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Análise: Wavetale (Multi): deslize nas águas desta aventura ágil, simples e envolvente

A movimentação fluida e a construção de mundo compensam pelas limitações técnicas e a falta de desafio.


Wavetale
 é um caso exemplar para as críticas aos sistemas de jogos baseados totalmente em streaming. Desenvolvido e publicado pela sueca Thunderful Games, foi lançado originalmente para o Stadia no fim de 2021. Com o anúncio do encerramento da fracassada plataforma de jogos da Google, previsto para janeiro de 2023, permanece a pergunta que foi feita desde o princípio: como ficam os jogos exclusivos desse meio quando, eventualmente, os servidores forem desligados?

A resposta é: não ficam. A continuidade da existência desses títulos depende de serem lançados em plataformas digitais convencionais. Felizmente, foi o que ocorreu com Wavetale, lançado agora para os consoles atuais e PC, ganhando sobrevida para além do moribundo Stadia, do qual foi exclusivo por um ano.

Seguindo o streaming o fluxo

Como um jogo de aventura, Wavetale tem que desenvolver certos aspectos importantes e podemos dizer que se sai bem em alguns deles, mas não atinge o alvo em outros. Como o melhor do jogo, destaco dois pontos: a fluidez e a narrativa.

A jogabilidade é ágil, rápida, suave. Traz uma sensação de fluidez como a água sobre a qual deslizamos. É gostoso de controlar a protagonista, Sigrid, surfando com seus pés sobre os da Sombra, uma entidade que fica sob a superfície, como um reflexo escuro que copia cada movimento da jovem, permitindo que ela caminhe na superfície e acelere pelo mar.

Os saltos são longos e duplos, o que permite à jovem lançar-se para cima e depois ajeitar a precisão em pleno ar com o segundo pulo. Além disso, Sigrid é capaz de dar um dash aéreo e tem uma rede de faíscas de muitos usos: que serve como arma para o combate, gancho para lançar-se às plataformas e também como uma espécie de hélice que permite que sua dona plane.

Para corroborar a ênfase no movimento e agilidade, Wavetale tem um design de níveis adequado: todos os lugares são gigantescos, seja o mar aberto ou as altas torres da antiga cidade. As vistas são panorâmicas, o céu é profundo e o menu permite afastar ainda mais a câmera, chegando a parecer uma lente grande angular para corresponder às proporções dos cenários grandiosos.



O jogo quer que você siga com velocidade por essa vastidão, então todos os coletáveis são grandes e bem destacados para que o jogador não se preocupe com procurar minúcias pelos cenários. Há itens escondidos, mas geralmente os segredos são mais uma questão de observar do ponto de vista certo do que buscar criteriosamente em cada cantinho.

Embora o mapa seja enorme, a progressão é linear, conduzindo o jogador a uma área por vez. As áreas anteriores permanecem abertas, mas é melhor tentar esgotar cada uma na primeira visita porque os caminhos entre elas são enormes e um retorno pode ser cansativo.



A gameplay é simples, mas Wavetale está longe de ser um walking on water simulator. Embora as seções de plataforma não sejam desafiadoras, elas requerem que você esteja realmente no controle do movimento.

Você vai passar por várias ilhotas no intuito de coletar faíscas como fonte de energia para geradores, que ativarão apoios para usar sua rede como gancho e assim seguir mais alto. Há também desafios de corrida contra o tempo e missões secundárias de encontrar itens específicos.

Sigrid não ganha habilidades ou melhorias no decorrer da campanha. Após a introdução, você já tem tudo de que precisa. As faíscas coletadas podem ser gastas para comprar cosméticos de chapéu, roupa e cor de cabelo.



A heroína precisa lutar?

Wavetale tem trechos de combate, que é irrelevante. Existem apenas quatro tipos de inimigos comuns e cada um tem apenas um tipo de ataque, sem fazer grande esforço para te acertar. Você vê claramente que os pernilongas, por exemplo, viram para o lado para começar seus tiros, muito longe de você. 

Chega a parecer uma falha de inteligência artificial, mas acho que foi feito para ser leniente, pois o combate de Wavetale parece existir apenas por questões narrativas (Sigrid enfrenta perigos) e protocolares (jogos de aventura precisam de combate).



Algo que reforça essa ideia é o fato de Wavetale ter estreado há mais de um ano e não ter recebido uma reforma para o relançamento. Acrescentar uns dois tipos de inimigos e mudar o comportamento do restante bastaria para tornar as lutas mais atraentes, mesmo sem aprofundar a técnica e a dificuldade, mas o estúdio não pareceu interessado em modificações.

Para se ter uma ideia, a protagonista conta com seis pontos de vida e recuperação automática com o tempo, mas em nenhum momento cheguei a ficar com menos que quatro. Ela tem três tipos de ataques, mas basta golpear repetidamente para manter o inimigo preso em atordoamento contínuo. 

Mesmo assim, o combate tem o atenuante de não ser cansativo, pois se adequa à fluidez do resto da gameplay. Se não acrescenta, ao menos não atrapalha.



O conto da onda

A história se passa em Vilapraia, um conjunto de ilhas e edifícios que se erguem sobre as ruínas de uma metrópole afundada nas águas após uma guerra. Isso aconteceu antes da protagonista Sigrid nascer, no tempo da juventude de sua avó, Doris. As duas têm um papel central no andamento do enredo e são personagens bem escritas, sem se limitar ao clichê do conflito de gerações da adolescente incompreendida.

