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Análise: Trine 5: A Clockwork Conspiracy (Multi) não ousa, mas faz o melhor jogo da série

Mais encantador, mais livre, mais interessante, mesma essência.


A série Trine já é antiga, com 14 anos desde sua estreia, cinco títulos e um spin-off no histórico, além de um retorno triunfal após a queda. O primeiro jogo nos pegou de surpresa com seus feitiços de beleza e gameplay cooperativo, enquanto o segundo repetiu o feito com mais refinamento. O terceiro desapontou e levou a crer que a criação da finlandesa Frozenbyte não conseguiria se reerguer, mas o quarto deu um passo atrás para ir mais alto que todos os outros.

Trine 5: A Clockwork Conspiracy parece querer repetir a dinâmica da dupla de jogos iniciais. Se Trine 4 foi como uma nova chance, um recomeço simbólico, esta mais recente entrada se viu em um lugar de conforto com a tarefa de apenas deixar tudo mais encantador. Não me leve a mal, esse objetivo foi alcançado com muito sucesso; o que eu questiono é a pouca ousadia do objetivo em si.

É até compreensível, considerando que foi a mudança ambiciosa de Trine 3: The Artifacts of Power que o fez fracassar como um jogo assumidamente incompleto. Talvez isso justifique Trine 4, mas já passaram quatro anos desde seu lançamento e a sequência cai na ambivalência de ser ao mesmo tempo a melhor obra da série e um jogo cômodo, ainda que mais opulento. Colou dessa vez, mas na próxima talvez a fórmula mostre a idade.

Retomarei o assunto adiante, mas antes vamos conferir a fórmula para quem não a conhece.



Tradições seguidas de perto

Trine é uma série de plataforma 2D com puzzles que requerem empregar as diferentes habilidades de três heróis para ser solucionados. A inspiração do conceito vem da dupla de jogos The Lost Vikings, criada pela Blizzard em 1993 e relançada em plataformas atuais há pouco tempo. Além da óbvia capacidade tecnológica, a principal diferença para o primo mais novo está na liberdade de o trio ser controlado por um, dois ou três jogadores.

Essa abertura aumentou com os jogos posteriores e Trine 5 também avança nisso. Mais uma vez vemos o Modo Clássico, no qual a coerência narrativa impõe a individualidade de cada elemento da equipe formado pela ladra Zoya, o mago Amadeus e o cavaleiro Pontius; em outras palavras, só um deles atua por vez, com uma vida única. Em paralelo, retorna o Modo Ilimitado, que permite até quatro jogadores comandando os personagens livremente, sem restrições. Pode haver quatro Zoyas em ação simultânea, por exemplo.




O grupo carrega um número compartilhado de vidas e, quando elas acabam, resta apenas a de cada indivíduo. Mesmo assim, os que morrerem retornam infinitas vezes como fantasmas, o que os impede de coletar os pontos de experiência encontrados pelas fases. Apenas quando o último perder sua vida é que o jogo nos leva de volta ao último dos checkpoints, que, a propósito, são numerosos e convenientes. Essencialmente, ninguém ficará de fora da jogatina ao morrer, esperando o próximo ponto de retorno.

Os pontos de experiência serem para comprar habilidades novas, todas opcionais para a solução dos puzzles, mas que podem ajudar em vários aspectos, principalmente no combate. A tabela de habilidades, no entanto, sequer merece ser chamada de árvore, sendo bem simples e sem ramificações. Pelo bem da liberdade, porém, nenhuma aquisição é definitiva e os pontos podem ser realocados como bem quisermos, nos incentivando a testar o que pudermos.

Se tem um ponto que nunca foi o forte de Trine, é o combate, e após anos de evolução, isso não deixou de ser verdade. Mesmo com variadas possibilidades para atacar, o design das lutas não está voltado a escolhas estratégicas. É tudo bem simples: basta disparar o máximo de golpes possível enquanto toma cuidado para não morrer. Ao menos os chefes têm mais nuances para diferenciá-los de oponentes normais, mas também são mais legais de ver que empolgantes de enfrentar.



Mágica para os olhos

A quinta iteração de Trine é a mais bonita de todas. Se somarmos a marca registrada de deleite para os olhos e o avanço técnico, esse seria o mínimo que poderíamos esperar. No começo, a arte me pareceu semelhante demais a Trine 4 e senti um excesso de cores luminosas e difusas cuja mistura prejudicava a coesão da atmosfera, como naquelas ilustrações bregas que acham que a fantasia precisa emanar uma paleta de tudo ao mesmo tempo. O avançar das fases me fez mudar de ideia e me render ao feitiço visual, apreciando as luzes, cores e formas.

Foi bom, para variar um pouco, ter uma sequência de fases em solo urbano, inclusive com cidadãos figurantes para dar um pouco mais de vida ao local e torná-lo mais crível. Essas pessoas contribuem para a trama com curtos diálogos entre si que revelam o que a opinião pública anda pensando sobre os Heróis de Trine; adianto que não é nada favorável ao trio.



Três contra dois (e um exército de autômatos)

A adorável Lady Sunny, com seu sorriso de serpente, é a vilã da vez. Na busca por poder, ela tem dois obstáculos para tirar do caminho antes de dominar o reino: a Academia Astral e os Heróis de Trine.

Para resolver ambos os problemas, ela arma uma arapuca para acusá-los de ter roubado da Academia o poder do artefato senciente conhecido como Trine, ao mesmo tempo que usa o novo exército policial de Soldados Mecanizados de seu comparsa Lorde Goderic em ataques que cairão na conta do trio de protagonistas, agora perseguidos por todos. É a tal conspiração apontada pelo nome do jogo.


