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Análise: Loop8: Summer of Gods (Multi) transforma o poder da amizade em força concreta

Novo RPG da Marvelous brinca com o conceito de simulação social para apresentar uma experiência ousada mas pouco polida.

Desenvolvido pela Marvelous, Loop8: Summer of Gods é um curioso RPG que decide transformar em mecânicas o contexto escolar e de “poder da amizade” típico de obras de animação infanto-juvenil. Como um grande simulador social com um sistema de loop, a obra tem um conceito bem diferenciado, mas que merecia mais polimento.

Bem-vindo a Ashihara

Loop8 conta a história de Nini, um jovem que vivia na estação espacial Hope e viaja para a cidadezinha rural de Ashihara no Japão para passar o verão. Porém, em vez de poder apenas descansar e aproveitar umas férias, o rapaz terá que enfrentar o surgimento de criaturas sobrenaturais chamadas Kegai, que causam grandes calamidades em todo o mundo.

A ambientação é um ponto forte de Loop8, que brinca em especial com mitologia japonesa. Os Kegai são baseados em deuses “mortos” que se infiltram em Ashihara, tomando um dos moradores como seu hospedeiro. Para impedir que os Kegai destruam a região, será necessário se infiltrar no mundo dos mortos, Yomotsu Hirasaka, para derrotá-los em combate.

Porém, em vez de experiência e níveis de força como tradicionalmente implementado em RPGs, o que temos no jogo é um sistema totalmente baseado na simulação de cotidiano. Cabe ao jogador explorar Ashihara, conversando com os moradores, fazendo amizades (e inimizades), treinando as suas habilidades como inteligência e agilidade, e orando aos deuses para obter bênçãos.

Outro elemento importante do jogo é o fato de que a história se dá dentro de um loop temporal em agosto. Caso o jogador não consiga derrotar os Kegai dentro dos prazos limitados, a história é reiniciada. A ordem dos chefes do jogo pode mudar toda vez que a história recomeça e o jogador volta à estaca zero de seus atributos e conexões com os outros personagens, mantendo as bênçãos como aumentos permanentes nessas estatísticas e tendo uma tendência a reconquistar amizades e atributos muito mais rapidamente.

O poder da amizade e do ódio

De certa forma, a ideia do jogo transforma o tradicional “poder da amizade”, muito comum em animações japonesas para o público infanto-juvenil, em uma mecânica. Sem níveis, a sua força vem do treinamento e das boas interações feitas com os aliados. São ao todo três métricas de relacionamento - amizade, afeição e ódio -, sendo o máximo de cada uma 1000 pontos.

Ao interagir com um personagem, é possível realizar várias atividades chamadas de sugestões, que vão desde “Conhecer melhor” a ir em encontros, estudar junto ou convidar para caminhar com você. Os personagens possuem seu próprio ritmo de vida, se espalhando pelas seis áreas do jogo, que incluem a sua casa, o centro da cidade, um grande templo no meio da montanha, a escola, a praia e alguns caminhos entre esses pontos de Ashihara.

O resultado das interações pode refletir em aumentos ou diminuições dos três valores de relacionamento. Vale destacar que nem sempre uma ação será bem sucedida, o que depende de fatores como o humor do personagem e o quão próximo ele é do jogador. Embora não apresente a porcentagem diretamente, o jogo oferece falas específicas como “Chance pequena” ou “Eu tenho certeza que vai funcionar” para deixar isso claro.

Curiosamente, o valor das interações é um pouco desequilibrado, já que algumas opções podem ser executadas em apenas um minuto e outras custam horas, sendo que em termos de melhoria de relacionamento elas muitas vezes são piores (mas trazem benefícios em atributos específicos). Os personagens também podem “puxar conversa” de vez em quando, levando a uma interação com menos benefícios, cujo gasto de tempo é variável e que às vezes afetam a vida de Nini positivamente ou negativamente.

Quanto mais o jogador interage com um personagem no mesmo dia, menores as chances da próxima sugestão ter um bom efeito. Vale destacar que uma vez que o jogador aperta o botão para fazer o diálogo, mesmo a opção de “não falar nada” leva a um efeito negativo no relacionamento, então pode ser melhor evitar os personagens em alguns momentos.