A excelente dublagem contribui para defini-las, mas a estética das animações faciais prejudica às vezes. As expressões dos rostos são cartunescas e isso não é um problema, mas a baixa variedade de formas, a falta de animação nas faces estáticas e a maneira súbita de mudar de uma expressão para outra criam um estranhamento quando comparamos seu minimalismo com as vozes muito humanas e individuais que permeiam a narrativa.

Logo me acostumei a isso, mas às vezes o que é mostrado nos rostos é muito diferente do que ouvimos. Houve um momento muito dramático em que meu filho chegou a perguntar: “Por que elas ainda estão sorrindo?”



Um mundo que não existe mais

Avó e neta estão longe de ser as únicas em Vilapraia. Wavetale é cheio de personagens que, mesmo quando têm poucas falas e não são necessários para levar o enredo adiante, funcionam como peças que ajudam a formar o quadro geral daquele lugar, aprofundando a relação entre o presente pós-apocalíptico e a riqueza do passado perdido.

A temática sócio-ecológica questiona o progresso tecnológico a qualquer custo e a relação humana com os recursos naturais. As pessoas são cegas ao fato de que sua negligência e ambição são nocivas aos outros, ao ambiente e, por consequência, são autodestrutivas. A crítica de Wavetale aos excessos da modernidade industrial é simples em sua forma de fábula, mas sóbria e pertinente.



Em sua aventura, Sigrid preenche um diário com esboços de cada pessoa e seus pensamentos sobre eles. Ela também escreve quando encontra fragmentos desse passado submerso que conhece apenas de ouvir falar.

Considerando os personagens, diálogos, ruínas e o diário, Wavetale faz uma construção de mundo cativante e complexa. O fato de haver tradução para português de Portugal e não para do Brasil ajudou a dar à minha experiência naqueles mares um tom exótico e distinto. A música também tem sua parte no clima de beleza serena que cresce para uma energia estimulante à altura dos acontecimentos.



A riqueza narrativa é um sucesso, especialmente considerando como conseguiram desenvolvê-la em um jogo curto: obtive o troféu de platina em 8 horas, deixando sem conclusão apenas uma missão secundária. São apenas 15 troféus e nenhum é difícil, mas um deles depende de falas aleatórias do personagem que vende acessórios e eu presenciei um bug que me deixou impossibilitado de falar com ele no pós-game. Só consegui o troféu durante uma nova campanha.

Falando em bugs, a história tem alguns quando passamos novamente pelos lugares onde certas falas da história estavam programadas e elas são proferidas uma vez mais, mesmo que não façam mais sentido. O mesmo ocorreu repetidas vezes em um local em que a serpente gigante surge: o jogo reativa a animação e o som da água, mesmo sem a serpente estar lá. A parte sonora também teve problemas esporádicos, como parar a música e esquecer de forma intermitente de alguns dos efeitos sonoros, como o de bater em um inimigo.



A parte técnica de Wavetale tem outros problemas. Como tudo se passa sobre o mar, os cenários são gigantescos e planos. Os reflexos são necessários, mas pecam pela falta de precisão, mostrando até coisas ocultas pela névoa. Além disso, os reflexos sofrem de pop-in, ou seja, surgem à medida que você se aproxima deles. 

O mesmo acontece com boa parte dos edifícios, que vão ganhando detalhes aos poucos, e até com a vegetação simples que faz brotar mais arbustos a alguns metros de distância. Exceto pela resolução, se considerar o pop-in e a inconstante (mas nunca péssima) performance de quadros por segundo, teve momentos em que senti como se tivesse voltado ao PS4, mesmo jogando em um PS5.

Um último ponto que quero apontar é o sistema de salvamento: não há forma manual, ele acontece apenas em pontos pré-definidos da história. Então, se você está explorando e quer sair do jogo, certifique-se de realizar mais um objetivo da história para não perder os coletáveis encontrados.



Após o fim da campanha, podemos percorrer o mapa livremente, então tentei aproveitar para completar a compra de todos os acessórios de Sigrid. A tentativa foi em vão, uma vez que não consegui salvar o progresso, mesmo seguindo para outras regiões na esperança de esbarrar em algum eventual ponto de salvamento automático. Não encontrei.

Entrando na onda

Wavetale tem a duração adequada para aquilo que é: uma aventura fluida e ágil com uma história envolvida e inesperadamente elaborada para o tempo que tem. O combate cumpre propósito puramente marginal e as limitações técnicas não seguem o padrão de fluidez do restante, mas são inofensivas o bastante para serem relevadas perante o conjunto de uma obra de ressaltada humanidade e beleza.

Prós

  • Boa história e construção de mundo;
  • Dublagem excelente;
  • Cenários grandiosos e bonitos;
  • Fluidez e velocidade no controle da protagonista;
  • Belas músicas instrumentais.

Contras

  • Combate irrelevante;
  • Taxa de quadros por segundo inconstante;
  • Pop-in frequente;
  • Bugs de interações;
Wavetale – PS5/PS4/XBO/XSX/PC/Switch – Nota: 7.5
Versão utilizada para a análise: PS5

Revisão: Davi Sousa 
Análise realizada com cópia digital cedida pela Thunderful Games


Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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