Street Fighter II’ (Master System): pancadaria rolando solta em 8-bits com um tempero bem brasileiro

Conheça a versão do famoso jogo de luta da Capcom desenvolvido pela Tec Toy para o mais tupiniquim dos consoles da terceira geração.

em 05/08/2023
Em fevereiro de 1991 surgia nos arcades japoneses aquele que seria considerado um dos mais influentes jogos de luta de todos os tempos: Street Fighter II. Por conta de atributos como sua jogabilidade acurada, seu multiplayer competitivo, personagens e golpes marcantes, o game fez muito sucesso à época e acabou sendo portado para diversos consoles, tornando-se a base para o desenvolvimento de uma franquia multibilionária e aclamada, vide a repercussão altamente positiva de Street Fighter 6 (Multi).


A partir de 1992, diversas versões do título foram lançadas nas mais diferentes plataformas de videogame doméstico de 16-bits em diante, fazendo a alegria dos donos de Super Nintendo e Mega Drive mundo afora. Particularmente no Brasil, em 1997, foram os felizes proprietários de um console mais antigo, ainda da terceira geração, que puderam soltar seus hadoukens e shoryukens pela primeira vez. Sim, o honorável Master System recebeu, pelas mãos da Tec Toy, sua própria iteração de Street Fighter II’.

Um grande torneio com grandes desafios

Nessa versão do famoso jogo de luta, oito lutadores participarão do torneio mundial Street Fighter e somente aquele que demonstrar sua força, aptidão e coragem vencendo todos os outros será coroado o Grande Mestre.

Para conquistar tal façanha, podemos escolher um dentre os combatentes disponíveis e, fazendo uso de seus golpes e habilidades exclusivas, derrotar em sequência os oponentes no torneio. Serão sete disputas cara a cara, e aquele que reduzir mais o nível de energia do seu oponente ao final de dois rounds será declarado vencedor da peleja.

Caso saiamos derrotados de uma partida, o jogo disponibiliza Continues para que possamos tentar novamente vencer o oponente, podendo escolher outro personagem ou o mesmo para tentar avançar de fase no torneio.

É permitido também, antes de se iniciar a competição, que possamos ajustar a dificuldade do oponente controlado pelo Master System e se haverá ou não limite de tempo nas lutas.

Como todo bom Street Fighter da época, é possível também disputar incríveis batalhas contra oponentes reais, bastando o colega plugar seu joystick na porta 2 do Master System e, pressionando os botões do mesmo, selecionar um personagem e começar a sessão de pancadaria entre amigos.

Caso haja empate ao término do round nas partidas, o game concederá um round adicional para que um dos jogadores consiga vencer a batalha.

Um milagre na tela

Street Fighter II' para Master System conseguiu trazer ao console muito do que estava presente nas versões de 16-bits, como a de Mega Drive: cenários customizados, lutadores com sprites grandes na tela e a presença de golpes especiais.

Para comportar tanto conteúdo, foram utilizados cartuchos com 8 Megabits de capacidade de armazenamento; para fins de comparação, isso é cerca de oito vezes o espaço disponível em um cartucho de Alex Kidd in Miracle World, para o mesmo console.

A inspiração para a composição do conteúdo presente veio das versões de SF2 para Mega Drive, mais especificamente a Special Champion Edition e Super Street Fighter II: The New Challengers.

Mesmo com todo o esforço da equipe de desenvolvimento, em comparação com as versões de Mega Drive, muito material precisou ser cortado para que SF2 conseguisse funcionar plenamente no Master System: cenários e artes tiveram detalhes suprimidos, a fim de atender ao limite de cores do aparelho; trilhas sonoras foram severamente simplificadas devido às limitações de áudio do console; somente as falas do narrador foram inseridas; e apenas oito dos doze lutadores disponíveis em Special Champion Edition foram disponibilizados.

A jogabilidade não é a melhor dentre as versões de Street Fighter II, sobretudo em comparação com as disponíveis no Mega Drive e no Super Nintendo. São observados, por exemplo, alguns problemas de detecção de colisões e golpes difíceis de se acertar ou de se defender.

Apesar das limitações, trata-se de um feito técnico extraordinário realizado pela equipe brasileira, não apenas pelas questões envolvendo a tecnologia, mas também pela pouca tradição do país em desenvolvimento de jogos eletrônicos à época.

Dois botões de ação e muitas confusões

Quando Street Fighter II': Special Champion Edition foi lançado para Mega Drive em 1993, foi desenvolvido um novo controle para o console contendo seis botões de ação, a fim de facilitar o manejo dos personagens e de seus golpes. Dessa forma, o número de botões de ação no controle do Mega Drive se igualou ao de seu principal rival, o Super Nintendo.

