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Análise: Darkest Dungeon II (PC) é estresse e imprevisibilidade em uma assombrosa jornada pela loucura

A continuação do tenso roguelike aposta em alterações profundas, resultando em uma aventura impressionante e mais focada.


Em Darkest Dungeon II, heróis precisam viajar por um mundo tomado pelo desespero. A jornada é um misto de RPG e roguelike repleto de tensão: além de ter que enfrentar perigos implacáveis, os guerreiros precisam cuidar da própria sanidade para não enlouquecer de vez. Com foco em combates estratégicos difíceis e situações estressantes, o jogo nos enfeitiça com sua atmosfera angustiante e excelentes mecânicas. Às vezes os terrores do caminho são injustos e frustrantes, mas isso faz parte da experiência.
 
O segundo título da franquia é bem diferente do anterior. O primeiro se concentrava em explorar calabouços e administrar recursos, já a sequência oferece partidas roguelike tradicionais. O novo formato é mais enxuto e diminui consideravelmente a necessidade extrema de grind do antecessor. Porém, alguns podem não apreciar a estrutura mais direta do novo jogo. De qualquer maneira, os temas desoladores e a atmosfera soturna ainda são centrais. Darkest Dungeon II passou quase dois anos em acesso antecipado e nesse meio-tempo muitas de suas arestas foram polidas.

Viajando em uma carruagem por um universo desolado

Um evento desconhecido assolou o mundo, mudando-o profundamente: criaturas estranhas surgiram e a loucura se espalhou, dizimando a população. É um cenário desolador, mas a esperança é uma chama, que supostamente é capaz de dissipar as sombras e o caos. No entanto, para ter efeito, a tocha precisa ser levada até uma montanha distante, tarefa essa que se revela difícil por causa das inúmeras intempéries pelo caminho. Mesmo assim, indivíduos corajosos decidem encarar a jornada, por mais improvável que seja a chance de sucesso.


Em cada partida de Darkest Dungeon II, montamos um grupo de quatro heróis e embarcamos em uma viagem em direção à montanha. No controle de uma carruagem, avançamos por regiões que contam com eventos e combates. Um mapa dá ideia do que vem a seguir, o que nos permite decidir o caminho com alguma antecedência — pensar com cuidado é essencial, pois não é possível voltar ou desfazer escolhas. Uma estalagem espera no final de cada área e lá podemos comprar itens, fazer reparos na carruagem e recuperar as forças dos heróis.


Os inimigos são enfrentados em combates por turnos tradicionais. Em cada rodada, os participantes executam uma ação, como atacar, infligir estados negativos ou utilizar alguma habilidade de recuperação. O posicionamento é um ponto central dos embates: a posição do personagem afeta as técnicas disponíveis, e alguns golpes têm alcance limitado. Cada classe tem características distintas, então, para sobreviver, é importante montar um time balanceado.


Pelo caminho, fortalecemos nossa equipe de diferentes maneiras. Cada herói pode equipar até dois berloques com efeitos diversos e também um item para utilizar em combate. Além disso, ao alcançar a pousada da região, podemos melhorar as técnicas por meio de pontos de maestria ou consumir artefatos para ativar vantagens temporárias para a próxima área.

A jornada é implacável e a morte é constante. Ao sermos derrotados, precisamos recomeçar a viagem desde o início com um novo grupo de heróis. Os itens e melhorias são perdidos, mas há progressão: desbloqueamos recursos diversos com as Velas da Esperança coletadas na última tentativa. Por meio delas, podemos melhorar algumas características dos heróis, além de liberar novas classes e equipamentos. Com isso, aos poucos as possibilidades de jogo se expandem.



Perdendo o equilíbrio mental em face de tanto horror

A individualidade e o estado da mente são pontos centrais dos personagens de Darkest Dungeon II. No começo de cada partida, os heróis recebem traços de personalidade que alteram suas características. Um indivíduo masoquista, por exemplo, às vezes inflige dano em si e recusa ser curado. Um otimista sofre menos estresse mental e encoraja os aliados. Já alguém com ossos fracos pode ser movido com facilidade, o que pode ser um problema nos combates. Certos eventos mudam os traços de personalidade dos personagens, então precisamos adaptar nossa estratégia constantemente.

Em um mundo tomado por horrores, é difícil manter a sanidade. O jogo explora essa ideia por meio do sistema de estresse: a tensão mental dos heróis é alterada pelos acontecimentos da jornada e isso impacta seu desempenho. A estafa é aumentada por eventos negativos, como receber um golpe poderoso ou ser contrariado em uma escolha. Quando o estresse chega a níveis críticos, o personagem entra em colapso, resultando em grande perda de vida e algum efeito negativo — isso pode ser devastador em uma batalha importante.


Darkest Dungeon II torna esses sistemas ainda mais complexos com a inclusão das afinidades. Durante a jornada, os heróis do grupo constroem laços de amizade ou de antagonismo e, quando certos níveis são alcançados, relacionamentos podem surgir. Em um vínculo de respeito ou amor, certas habilidades em combate conferem efeitos positivos para os envolvidos. Já relações de rancor ou ódio trazem discórdia com um personagem interrompendo o outro ou até mesmo se atacando.

