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Análise: Curse of the Sea Rats (Multi) usa a diversão multiplayer para sustentar um metroidvania morno

Esse “ratoidvania” passa por algumas tempestades, mas consegue chegar vivo à terra firme.


No geral, Curse of the Sea Rats é um metroidvania mediano. Isso está a seu favor no sentido de que não é um jogo ruim, mas também quer dizer que não é especial, ficando apenas no potencial de algo “ok” que poderia ser melhor.

Na verdade, dois pontos concentram o que há de mais atraente no título: a temática de piratas e, principalmente, o co-op local, que só me recordo de ter visto em Guacamelee (Multi), Salt and Sanctuary (Multi) e suas respectivas sequências.

Ratos de diferentes lugares do mundo

Os quatro personagens disponíveis são diferentes entre si e fornecem boa variedade. Não se preocupe com a escolha inicial, uma vez que poderá alternar entre eles à vontade nos locais de salvamento. O que eles têm em comum é que todos foram presos pelos ingleses.

Os roedores jogáveis são a indígena Buffalo Calf, ágil arremessadora de facas, culpada de soltar os cavalos de um forte militar; o americano David Douglas, espadachim que lutou nas guerras de independência; Bussa, um africano pugilista que liderou uma rebelião contra a escravidão em Barbados; e Akane Yamakawa, uma japonesa espiã que usa uma lança.



Buffalo Calf e Bussa são baseados em pessoas históricas que lutaram contra o domínio inglês e também a vilã do jogo é baseada em alguém real, a capitã pirata Flora Burn. No caso desta, porém, a semelhança se resume ao nome e à profissão, se é que podemos chamar assim. No jogo, ela é conhecida como uma pirata bruxa devido aos seus poderes misteriosos, sendo a responsável por transformar em ratos todos os que estavam a bordo do navio que levava prisioneiros para a Inglaterra.

Na fuga, ela raptou Timothy, o filho do capitão, que pretende usar como moeda de troca por um artefato mágico central à história. É dessa situação que vem a proposta aos quatro prisioneiros: se salvarem a criança, as acusações contra eles serão retiradas.


A missão de resgate se passa na Irlanda, em uma região pontilhada de inspirações na mitologia celta, uma fonte que é usada aqui apenas como ambientação, sem aprofundar em seu potencial para histórias.

O roteiro é bastante direto e, desde o começo, o objetivo é perambular pela terra até encontrar o menino, sem reviravoltas ou um destino certo. Curse of the Sea Rats contorna essa simplicidade narrativa fazendo bom uso de seus personagens interessantes.



Além de conversar com vários NPCs diferentes, ao chegar a certos pontos de salvamento, são ativados momentos “enquanto isso...”, com cenas cômicas entre Flora Burn, o pequeno Timothy e a tripulação de bucaneiros de diferentes origens e personalidades, o que faz deles mais do que apenas chefões que serão encontrados por acaso.

Curse of the Sea Rats acerta no alvo com a apresentação dos personagens em grandes desenhos para ilustrar os diálogos, ótimas animações na gameplay e dubladores empolgados com suas vozes de piratas em uma porção de sotaques diferentes. O jogo é inteiramente dublado, algo raro em metroidvanias. Infelizmente, mesmo tendo várias opções de idiomas para os textos, o português não é uma delas.

O título conta ainda com muitas referências externas, que vão de O Poderoso Chefão, Senhor dos Anéis, Castlevania: Symphony of the Night e He-Man a Dan Brown e Mariah Carey. Nem sempre o humor dos easter eggs atinge o alvo, mas vale pela intenção.

Traga a tripulação para navegar

O maior diferencial certamente está em oferecer algo muito raro nos metroidvanias: multiplayer cooperativo. Até quatro jogadores podem controlar as ratazanas na mesma tela, o que, além da diversão, traz a vantagem de aumentar as chances de vitória.

Quando um dos ratos morre, retorna após dez segundos com ¼ dos pontos de saúde, gerando um ciclo de sobrevivência em que cada membro do grupo tem a capacidade de salvar os demais. Isso reforça o papel cooperativo e faz com que até os jogadores menos hábeis possam fazer a diferença para manter todos vivos por mais tempo.



Como disse, joguei com meus filhos de 8 e 4 anos e todos nos divertimos muito. Até o de quatro anos foi importante e, sendo o último vivo, deu o golpe final em dois chefões. Ou seja, tendo alguém mais experiente como guia, é um jogo acessível para pessoas de pouca habilidade.

No entanto, a experiência seguiu por altos e baixos. Começou um tanto morna, desapontando pelo início muito linear rumo à direita em um level design pouco inspirado. Depois, o local se abre muito mais, permitindo caminhos diferentes e até áreas opcionais, o que acrescentou profundidade à exploração.



Por fim, após a metade, fiquei incomodado pelo desequilíbrio da dificuldade, que tendeu a cair drasticamente devido ao nosso progresso em níveis e deixou a gameplay um tanto insossa, levando a batalhas contra chefes que parecem ter bom design de batalha, mas não ofereciam mais qualquer desafio.

