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Análise: Gungrave G.O.R.E (Multi) nos leva de volta a um 2008 atolado de esteroides

Terceiro título da série nascida no PlayStation 2 é uma ode à filosofia de design da época, para o bem e para o mal.


Gungrave G.O.R.E
(Multi) é facilmente um game que eu me imagino jogando no meu Xbox 360 há uns dez ou doze anos. Ele se parece muito com um produto lançado logo na primeira leva da sétima geração. A questão é que quando as coisas são colocadas dessa maneira em um review, geralmente é de maneira pejorativa. Ressalto que esse aqui não é o caso, uma vez que se trata de um produto até que rústico, mas que nos faz lembrar de tempos mais simples. 

Isso não é por acaso, uma vez que a Gungrave (PS2) teve sua origem no próprio PlayStation 2. Com história-base e design de personagens concebidos originalmente por Yasuhiro Nightow (criador de Trigun), a série nunca foi exatamente uma unanimidade, mas conseguiu atrair alguns seguidores dentro de um nicho a ponto de render alguns outros produtos, como um anime pelo estúdio Madhouse e uma sequência intitulada Gungrave: Overdose (PS2). 

Considerando essa origem obscura, uma base de fãs pequena e o tempo desde Gungrave: Overdose (além de alguns ports do original para VR lançados em 2019), a primeira coisa que Gungrave G.O.R.E faz no menu é disponibilizar um pequeno vídeo situando um eventual novato sobre os acontecimentos dos títulos passados. 




É assim que conhecemos Grave, um ex-mafioso que foi traído por seu melhor amigo, mas que consegue voltar à vida através da ciência. Ao lado de Mika, a filha de sua falecida amada, que foi responsável por acordá-lo de seu estado de hibernação, seu objetivo em Gungrave G.O.R.E é se unir mais uma vez à moça para desmantelar o Clã do Corvo, um cartel responsável por distribuir a droga conhecida como SEED, capaz de transformar humanos em monstruosidades viciadas. 

A questão é que nada disso importa muito porque esse roteiro simples não passa de um pretexto para dar continuidade ao game, que se sustenta mais no próprio estilo do que em uma narrativa verdadeiramente substancial, como boa parte de games produzidos na era do PS2, quando as desenvolvedoras começaram a arriscar um pouco mais no estilo artístico de seus games.




Assim, a estrutura de Gungrave G.O.R.E se dá através de fases em que tudo o que o jogador precisa é sobreviver a ondas de inimigos enquanto percorre amplos corredores em direção à conclusão. Às vezes, eu me sentia até em um shooter on rails, visto que eu podia simplesmente estacionar e direcionar a minha mira contra os diversos oponentes que iam surgindo. 

Não há o que se explorar ou colecionar, basta apenas atirar, seguir em frente, sobreviver e chegar ao fim. Para isso, Grave dispõe de um arsenal de técnicas diversas de armas de fogo de munição infinita em um sistema bastante dinâmico que lembra (bem) vagamente Bayonetta, se todo o combate corpo a corpo fosse removido e a bruxa atacasse apenas com suas pistolas. 




Inclusive, a estrutura geral do game lembra bastante a que é costumeiramente utilizada pela Platinum Games (e pela Clover quando era responsável por Devil May Cry) no sentido de se dividir em fases e pontuar o desempenho do jogador com um ranking ao final do estágio e pontos de estilo que podem ser utilizados para comprar upgrades. 

Esses upgrades servem para aprimorar tanto atributos quanto vida e o escudo (que serve como uma primeira barreira contra as hordas de inimigos) quanto para comprar novas técnicas que podem ser utilizadas com inputs de comandos diferentes. Nota-se que, além das pistolas, Grave também pode utilizar seu próprio caixão, o Cérbero, como uma arma corpo a corpo, bem como um gancho que serve tanto para fazê-lo se aproximar dos oponentes quanto trazê-los para perto. 




Enfim, é isso o que dá para falar sobre Gungrave G.O.R.E. Trata-se de um título extremamente simplista e objetivo em sua proposta, algo que certamente não se adequa nem um pouco a filosofias modernas de design de jogos, que querem oferecer experiências cada vez mais vastas e complexas. O que ele quer é apenas trazer ação frenética, completamente anabolizada, de um jeito tão exagerado que deixa tudo positivamente cômico. 

Essa abordagem se estende até mesmo no gameplay prático que envolve o manejo do personagem. Assim como seu protagonista brucutu, as mecânicas de jogabilidade são notoriamente rústicas, verdadeiramente dignas do espírito da sexta geração e primeira leva de jogos da sétima geração de consoles, quando as filosofias de game design continuavam as mesmas e o diferencial era apenas o salto gráfico entre as plataformas. Grave é pesado, movimenta-se com lentidão e os hitboxes carecem de precisão. 




Enquanto a física notavelmente ultrapassada possa ser justificada dentro de um contexto geral envolvendo a própria franquia e por deliberações artísticas, há algumas outras decisões que careceram de bom senso em suas aplicações. De cara, os cenários do jogo todo são bastante repetitivos (mesmo em localidades diversas) e é impossível que alguém que tenha jogado o primeiro capítulo todo não tenha pensado que o game pode ser empolgante logo de cara, mas que será previsivelmente cansativo.

Essa repetição inerente, inclusive, chama atenção ao fato de que haja dedo para ficar apertando o botão de gatilho dos controles, já que apenas segurá-los indefinidamente resulta em outro input de comando. Sim, é preciso disparar cada tiro de forma individual — e olha que o jogador vai atirar muito ao longo de toda a campanha. O fluxo de jogo também é sentidamente desregulado, visto que há alguns picos de dificuldade que fogem bastante da curva de progresso prevista. 




No fim das contas, Gungrave G.O.R.E é um jogo ágil e repetitivo. Não se trata de uma experiência complexa multigênero como as que os jogos modernos tentam oferecer, mas um título de ação desenfreada de personagem com uma única toada do começo ao fim. Quem gostar, certamente vai se sentir imerso na ação desenfreada e certamente nos faz lembrar de tempos bem mais tranquilos, quando as propostas eram mais simples e limitadas pelo hardware. 

Entretanto, não será todo mundo que irá corresponder a esse sentimento. E sim, isso é um problema porque não adianta nada fazer um produto voltado para uma única audiência minúscula e depois sair reclamando aos quatro ventos que ele não conseguiu vender ou teve um desempenho ruim na imprensa. Para um jogo de seu nicho, Gungrave G.O.R.E é tudo o que ele realmente promete. O problema é não sair dessa zona de conforto. O fato de eu fazer parte do nicho (sendo que particularmente gostei bastante do resultado), não significa que todos devam fazer.

Prós

  • Resgate interessante de uma filosofia de game design do começo do século;
  • Pouca picuinha com história, indo direto ao foco do jogo, que é a ação;
  • Tudo nele é comicamente exagerado de uma forma boa.

Contras

  • Extremamente repetitivo e carece de diversidade como um todo;
  • Picos de dificuldade perceptíveis;
  • A física pode parecer ultrapassada e frustrante dentro de critérios modernos.
Gungrave G.O.R.E — PS5/PS4/XBO/XSX/PC — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Prime Matter


É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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