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Análise: Agatha Christie - Murder on the Orient Express (Multi) é uma ótima interpretação da obra original

Um dos maiores clássicos da autora britânica chega aos games de maneira bem-feita e com um inusitado conteúdo extra.

A força de Agatha Christie na literatura mundial é inegável. Ela é a segunda autora de ficção mais vendida da história, atrás apenas do seu compatriota William Shakespeare. 

Após ter sido referenciada nos originais First Cases e The London Case, chegou a hora de reviver um dos mais famosos livros da Rainha do Crime — e um dos meus favoritos — em Agatha Christie - Murder on the Orient Express (Assassinato no Expresso Oriente, em português).

Clássico moderno

Para alegria dos fãs do material original, o jogo segue fielmente a narrativa proposta no livro, dando-se apenas algumas liberdades. Uma delas é que em vez de se passar no começo da década de 1930, a história acontece no final de 2023, no aniversário de 140 anos do Expresso Oriente.

É estranho logo de cara ver Hercule Poirot recebendo e-mails em um celular ou encontrando um cigarro eletrônico (ou vape, para quem preferir), mas isso talvez só incomode os mais puritanos. A única alteração no elenco foi na nacionalidade do Dr. Constantine, que deixou de ser grego e passou a ser queniano, mas isso não interfere no decorrer dos acontecimentos. No mais, isto não influencia em nada a interpretação, pois, diferente de outras adaptações que tomam liberdades de alterar situações e “unificar” personagens, esta aqui manteve a estrutura à risca. 

Entretanto, isso não impediu que os desenvolvedores criassem uma história extra para aumentar a profundidade da obra. Vou evitar spoilers para quem nunca leu ou jogou nada sobre este romance, mas um fato é que o assassinato em questão envolve outro crime, um pouco mais hediondo: a jovem Daisy Armstrong, filha de um influente casal norte-americano, foi sequestrada e morta.

No livro, este caso só é utilizado como pano de fundo para o desenrolar de toda a trama no trem. A equipe da Microids obteve a chancela da Agatha Christie Ltd. para explorar melhor este acontecimento, e assim nasceu a personagem Joanna Locke, a detetive encarregada de cuidar deste caso na época. 

Ela interage com Poirot durante a história principal e também protagoniza uma sequência extra, após o final, que dá mais detalhes sobre o brutal crime cometido contra Daisy Armstrong. Para quem leu o livro, é uma ótima maneira de se aprofundar no universo e entender mais do quanto esse acontecimento mexeu com todos os envolvidos. Para quem não leu, ainda é uma excelente maneira de continuar resolvendo mistérios, mas no papel de outra personagem. 

Mudança de perspectiva

Para quem jogou os demais jogos protagonizados pelo detetive Hercule Poirot, não há surpresas na jogabilidade, pois tudo se resume a concluir cada capítulo resolvendo puzzles e confrontando suspeitos. O uso das células cinzentas está de volta para nos ajudar a criar um mapa mental dos acontecimentos e estabelecer uma linha de raciocínio antes de sair por aí acusando todo mundo.

Porém, vale citar que em Murder on the Orient Express, ordenar fatos e recriar cenas está bem mais fácil, pois há mais de uma maneira de fazermos isso. Podemos organizar uma sequência de cenas com base em depoimentos, deduzir as características de cada personagem enquanto olhamos para ele e escutamos sua voz, entre outros, de maneira clara pois cada enigma tem o seu funcionamento, o que facilita bastante na hora de organizar as ideias.

A tradução e localização dos textos para português é muito bem-vinda, pois temos que memorizar diversos trechos de cada conversa para estabelecer teorias e confrontos. O problema é que não há acesso às falas das conversas, para quem gosta de recapitular tudo com mais atenção. Logo, há situações que detalhes podem passar despercebidos, e isso nos leva a recorrer às dicas ou ficar na tentativa e erro até confirmar uma hipótese.

Algo que pode incomodar algumas pessoas mais ávidas para solucionar o caso são alguns puzzles que encontramos que claramente estão ali para “encher linguiça”. São interações menores com personagens secundários, como organizar espaço de uma geladeira, adivinhar uma receita de bolo e pesar frascos de essências, que não fazem diferença alguma no andamento da narrativa.

A maior mudança que Murder on the Orient Express trouxe foi a câmera, e isso foi benéfico em diversos sentidos. A visão isométrica e exploração rotativa de quartos foi abandonada, e substituída por uma perspectiva em terceira pessoa e liberdade para andar pelos cômodos do trem. Isso influencia fortemente na imersão com a história, pois podemos circular livremente pelos espaços disponíveis, além de possibilitar a procura de colecionáveis, aqui em forma de bigodes dourados.

Esse novo campo de visão também é amparado pelos gráficos realistas, tanto dos modelos dos personagens, quanto das acomodações e cenários. O único exagero está em alguns closes estranhos ao virarmos repentinamente em algum cômodo mais estreito, ou expressões um pouco forçadas, como sorrisos extremamente largos.

Se houve mudanças para melhor, também teve coisas que foram mantidas e continuam excelentes, como o trabalho de dublagem. Os diálogos tensos e indagações de Poirot conseguem passar muito bem o clima da situação, sem tornar algo monótono ou sem vida.

Por fim, um último adendo mirando os fãs do livro e da escritora. Nas poucas telas de loading que o jogo traz, foram adicionadas curiosidades sobre Agatha Christie, Hercule Poirot e até sobre outras obras.

Mais um caso resolvido com sucesso

Agatha Christie - Murder on the Orient Express trouxe um clássico dos romances policiais com grande competência, agradando a quem leu o livro ou quem gosta de jogos de investigação e puzzle. O que fez falta, pelo menos para mim, foi um clima maior de suspense, já que a trama toda se desenrola de maneira bem direta, mas não é nada que tire o brilho do trabalho bem feito pela Microids.

Prós

  • A perspectiva em terceira pessoa combinou perfeitamente com o ritmo de jogo;
  • A história do livro foi fielmente respeitada, fora algumas liberdades modernas menores;
  • Ficou mais fácil realizar confrontos e estabelecer a linha do tempo com as células cinzentas, pois cada tipo de resolução tem seu tipo de puzzle;
  • Excelente conteúdo pós-jogo para explorar o caso Armstrong;
  • Bom trabalho de dublagem.

Contras

  • Faz falta poder reler o conteúdo das conversas para memorizar frases importantes;
  • Alguns dos quebra-cabeças menores são desinteressantes;
  • Em certos momentos, há closes estranhos e expressões exageradas dos personagens.
Agatha Christie - Assassinato no Expresso Oriente — PC/PS4/PS5/Switch/XBO/XBX/ — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Microids


é amante de joguinhos de luta, corrida, plataforma e "navinha". Também não resiste se pintar um indie de gosto duvidoso ou proposta estranha. Pode ser encontrado falando groselhas no seu twitter @carlos_duskman
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