A configuração com seis botões logo se tornou o novo padrão de fato, fazendo com que a versão anterior, de certa forma, fosse considerada obsoleta. Porém, o que pôde ser resolvido desta maneira para o console de 16-bits da SEGA não poderia ser feito para seu irmão mais velho, que ainda apresentava um agravante: no joystick do Master System não havia três botões de ação, como o primeiro padrão de controle do Mega Drive, somente dois!

Dessa forma, a Tec Toy teve de “se virar nos 30” para adaptar um jogo que exigia tantos botões para tão pouca disponibilidade. A saída encontrada pela empresa foi a implementação apenas dos golpes principais dos personagens presentes e o mapeamento de golpes especiais utilizando a junção de comandos no direcional do controle com um dos botões de ação, assim como foi feito nas outras versões do game para golpes como o hadouken.

No manual de instruções, são descritos todos os golpes possíveis para cada lutador e seus pontos fortes e fracos, visando facilitar ao jogador a escolha do personagem e a descoberta e utilização dos golpes e poderes nas batalhas.

Surpresas e aprovação

O desenvolvimento de Street Fighter II' foi realizado integralmente pela equipe interna de desenvolvimento da Tec Toy. Inicialmente foram feitas as extrações de artes gráficas e mídia das versões de SF2 para Mega Drive, além de uma adaptação das mesmas às limitações de hardware do Master System e a posterior codificação pela equipe de engenharia de software.

De acordo com Heriberto Martinez, gerente de engenharia da Tec Toy à época, foram gastos de 1 a 2 meses na extração e adaptação das artes da versão de Mega Drive e entre 4 e 5 meses na codificação.

Apesar de ter lançado seu SF2 apenas em 1997, a Tec Toy já havia apresentado anteriormente à SEGA o desejo de desenvolver esse game para o Master System, sobretudo pelo fato de ser o console líder de mercado no Brasil até então, mas a gigante nipônica barrou a iniciativa, alegando ser algo “impossível de ser feito”.

Mesmo após a negativa, a empresa brasileira decidiu seguir em frente com o desenvolvimento e conseguiu a autorização oficial de produção de uma forma muito interessante e inesperada.

Os executivos da Tec Toy decidiram entrar em contato com a Capcom, desenvolvedora original do game, e agendaram uma reunião para mostrar o desenvolvimento dos trabalhos feitos até então, sem informar explicitamente sobre o projeto em si e para qual console seria feito.

De acordo com Stefano Arnhold, presidente da Tec Toy à época, durante a reunião com o produtor da Capcom, foi entregue a ele um controle de Mega Drive para testar o jogo, sem expor o console. Como os comandos de Mega Drive também funcionam no Master System, a princípio o produtor considerou o trabalho bem fraco para os padrões do console de 16-bits da SEGA.

Ao final da reunião, foi revelado ao produtor que, na verdade, era o console de 8-bits que estava rodando o jogo. Ele ficou impressionado com a capacidade do Master System de apresentar elementos gráficos grandes e detalhados na tela e, por fim, deu sinal verde para que a Tec Toy desenvolvesse e publicasse o Street Fighter II' brazuca. Dessa forma, o que era “impossível” para a Sega se tornou bem possível (e real) aos olhos da Capcom.

Lutando pelo desenvolvimento

A versão de Street Fighter II’ para Master System foi a única chancelada oficialmente pela Capcom para um console de mesa de 8-bits. Por ter sido lançada apenas no Brasil, tornou-se um produto raro, cobiçado até os dias atuais por colecionadores de games do mundo todo.

Apesar da necessidade de alterar ou remover conteúdos apresentados em outras versões do game para fazê-lo funcionar no Master System, nota-se que todo o núcleo e conceito originais estão presentes e foram implementados com esmero pelo time da Tec Toy.

Com o êxito nessa empreitada, posteriormente a empresa continuaria elaborando novos títulos internamente para Master System e Mega Drive sem se limitar apenas a adaptar o enredo e fazer poucas alterações em produtos existentes, como fazia até o início da década de 1990 com obras como Chapolim x Drácula.

A produção de novos jogos para os consoles da Sega pela Tec Toy duraria até 2002, com o lançamento de “Show do Milhão Vol. 2” (Mega Drive), o último licenciado pela empresa do Sonic para seu console de 16-bits no mundo.

Por fim, Street Fighter II’ tornou-se um marco na história do desenvolvimento nacional de games, em uma época na qual o Brasil começava a mostrar ao mundo seu potencial não apenas enquanto mercado consumidor de jogos, mas também como produtor de inesperadas obras como essa.

Revisão: Davi Sousa
Referências: Blog Tectoy [1] e [2], Sega Retro

Entendo videogames como sendo uma expressão de arte e lazer e, também, como uma impactante ferramenta de educação. No momento, doutorando em Sistemas da Informação pela EACH-USP, desenvolvendo jogos e sistemas desde 2020. Se quiser bater um papo comigo, nas redes sociais procure por @RodrigoGPontes.
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