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Análise: Vengeful Guardian: Moonrider (Multi) traz combate à opressão em alta velocidade

Inspirado em clássicos do gênero, o jogo traz uma excelente experiência modernizada de ação e plataforma.



Vengeful Guardian: Moonrider (Multi) é um jogo que representa muito bem o cenário de desenvolvimento de jogos no Brasil. O jogo é um sidescroller 2D, focado em speedrunning, cuja história, jogabilidade e estética combinam elementos que à primeira vista não aparentam sinergia e presta uma bela homenagem aos jogos clássicos dos anos 1980 e 1990.
Várias desenvolvedoras brasileiras têm obtido sucesso no mercado de jogos retrô, uma delas justamente a desenvolvedora de Moonrider, a JoyMasher. Ativa desde 2012, a produtora já lançou três jogos: Oniken, uma mistura de Ninja Gaiden clássico com Hokuto no Ken (Fist of the North Star); Odallus: The Dark Call, mix de Castlevania com Busca Implacável; e Blazing Chrome, fusão de Contra/Metal Slug com O Exterminador do Futuro.

Particularmente, vejo esta como a marca registrada do estúdio: a combinação de obras marcantes que podem ser convertidas em conceitos sólidos de gameplay e ambientação. Vengeful Guardian, por sua vez, tem elementos de Megaman Zero, Super Sentais e do livro 1984. Apesar destes ingredientes parecerem uma quimera, a combinação funciona. 

1984 com samurais de aço

Começando pela história, esta pode ser resumida como um conto Orwelliano no qual os agentes do Partido são ciborgues multicoloridos, com poderes temáticos e armaduras de Super Sentais. O jogo se passa em um futuro distópico na nação de Penrai. O país passou por uma revolução, através da qual foi estabelecida a ditadura, aparentemente anticapitalista, liderada pelos ministros da Comissão. A população, devidamente chamada de proles, vive sem direitos básicos, forçada a trabalhar e recebendo quantidades fracionadas de suprimentos. 

Qualquer questionamento, ou objeção aos mandos da Comissão, é punido de maneira letal. Para garantir o controle da prole foram criados os Guardiões, armas biológicas humanoides, cada um deles com um superpoder diferente. O enredo do jogo começa quando o oitavo guardião, o Moonrider, é ativado, mas por algum motivo ele possui vontade própria e decide desobedecer à Comissão.
Cena do despertar do Moonrider
No começo, nosso protagonista é muito parecido com o androide de Projeto Zeta, ou Mewtwo, de Pokémon; ele não sabe por que foi criado, por que possui seus poderes, e não aceita o propósito que seus criadores tinham em mente quando criaram-no, de ser uma arma para imposição da sua vontade. 
Inicialmente, nosso herói não tem muita certeza do porquê estar agindo contra a Comissão, o que ele deseja obter com isso, mas conforme ele conhece mais das atrocidades cometidas em nome da revolução, ele decide que seu propósito é lutar contra a corrupção e abuso de poder da ditadura. Nas suas palavras: "Não vou parar até que todos os homens sejam igualmente livres”.

Os outros personagens são meramente funções. Os chefes são capangas, os ministros são o verdadeiro mal e os proles, quem precisa ser salvo. Nenhum realmente possui personalidade ou desenvolvimento, a maioria aparecendo apenas uma ou duas vezes.

É um conceito bem sólido para um jogo, mas a execução, infelizmente, nem tanto. A duração do jogo é pequena, com poucas cutscenes e todas bem curtas. O tema do enredo é muito importante e pode ser discutido de maneira relevante para toda sociedade em um videogame, mas quando há tão pouco diálogo e praticamente não há referências à história durante as fases, o resultado final é uma série de conversas extremamente superficiais.
Moonrider discutindo com a guardiã Darkchaser
Os comentários e demandas do herói são justos, mas muito vagos, não apresentam soluções, apenas apontam o quão maléficos são os vilões. O tema é tão profundo que para qualquer um que tenha um conhecimento acima do nível superficial a história pode soar clichê, ou até mesmo preguiçosa, utilizando um tema em voga como suporte para torná-la mais apelativa. 