Como costuma acontecer, a população do reino acreditou no discurso focado em apontar inimigos da segurança pública e está mais que disposta a ceder o poder aos dominadores comprometidos em punir os supostos traidores.

O melhor dessa história é que ela retoma o foco do primeiro jogo, quando os três heróis improváveis se encontraram por acaso na Academia Astral e foram escolhidos pelo Trine para receber seus poderes e salvar o reino. As entradas seguintes foram contos isolados (ou incompletos, no caso de Trine 3) em que o artefato leva o grupo para aventuras em locais distantes e impessoais. No entanto, isso não significa que o enredo do novo título tome rumos surpreendentes ou aprofunde os personagens.

O início é mais do mesmo, para não dizer idêntico ao predecessor: o cavaleiro Amadeus estava envolvido com seu senso de dever, o mago Amadeus estava com problemas na vida pessoal e a ladra Zoya mantinha-se engajada em caçar tesouros em locais indevidos. Depois que a coisa vai pelos ares, a posição dos heróis é posta à prova e há consequências diretas que impactarão as vidas deles. Assim, considero uma boa decisão voltar a colocar o trio no centro em vez de mantê-los como salvadores de dramas alheios.



Velhos conhecidos formam uma boa equipe

As mecânicas centrais dos protagonistas ainda são as mesmas: Zoya tem corda e flechas, Pontius usa espada e escudo e Amadeus faz plataformas mágicas. É claro que há muitos pequenos detalhes que modificam a forma como usamos essas ferramentas, mas não há como evitar a sensação de familiaridade — que pode ser boa ou ruim.

O que faz a diferença é o design de níveis e seus puzzles. Nisso, tiro o chapéu de mago para o estúdio Frozenbyte. Não é fácil criar níveis com quebra-cabeças dinâmicos que se alterem e adequem tanto a um jogador quanto para quatro em cooperação, vencendo o risco de criar dificuldade para o solitário ou trivializar os enigmas em grupo. A filosofia que permite que a gameplay se adapte ao número de pessoas é a pluralidade de soluções a partir das diferentes habilidades de Amadeus, Zoya e Pontius.




É como se a campanha entregasse uma caixa de ferramentas diversificadas que tornam os três personagens necessários. Usar essas ferramentas nos faz alternar entre momentos de orgulho da nossa inteligência e de incredulidade por não termos percebido uma resposta antes.

Os puzzles me deram três tipos de sensações: a de que o jogo determinou uma solução específica; a de que a iniciativa para inventar uma saída é toda do jogador; e a de que o game transmite ilusão de autonomia para que eu não perceba que fiz exatamente o que ele esperava de mim.

No fim das contas, fiquei muito satisfeito com a dinâmica de experimentação e descoberta das mecânicas, mas o multijogador pode ficar conturbado com mais personagens na tela, atrapalhando uns aos outros sem perceber, seja pela física ou pela falta de comunicação. Esse tipo de caos pode ser divertido em jogos arcade, mas não em casos como Trine 5, em que nos deparamos com puzzles que exigem trabalho preciso em equipe.



Às vezes, eu queria que as fases não fossem tão longas, pois cheguei a me sentir cansado, o que certamente é influenciado pelo efeito colateral da familiaridade. Claro que a já mencionada grande quantidade de checkpoints nos permite parar a sessão de jogo sempre que dá vontade, sem perder progresso.

O problema é quando o prolongamento parece desnecessário, tornando-se um empecilho ao progresso da campanha. Às vezes eu apenas pensava “está bem, já tive o suficiente desta caverna”. O problema real será quando eu pensar “está bem, já tive o suficiente de Trine”.




Um belo relógio cujo tic tac começa a mostrar a idade

Foi um alívio ver Trine 4 voltar ao modelo original e oferecer um bom e velho “mais do mesmo” que consertou os erros da tentativa de mudança que veio antes, mas o quinto título da série não tem como carregar plenamente a boa sensação de retomada à forma. Esse é o ponto em que esperamos algo mais, novos passos em novas direções, ainda que andando com as mesmas pernas. E não foi bem isso que tivemos.

Como esse ainda é um bom jogo com direito a diversão, desafios de puzzle e momentos de grandeza, ficamos distraídos e encantados pelos visuais e as músicas, mas quem já teve suas doses da série pode não deixar de notar que a ambiguidade entre zona de conforto e mesmice trilha uma linha tênue que já foi alcançada e precisa de alguma renovação.

Trine 5: A Clockwork Conspiracy segue a fórmula e agrada, mas não decide dar um passo à frente em sua estrutura, nem no combate raso. Mesmo assim, a tríade formada pelos belos cenários, o design de plataforma com puzzles e o modo cooperativo continua sendo seu maior atrativo, garantindo a diversão para veteranos e novatos na saga dos heróis que trabalham em equipe.



Prós

  • Como esperado da série, os cenários continuam belíssimos e chegam a superar o título anterior;
  • O design de puzzles é eficiente em se adaptar à quantidade de jogadores na ação;
  • O Modo Ilimitado do cooperativo dá bastante liberdade para os jogadores escolherem personagens e estratégias;
  • A história coloca os Heróis de Trine no centro da trama;
  • Legendado em português brasileiro.

Contras

  • O combate continua simplista e desinteressante, parecendo uma presença supérflua;
  • O multijogador pode ser um pouco caótico, atrapalhando a compreensão do que está acontecendo e a precisão das mecânicas baseadas em física;
  • Ao jogar seguro, arrisca-se a transmitir uma mesmice de gameplay e tom que diminuem a experiência pela falta de surpresas.
Trine 5: A Clockwork Conspiracy - PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela THQ Nordic

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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