Há muita imprevisibilidade nessas mecânicas, afinal pode aparecer qualquer tipo de evento em uma partida, mas há opções que nos permitem influenciar diretamente os desenvolvimentos: certos itens são capazes de diminuir o estresse ou aumentar a afinidade entre personagens. Além disso, decisões feitas durante a jornada também alteram esses níveis, e uma prévia do resultado nos permite escolher com sabedoria o que fazer. O impacto do estresse e das afinidades é forte, o que nos incentiva a ficar atentos a esses detalhes.



Decisões complicadas por caminhos angustiantes

Desespero e tensão são alguns dos temas explorados em Darkest Dungeon II. Durante as partidas, senti isso e mais, em um misto constante de frustração, surpresa e alívio. O jogo conseguiu resgatar e traduzir a atmosfera do anterior na forma de um ótimo roguelike, por mais que haja várias imperfeições pelo caminho.

As jornadas são repletas de decisões difíceis, e momentos completamente positivos são raros. Além de termos que lidar com o estresse do grupo, precisamos administrar o pouco espaço disponível para itens, evitar rotas que danificam a carruagem, cuidar para que a chama não se apague e lidar com a aversão, uma força misteriosa que aumenta o desespero e fortalece os inimigos. Cada partida dura por volta de três horas e há cinco campanhas com diferentes objetivos e condições.


Entre os pontos de interesse, controlamos diretamente a carruagem. Parece uma decisão interessante para trazer imersão, mas logo ela se revela enfadonha: as estradas são completamente retas e com pouquíssimos elementos de interação. Depois de um tempo, eu passei a deixar a carroça avançar automaticamente, pois não faz muita diferença. Os caminhos são visualmente notáveis, mas acredito que eles poderiam ser mais curtos para maior agilidade.

Durante as partidas, atravessamos diferentes regiões, como um porto tomado por criaturas marinhas, uma selva fechada ou um abatedouro repleto de guerreiros suínos. Visualmente, cada área é rica e estonteante, mas mecanicamente elas são idênticas, inclusive os eventos. Por causa disso, há a sensação de estar explorando os mesmos lugares, mas com aparências diferentes. As situações também se repetem com frequência, mas ao menos as condições e recompensas mudam.


A jornada em si não é muito diferente de outros representantes do gênero; ou seja, muitos eventos pontuados por combates. A dificuldade é crescente e brutal, com a presença constante de situações negativas ou batalhas bem complicadas. No começo eu achei um pouco injusto, mas com o tempo percebi que a intenção é pesar com cuidado as opções — sigo por um caminho com mais recompensas que vai aumentar a força dos inimigos futuros ou é melhor arriscar uma rota mais simples cujos eventos não estão claros? O desafio, então, é saber balancear as escolhas, e é muito recompensador conseguir sobreviver.

Alternando entre o estresse e o júbilo nas batalhas

O combate domina a maior parte de Darkest Dungeon II e, felizmente, esse é o melhor aspecto do jogo. O sistema de batalha tem regras básicas bem simples, mas há inúmeras nuances e possibilidades, o que oferece grande diversidade tática. Particularmente, apreciei muito testar diferentes grupos em busca de sinergias e estratégias efetivas.

Para começar, temos à disposição 12 diferentes classes de heróis com funções distintas. O Soldado é um tanque focado em proteger aliados, a Médica da Peste inflige estados negativos nos inimigos e cura aliados, o Flagelante se fortalece ao machucar a si mesmo, o Bufão usa música para diminuir o estresse da equipe enquanto bagunça o grupo opositor, já a novata Fugitiva é especializada em queimar e cegar quem cruza o seu caminho. A combinação de diferentes configurações de grupos, habilidades variadas e versões alternativas dos personagens resulta em vastas possibilidades estratégicas.


Os embates em si usam vários conceitos para serem bem dinâmicos. O posicionamento é importante, já que as técnicas dependem da posição do personagem na arena, e muitas habilidades permitem puxar ou empurrar os participantes. Além disso, há incentivos para montar estratégias com ataques complementares: certos golpes marcam os oponentes, o que ativa efeitos adicionais para algumas habilidades. Ao contrário do jogo anterior, a interface é bem clara e intuitiva, permitindo fazer escolhas mais conscientes.

Dominar esses detalhes é essencial, pois a dificuldade de Darkest Dungeon II é brutal e crescente. Os inimigos são extremamente agressivos e, em certas situações, há pouco espaço para erros. Além disso, adaptação é importante, pois os combates são muito diferentes entre si, exigindo estratégias distintas, em especial nos chefes — às vezes parecem um pequeno puzzle de tão complexos. Esses elementos fazem com que cada encontro seja significativo e tenso, e sobreviver a eles é ainda mais recompensador.



Na aflição punitiva

A imprevisibilidade é uma constante por toda a jornada, e isso também se aplica aos combates. É um recurso interessante para reforçar a atmosfera de desolação, porém muitas vezes torna-se uma chateação: é frequente os inimigos fazerem uma sequência devastadora de ataques críticos enquanto nossos heróis erram golpes ou não conseguem se curar. Para piorar, isso pode gerar uma espiral negativa com aumento grande de estresse e personagens entrando em colapso sem podermos fazer nada a respeito.


