, a intenção está bem clara no título do jogo: é sobre Delta.

Delta é um pequeno robô de serviço que seria descartado na fábrica onde trabalhava, o que significa ser jogado em um tanque tóxico para derreter. Inesperadamente, ele foi salvo por Joe, um trabalhador que o levou para casa, no meio do deserto, e se dedicou a consertar o baixinho. Para o terror de ambos, os soldados chifrudos o rastrearam até lá e levaram o salvador preso.




Delta saiu do esconderijo onde foi colocado por Joe, determinado a salvar o amigo. Para isso, ele atravessará o deserto até Megacity e procurará pistas de seu paradeiro. Repare no nome da cidade: ele já mostra que o jogo não foi traduzido para nosso idioma, então prepare-se para ler nos idiomas alternativos de costume, como o inglês e o espanhol.  

A história não é épica e não desvendamos grandes mistérios do passado ou do presente: Delta quer apenas salvar aquele que o salvou, em um ciclo altruísta que considera natural que os membros de uma comunidade apoiem uns aos outros. Simples assim.


É por isso que a história de robôs e de animais agressivos serve como metáfora para tratar de assuntos que, encenados por humanos, poderiam ser mais delicados. A máscara da ficção permite ir longe na ética humanista da coletividade sem cobrir seus personagens de peles, línguas e outras barreiras étnicas mais ligadas à nossa realidade direta, evitando tanto o risco de tomar lados em questões sócio-históricas específicas quanto a necessidade de caracterizar essas mesmas questões de forma respeitosa e equilibrada.

É uma vantagem das histórias universais: sua simplicidade alcança mais com menos, algo muito importante em um jogo curto, que pode ser finalizado em cerca de quatro horas.



Aponte, clique e, por via das dúvidas, clique de novo

A aventura de Delta tem o formato de point ‘n’ click, então espere mover o personagem indiretamente pelo cursor em um passo mais lento do que o desejado, vasculhar os cenários em busca de pontos de interação, conversar com personagens um tanto excêntricos e solucionar puzzles, muitos puzzles.

Você encontrará itens diversos para resolver problemas ainda mais diversos, desde configurar o aparelho que carrega a sua energia no começo do jogo, até como preparar sushi de acordo com o cardápio local. Conserte uma nave, distraia guardas, ajude os outros a te ajudar e também ajude apenas porque você pode. Delta é um robô de serviço, afinal. Servir é o que ele faz de melhor, sempre com um pragmatismo otimista e determinado a tentar o seu melhor.




Mesmo que a escrita em si não vá surpreender ninguém, ela é empática, clara, concisa e agradável de ler, dotada da mesma simplicidade que a construção de mundo.

Os puzzles nem sempre merecem esses mesmos adjetivos, podendo padecer de excesso de confiança na intuição do jogador. Um problema é que às vezes o que é “clicável” não está devidamente destacado daquilo que não é, o que acaba levando a uma boa dose de tentativa e erro ao vasculhar a tela ou o diagrama do puzzle para descobrir possíveis interações que lancem luz à meta em vista.




Ainda na primeira metade houve um puzzle que até agora não sei o que fiz para passar. Fui mexendo os objetos até descobrir o objetivo por acaso e continuei mexendo para tentar captar a lógica por trás do enigma, mas tive sucesso nele antes de decifrar como realmente funcionava a coisa.

O que ajudou foi a organização da charada, que me impediu de cometer erros muito longe do alvo. Essa coesão focada parece ser parte do design geral de Life of Delta, dividindo a progressão em partes menores e cadenciadas, uma por vez. Por isso, você nunca se verá cheio de objetivos simultâneos e praticamente todos os puzzles são resolvidos com os elementos presentes em seus cenários, sem confundir o jogador com um vai e vem de uma tela a outra.




Falando em cenários, aqui vem uma faca de dois gumes: pintados à mão, eles são sempre bonitos e atraem o olhar do jogador aos detalhes, em contrapartida, a resolução não alcança a mesma qualidade da arte, deixando aparentes os pixels e algumas bordas serrilhadas. Certamente Life of Delta merecia maior fidelidade para suas belas imagens.

Outro problema está na imprecisão de alguns pontos de interação. O cursor fica grande quando colocado sobre um objeto ou personagem, indicando o nome, mas, ainda assim, foi comum que eu precisasse clicar mais de uma vez para que Delta cumprisse o comando.




Essa falha pode induzir ao erro de, por exemplo, achar que um objeto não interage com o local apropriado, precisando de mais tentativas para obter sucesso. Não é um problema drástico, mas certamente incomoda e pode levar ao efeito contrário: tentar várias vezes a mesma coisa para se certificar de que a ausência de resultado não é um erro do jogo.

A vida de um robô de serviço otimista

Life of Delta é uma aventura point and click eficiente e carismática em sua simplicidade. O contexto enxuto ajuda a manter o ritmo do conto de um robô que deseja salvar seu amigo e os belos cenários pintados cumprem bem a função de aproximar o jogador ao mundo de Delta, mas não espere mistérios, reviravoltas e explicações da história dessa distopia pós-apocalíptica. Apenas curta os puzzles e siga em frente na pele metálica do pequenino e muito humano robô de serviço.



Prós

  • Belos cenários pintados à mão caracterizam o mundo pós-apocalíptico;
  • A simplicidade da história pode não agradar a todos, mas a atmosfera de empatia é agradável e revigorante;
  • Puzzles interessantes e variados;
  • A estrutura coesa não deixa o jogador perdido no vai e vem entre telas diferentes.

Contras

  • Algumas imagens de cenários são prejudicadas pela baixa resolução;
  • Pontos de interação imprecisos levam o jogador a ter que tentar ações mais de uma vez e podem induzir ao erro;
  • Alguns puzzles são menos intuitivos do que acham que são, podendo causar confusão tanto nos objetivos quanto no funcionamento da solução;
  • Sem localização para português brasileiro.
Life of Delta — PS5/XSX/PC/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Daedalic Entertainment

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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