A trilha sonora cyberpunk oriental

O design de som e o visual do jogo combinam novo e antigo, tradicional e futurista. Isto manifesta-se tanto pela temática de futuro distópico com super-heróis de seriados asiáticos, quanto por ser um jogo moderno que objetiva emular a experiência de um jogo clássico. 

Esta combinação é muito mais aparente nos aspectos sonoros do que nos visuais. Moonrider deve ser jogado em alta velocidade, sem paradas ou hesitações, e a música é um dos elementos que sinaliza isso. As faixas utilizam batidas bem rápidas, ao mesmo tempo que evocam uma atmosfera de tensão em suspense.
As canções utilizam instrumentos tradicionais japoneses, como koto e taikos, junto de mixes eletrônicos, feitos com sintetizadores. As melodias eletrônicas são parecidas com as canções de Cyberpunk 2077 (Multi), enfatizando a presença e as mudanças causadas pela tecnologia. Ao mesmo tempo, a percussão e as cordas tradicionais mostram o quanto o passado ainda é influente. O produto final é o acompanhamento sonoro perfeito para a ambientação de Vengeful Guardian.

Os efeitos sonoros parecem focar na ambientação retrô do jogo. Todos os sons, como o de ataque, corrida e dos inimigos são claros e facilmente distinguíveis, mas ao mesmo tempo “distorcidos” para parecer que estão sendo reproduzidos pelo chip de som de um console de 16-bits. 

Isso é bem aparente com as amostras de voz das cutscenes, o que dá bastante charme para o jogo. O único problema com os efeitos sonoros é que na configuração padrão os sons parecem ser muito mais altos do que a música, o que pode fazer com que esta passe despercebida em várias fases. No entanto, o jogo permite regular o volume, logo não é um problema realmente grave.

Estética mecanizada e visceral

Para os fãs de pixel art, os gráficos do jogo são espetaculares. Todos os sprites são grandes e bem detalhados. A paleta de cores não é muito variada, utilizando muito tons de cinza e de vermelho, enfatizando a situação distópica de desolação e controle extremamente automatizado.

Os cenários não são tão interessantes, enfatizando apenas o lado cyberpunk da ambientação. Tudo parece ser muito tecnologicamente avançado e perigoso, mas os cenários não parecem ser parte da narrativa. Com exceção de algumas salas nas quais tocam cutscenes ou enfrentamos chefes, não há referências à história nos cenários, tornando-os bastante genéricos, de modo que poderiam ser facilmente transpostos em outro jogo de plataforma sem que algo parecesse estar fora do lugar.
Moonrider ao lado de um dos inimigos robóticos do jogo
Já o design de personagem expressa melhor a junção dos elementos que eu diria que compõem a essência do jogo. Os inimigos mecanizados apresentam partes diretamente inspiradas pela cultura japonesa. As cabeças dos robôs têm o formato das de onis ou tengus, ao mesmo tempo em que há um canhão saindo por sua boca, materializando perfeitamente a estética que chamei de cyberpunk oriental.

Os outros guardiões, que são os chefes do jogo, são basicamente vilões de Power Rangers. Com uma ou outra exceção, eles utilizam armaduras metálicas inspiradas pelas dos samurais, ou trajes parecidos com os de ninjas. Com alguns adendos, apenas para lembrar que eles também são ciborgues.

Também há subchefes, que em geral são criaturas gigantes bastante influenciadas pela estética de body horror — eles possuem formato humanoide, mas com o corpo deformado, mais membros do que um ser humano teria, órgãos internos expostos e às vezes transformando-se em versões ainda mais bizarras para atacar. Eles podem parecer desconectados do resto do jogo, mas são muito bem feitos e realmente ameaçadores.
Genoqueen, um dos primeiros sub-chefes do jogo
Outro detalhe impressionante dos gráficos é o uso de escalonamento de sprites para simular profundidade, e visuais 3D, durante algumas seções do jogo. Com exceção da falta de identidade dos cenários, Vengeful Guardian é um jogo belíssimo, inspirado pelos clássicos, mas não limitado por estes.