O primeiro jogo já sofria com esse problema e, infelizmente, ele está de volta na sequência. Por causa disso, uma maré de azar repentina pode arruinar completamente uma partida promissora — dependendo do ponto do mapa, perder um único herói é praticamente garantia de derrota. Ficar muito atento e tentar evitar situações de risco ou que aumentem ainda mais a dificuldade ajuda, mas não deixa de ser irritante e frustrante ficar à mercê do acaso.

Por sorte, o título oferece opções para customizar a dificuldade. A Tocha Radiante pode ser equipada na carruagem, conferindo grandes vantagens, como mais vida para os heróis ou inimigos mais propensos a receberem estados negativos. O contrário também está disponível: uma chama negra torna o desafio ainda mais intenso. O interessante é que a labareda radiante deixa a aventura mais palatável, mas longe de trivial: mesmo com ela equipada, tive muita dificuldade e encontrei situações muito complicadas, porém foi um pouco mais tranquilo me recuperar de erros.



Enfeitiçado por um universo surreal e lúgubre

A peregrinação pelo mundo desolado de Darkest Dungeon II é ainda mais envolvente por causa de sua impressionante ambientação, que é fortemente inspirada no terror cósmico dos trabalhos de H.P. Lovecraft. Os ambientes são sombrios e estranhos, com a presença de criaturas grotescas, pessoas que claramente perderam a razão e cultos bizarros de outro mundo. A escolha pouco usual de protagonistas também chama a atenção, como a freira-guerreira, uma médica da peste ou um guerreiro leproso.

É interessante também ver que os heróis são humanos e voláteis, cuja sanidade é afetada fortemente diante de tantos horrores — sentimentos primitivos, como inveja, medo e paranoia, são constantes aqui. Uma adição notável é um evento que nos permite conhecer as origens dos personagens por meio de batalhas que funcionam como puzzles. Por meio dessas histórias, entendemos melhor as motivações e traumas dos heróis, e percebemos também que eles nem sempre têm intenções nobres.


O visual complementa essas sensações com uso de sombras e contraste para criar cenas impactantes. Os gráficos em cel shading usam traços fortes, trazendo a aparência de ilustração feita com nanquim aos personagens e cenários. Destaco a ação: heróis e inimigos executam seus ataques de forma estilosa, o que deixa os combates visualmente impressionantes e belos. A música acompanha o tom com composições soturnas, e o excelente narrador de voz grave torna a jornada ainda mais imersiva — é impressionante como ele consegue alternar entre irônico, sério e esperançoso com facilidade.

Explorar todo o conteúdo disponível no jogo pode levar 50 horas ou mais, afinal há muito para ver e desbloquear. Mesmo assim, a desenvolvedora promete novidades no futuro, como suporte completo a mods e possíveis pacotes de DLC.



Uma aventura aterrorizante e estonteante

Darkest Dungeon II nos conquista com sua tensa e macabra jornada. A sequência ousa ao mudar completamente de estilo, oferecendo uma estrutura roguelike mais focada e enxuta sem deixar de lado a atmosfera repleta de complicações. O combate é o ponto mais notável com suas inúmeras nuances e possibilidades interessantes, que resultam em embates táticos densos e complexos.

As partidas são repletas de decisões difíceis e os sistemas de estresse e de afinidades inserem ainda mais complicações à viagem. A dificuldade acentuada faz com que a sombra da derrota seja constante, mas superar as adversidades e fazer o melhor possível fazem parte da diversão. A ambientação sombria, que conta com visuais elaborados, música bem empregada e boa construção de mundo, deixa a experiência ainda mais rica.

A peregrinação não é livre de problemas. A imprevisibilidade e o azar tiram o controle do jogador, criando situações desagradáveis e irritantes. Além disso, faltou maior variedade de eventos e situações, em especial nas estradas. Por sorte, há muito conteúdo para explorar na forma de personagens, desafios e campanhas, o que ameniza a sensação de repetição.

Frustração, angústia e aflição aguardam aqueles que decidirem explorar os perigos de Darkest Dungeon II. A estrada é perigosa e desgastante, mas vale a pena atravessá-la.

Prós

  • Combate excepcional repleto de mecânicas e nuances que oferecem inúmeras possibilidades táticas;
  • Sistemas de estresse e afinidade trazem tensão e adicionam mais uma complicação interessante às partidas;
  • Vasta quantidade de conteúdo para explorar, com introdução constante de equipamentos e recursos;
  • Dificuldade brutal que recompensa avanço consciente, com opções para aumentar ou diminuir o desafio;
  • Ambientação impecável com visual bem construído e ótimo trabalho de som.

Contras

  • O elemento sorte é muito impactante, sendo capaz de arruinar completamente uma partida;
  • Variedade limitada de eventos deixa os biomas muito parecidos entre si;
  • Os momentos de dirigir a carruagem são desinteressantes.
Darkest Dungeon II — PC — Nota: 9.0
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Red Hook Studios

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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