Infelizmente, embora o fator aleatório seja utilizado para dar um pouco de variedade ao jogo, alguns elementos acabam parecendo “escolhas sem sentido”. Por exemplo, o humor dos personagens muda de forma muito inconsistente e o seu posicionamento no mapa nem sempre parece seguir alguma lógica razoável. Talvez seja apenas uma forma de indicar que os moradores locais gostam muito de andar no meio do nada porque não tem muito o que se fazer em Ashihara já que o centro da cidade é composto por várias lojas com as quais não dá para interagir sem estar em um encontro com alguém.

Ainda em termos dos relacionamentos, uma coisa muito estranha do jogo é que não é possível negar o namoro com as personagens femininas que chegam a um certo nível de afeição. Essa chega a ser uma falha grave do jogo já que o fortalecimento dos relacionamentos com todos os personagens é uma etapa necessária da experiência. Ou seja, um loop bem sucedido vai sempre envolver Nini ter várias namoradas sem discutir sobre a sua poligamia e podendo até mesmo levar elas para passear juntas. Uma delas inclusive é uma yandere e pode matar o protagonista em interações aleatórias caso tenha afeição máxima com Nini, levando a um game over bizarro que não reinicia o loop.

A luta contra os Kegais

Como os Kegais assumem o controle de um dos moradores locais, uma etapa essencial do jogo é encontrar o seu hospedeiro atual vasculhando as áreas disponíveis. Idealmente, é importante aumentar os seus pontos de relacionamento com todos os personagens antes disso, já que derrotar essas criaturas ou ter um aliado derrotado em batalha levam os personagens a realmente morrerem até o próximo loop.

Encontrar esse personagem leva a uma cutscene que abre o portal para o Yomotsu Hirasaka, que se mostra como uma versão invertida e escura de Ashihara. Do lado de lá do mundo dos mortos, o grande chefe da vez fica bloqueado por uma barreira que só pode ser quebrada com magatamas coletadas em pequenas provações que julgam os atributos dos personagens. Também há algumas criaturas sombrias espalhadas pelo mapa e interagir com elas pode liberar diálogos adicionais ou batalhas contra pequenos inimigos que servem como uma forma de conseguir bênçãos.

As batalhas funcionam em um esquema de turnos no qual o jogador controla apenas Nini e pode pedir para que ele use ataques diferentes, tente recuperar sua energia ou oferecer suporte aos aliados. Assim como no caso das sugestões, as opções disponíveis aumentam com a melhoria dos atributos dos personagens e seus relacionamentos.

Infelizmente, as batalhas contra os chefes, que são o cerne da experiência, acabam sendo desnecessariamente demoradas sem de fato oferecer grandes desafios estratégicos. Na prática, apesar do jogo ter sistemas como “escolha entre ataques de amizade, afeição ou ódio” para causar mais dano ou tentar reduzir a força do inimigo, o que temos é um formato engessado em que tendemos a repetir as exatas mesmas ações todos os turnos.

Curiosamente, essa tendência à repetição também é um forte problema da narrativa. Novos loops mudam a ordem dos chefes e podemos nos aproximar mais de personagens diferentes, mas não há muito material de história, então rapidamente chegamos ao ponto de fazer amizade com todo mundo e ver tudo novamente. Para piorar, o jogo tem um sistema de fast-forward lento e não há nem uma configuração da velocidade do texto. Como resultado, o tempo gasto vendo as mesmas cenas só faz rejogar ser tedioso. Também não há nenhum log para manter os textos registrados e rever os diálogos.

Uma aventura que poderia ser melhor lapidada

Loop8: Summer of Gods é um RPG bem diferente do usual do mercado. Apesar de ter algumas falhas e detalhes de polimento que enfraquecem consideravelmente a experiência, é um tipo de jogo que as pessoas mais entusiasmadas pelo gênero ou por simuladores bem focados em evolução de atributos podem aproveitar.

Prós

  • Conceito diferenciado de RPG que baseado em sistemas de simulação social;
  • Ambientação curiosa que combina slice-of-life com elementos de mitologia japonesa e ficção científica.

Contras

  • Estrutura de loop deixa a narrativa muito repetitiva;
  • Batalhas desnecessariamente demoradas sem de fato oferecer grande desafio e/ou maleabilidade ao jogador;
  • Alguns elementos como o humor dos personagens seguem um funcionamento muito aleatório;
  • Impossibilidade de negar o namoro com as personagens força o jogador à situação de poligamia não-consensual;
  • Ausência de log, ajuste de velocidade do texto e um skip funcional.

Loop8: Summer of Gods —PC/PS4/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC

Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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