Após finalizar o jogo, decidi recomeçar a experiência sozinho e tive grande dificuldade em chefes iniciais, o que me leva a crer que o balanceamento da dificuldade precisa de ajustes de acordo com o número de jogadores.



Mais ouro do que é capaz de carregar

Na análise recente de Vernal Edge, eu disse que é um jogo que soube focar em seus pontos fortes. Não é bem o caso de Curse of the Sea Rats, que se deixa atrapalhar por alguns problemas e por não largar mão de alguns sistemas que são supérfluos e até mesmo inúteis. A economia, por exemplo, é problemática em suas três fontes de ganho ao derrotar inimigos.

Primeiro, temos a energia espiritual, usada para melhorar os personagens nas árvores de habilidades, que são semi-lineares e sem grande profundidade. Até chegar aos novos ataques únicos, que realmente importam, você terá que passar por outras melhorias de efeito menos perceptível, com bônus numérico em atributos como defesa e ataque crítico. A energia espiritual é compartilhada entre os quatro ratos, mas o jogo é generoso e, perto do fim, só nos faltava completar a árvore de um deles.




O segundo recurso é o dinheiro, que logo se torna inútil, uma vez que só há uma loja que muda de lugar ao longo do jogo e os itens só podem ser comprados em baixas quantidades, como três elixires de cura. Acumulamos muito dinheiro sem propósito.

O terceiro recurso é apenas uma suposição minha, sendo uma recompensa invisível e automática dada a todos igualmente para subir de nível. A princípio, achei que a energia espiritual era a responsável por isso, mas, depois, percebi que passávamos de nível antes mesmo de recolher as recompensas deixadas por inimigos derrotados.



Portanto, se os recursos para subir de nível não são mostrados, tampouco são os requisitos; você nunca sabe quanto falta. Senti ainda que o sistema de subir de nível desequilibra a dificuldade, como eu disse antes, e minha percepção é de que a escolha por sistema de RPG não foi bem implementada e prejudica o jogo mais do que o beneficia.

Os itens também deixam a desejar, com poções de cura fracas e raras e até uma lista de “tesouros” sem utilidade prática a encontrar, o que, no fim, é uma ideia que não acrescenta à experiência como um todo e até compromete a sensação de recompensa por encontrá-los.

Buracos no navio

Por fim, alguns pontos técnicos me incomodaram. Sou tendencioso a não gostar da mistura dos gráficos 2.5D, mas aqui tenho motivos claros. Alguns cenários poligonais são mais simples que o desejável e outros até melhoram, mas todos sempre apresentam muito serrilhado, especialmente nas linhas pretas que circundam os objetivos em uma tentativa de cel shading que mostra suas falhas quando há movimento; isto é, sempre.



Esses cenários não se mesclam bem aos sprites cuidadosamente desenhados e animados de todos os personagens e inimigos que, também eles, têm problemas de bordas serradas. A resolução não é exatamente fraca, mas claramente podia ser melhor nessa época do 4K.

Acostumei com os gráficos, mas, no fim, tive um problema mais grave: ao finalizar o jogo, um bug me deixou preso no início da tela de créditos até fechar o aplicativo e abri-lo de novo, o que me leva de volta ao último chefão e me deixa preso nesse loop em que não posso retornar nem acabar o jogo de verdade. O resultado é que não consigo retornar ao mundo para visitar uma área opcional ainda não explorada e concluir as side quests restantes. Aguardarei por uma correção.



Um capitão não abandona seu navio

Curse of the Sea Rats nunca chega a ser, de fato, ruim. Mesmo faltando refinamento gráfico e mecânico, ainda podemos encontrar diversão e aventura em suas praias. Há alguns lugares interessantes na forma como compõem um mundo diversificado, mas nenhum deles é impressionante e a exploração não é sempre recompensadora.

O combate, que começa lento e desajeitado, melhora com as habilidades dos personagens, embora possa ficar fácil demais quando você estiver em níveis altos. Talvez isso seja bom para quem vai jogar sozinho, pois tive dificuldade em chefes quando tentei jogar assim. Então, ainda bem que o propósito do jogo é proporcionar diversão multiplayer numa Irlanda infestada de piratas amaldiçoados, pois nisso ele acerta bem.



Prós

  • Quatro personagens jogáveis para alternar sempre que der vontade;
  • Modo cooperativo para até quatro pessoas, incomum no gênero;
  • Belas artes de personagens desenhadas e animadas manualmente;
  • Dublagem em inglês caricata, com sotaques de várias regiões;
  • A temática pirata foge ao comum nos metroidvanias.

Contras

  • Cenários poligonais de baixo refinamento, apresentando muito serrilhado;
  • Estrutura de mundo simples e inconsistente, com design de níveis sem ideias próprias;
  • Sistema de evolução de personagens desequilibrado, deixando o jogo fácil demais;
  • Sistemas mal implementados, como o dinheiro e a loja, o menu de personagem e os itens consumíveis;
  • Sem localização para português.
Curse of the Sea Rats — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela PQube

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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