O estilo do guardião vingativo

Como citei na introdução, a jogabilidade é muito parecida com a de Megaman Zero, com alguns elementos de Ninja Gaiden. Seu ataque principal é um combo de três hits com uma espada, mas você também pode usar um ataque especial vinculado a uma barra de energia. O herói pode realizar um pulo da parede (wall jump), mas não pode escalá-la. A principal mecânica do jogo, porém, é o botão de correr, que é uma corrida contínua e não o dash comum nas franquias de Megaman.
Moonrider executando a corrida
O jogo quer que você sempre esteja correndo e te incentiva a fazer isso de várias formas. Os ataques de inimigos são lentos e mesmo quando encontrar um inimigo novo não é difícil desviar e destruí-lo puramente por reação. Seu ataque correndo (dash attack) é muito mais forte que o combo realizado quando você está parado, matando a maioria dos inimigos com um golpe. 

Além disso, a maioria dos projéteis podem ser destruídos, ou rebatidos, com ataques de espada. Tudo isso permite que um jogador com boas reações possa passar as fases fácil e rapidamente, quase sem necessidade de soltar o botão de corrida.

O level design, em geral, é bem linear, justamente para permitir que o jogador possa manter este ritmo acelerado. No entanto, cada fase tem uma mecânica que combina com o poder elemental do Guardião da área, e algumas introduzem variedade com desafios com plataformas temporizadas, labirintos aquáticos e fases em veículos.

O caminho do cavaleiro da lua


O jogo apresenta duas formas de progressão. Derrotando os Guardiões você recebe um poder baseado no elemento que este representa, os quais podem ser usados como ataque especial, no maior estilo Blue Bomber. 
Tela de seleção de missões, similar a de Megaman Zero
Além disso, há chips de aprimoração escondidos nas fases, os quais concedem buffs passivos como regeneração de energia, maior alcance nos ataques e diminuir o dano dos ataques dos inimigos. O Moonrider pode equipar até dois chips por vez, o que introduz certa estratégia com relação a qual é a melhor combinação para cada fase.

Um ponto que pode ser divisivo é a dificuldade. O jogo começa cada fase com três vidas e continues infinitos, e cada área da fase completada marca um checkpoint. No entanto, mesmo quando acabam todas as suas vidas você ainda recomeça do último checkpoint, o que torna os game overs praticamente insignificantes. O posicionamento dos chips também é bastante óbvio, não é necessariamente fácil chegar até eles, mas os caminhos que os designam são fáceis de descobrir. E como valoriza muito a reação, o jogo pode se tornar extremamente fácil para jogadores que têm familiaridades com o estilo.
Tela de conclusão de fase
Esse é um ponto que por si só não é bom ou ruim; os fãs mais puristas podem ficar decepcionados com estas mecânicas que facilitam o jogo, até mesmo quando comparado com os outros jogos da produtora, mas isso pode melhorar muito a experiência de jogadores novos. Lembrando que como um dos focos do jogo é o speedrunning, pode ser fácil passar as fases mas não é fácil obter os melhores ranks e melhores tempos. O famoso “fácil de aprender, difícil de dominar”.

Em suma, “Vengeful Guardian: Moonrider” é um ótimo jogo para os fãs do estilo e uma ótima porta de entrada para quem não conhece o universo dos jogos retrô. Mesmo tendo feito várias observações durante esta análise, minha única reclamação é o fato de que não é possível trocar os ataques especiais rapidamente, sem precisar parar e abrir um menu. Apesar de ser curto, durando em média de duas a três horas, o jogo entrega muito bem o que promete: Algo novo com sabor de clássico!

Prós

  • Belos gráficos 2D com pixel art e animações fluidas;
  • Trilha sonora com música eletrônica e instrumentos tradicionais;
  • Gameplay rápido e que recompensa jogadores experientes, mas é acessível para iniciantes;
  • Possibilidade de customizar as habilidades de seu personagem;
  • Desafios variados durante as fases.

Contras

  • Personagens genéricos;
  • História desinteressante;
  • Curta duração.
Vengeful Guardian: Moonrider — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise feita com cópia digital cedida pela The Arcade Crew

Jornalista e escritor. Me expresso melhor pelo papel e caneta então uso-os para falar dos meus assuntos favoritos. Deposito meus pensamentos no medium.com/@Easreferencias.
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