BGS 2022: estreia da Sonic Symphony é vítima do próprio evento

Em sua estreia internacional, projeto sinfônico da Video Game Orchestra sofre com infraestrutura da Brasil Game Show.



Depois de se tornar verdadeiramente popular puramente pela força do nome (e nosso eterno espírito de terceira série), Shota Nakama virou figurinha carimbada da Brasil Game Show desde sua primeira participação em 2018. Em 2019, ele trouxe seu principal projeto, a Video Game Orchestra, para tocar no evento. Desta vez, na primeira edição do evento após o apocalipse pandêmico, a Video Game Orchestra volta novamente em seu estado normal (cuja apresentação se deu na segunda-feira, dia 11), mas também com outra iniciativa, a Sonic Symphony, que aproveitou a ocasião para sua estreia internacional.

De um modo geral, estando presente em uma das apresentações da Video Game Orchestra de 2019, a percepção que fica é mais a de uma sensação de déjà-vu, visto que a experiência se mostrou extremamente similar. Isso se aplica até mesmo ao próprio conteúdo musical, que embora devesse ser substancialmente diferente, há certos pontos a serem levados em consideração.

No caso, isso tem muito a ver com a própria setlist. Se for pegar a setlist lá na apresentação em questão, é perceptível que um bloco considerável dela já era composto basicamente de trilhas provenientes de jogos de Sonic. Um dos comentários que acabei fazendo na ocasião era justamente em relação à falta de diversidade no repertório. Obviamente, essa situação não é um problema, já que, desta vez, a apresentação é totalmente focada no ouriço, mas é bastante irônico o resgate desse paralelo já feito anteriormente.



Entretanto, é válido notar que eu julguei a Sonic Symphony, como apresentação, muito mais concisa do que a Video Game Orchestra. Não só por conta da parte sinfônica da coisa, mas pela consistência no setlist geral. Como já tinha esse escopo reduzido, não houve ausência de variedade justamente porque não havia para onde fugir além dos icônicos temas dos jogos do ouriço. 

Como é natural de uma orquestra sinfônica, a Sonic Symphony se separou por movimentos referentes aos jogos de maneira individual, começando pela trilogia clássica do Mega Drive e chegando até mesmo em títulos mais modernos, como é o caso de Sonic Forces. Também acho fascinante como nem tentam jogar o famigerado Sonic ’06 para baixo do tapete. Inclusive, queria ressaltar que foi um dos trechos mais entediantes do concerto, ao menos até começar o trecho com His World. 

Nesse primeiro ato da orquestra, por assim dizer, foram contemplados movimentos referentes a Sonic The Hedgehog, Sonic the Hedgehog 2, Sonic 3 & Knuckles, um medley com músicas do Game Gear, um mash up de Believe in Myself e It Doesn’t Matter (dos dois Sonic Adventure), Sonic 2006, Sonic Unleashed, Sonic Colors, Sonic Forces e, por incrível que pareça, encerrou com um movimento dedicado a Chao Garden. 



Enquanto essa primeira etapa se mostrou bem mais solene, a segunda trouxa uma banda de rock para apresentar temas icônicos cantados da franquia, que inclusive convidou a plateia a levantar da cadeira e se aproximar do palco, o famoso “ficar na grade” de um show. Na ordem, foram apresentados Fist Bump (Sonic Forces), Reach for the Stars (Sonic Colors), Endless Possibilities (Sonic Unleashed), Knight of the Wind (Sonic and the Black Knight) e Escape From the City (Sonic Adventure 2). 

No finalzinho, Takashi Iizuka, diretor criativo de Sonic que já tinha recebido um prêmio e discursado antes da apresentação começar, sobe novamente ao palco para agradecer a presença dos fãs e anuncia em primeira mão um movimento específico do vindouro Sonic Frontiers. 

Considerando a crescente que a apresentação vinha tomando, esse anúncio me pareceu muito fora de timing, visto que Frontiers segue a linha de qualquer jogo minimalista moderno que tenha sido inspirado por Breath of the Wild, com aquelas músicas que carecem de emoção, de teor ambiental, dessas que ficam tocando vinte e quatro horas por dia em elevador. O final só não foi amargo porque o bis veio com a cereja do bolo que faltava: Live & Learn, do Sonic Adventure 2.



De um modo geral, a apresentação em si foi bem consistente e séria, sem umas patifarias nada a ver, como colocar um cover de Sweet Child O’ Mine avulso lá no meio, como se ninguém fosse perceber. A orquestra também foi muito bem conduzida, sem qualquer nota que soasse fora de tom ou errando o tempo, todos os méritos aqui — principalmente porque é parte de um projeto de turnê internacional. 

Adicionalmente, queria chamar a atenção ao fato de que houve algumas situações de gente emocionada, chorando rios ao ouvir certas músicas ao vivaço. Não julgo porque, embora eu não tenha tanto apego às trilhas de Sonic e, fazendo um exercício de empatia, eu certamente não ia ficar contido caso fosse a mesma situação com músicas de The King of Fighters ou Mega Man. Tenho certeza, inclusive, de que as primeiras notas de “Esaka?”, então, me fariam perder as estribeiras. 

A maior problemática e que tornou a experiência menos memorável do que poderia ser tem a ver com a infraestrutura da própria BGS, tropeçando exatamente no mesmo ponto de 2019. A acústica do pavilhão é horrorosa e a situação só piora quando colocam dois palcos lado a lado, com apresentações praticamente brigando entre si para serem ouvidas. Enquanto o segundo ato, o show de rock, acabe naturalmente se impondo, é notável que o primeiro, o orquestral, foi muito prejudicado nesse aspecto. Sendo quase inaudível no começo, não foi incomum ver uma galera desistindo de acompanhar, se levantando e indo embora. 



Outro ponto a se chamar atenção foi o atraso. Previsto para começar às 18h, o show só foi ter início uma hora depois, após o discurso do Takashi Iizuka, diretor criativo da marca Sonic, que estava segurando um troféu, aparentemente por serviços prestados à franquia, cujos principais percalços dos últimos vinte anos se dão justamente por conta da falta de foco derivado da ausência de uma clara direção criativa. Paciência, né?

O público apático também foi um pouco constrangedor. É óbvio que, sem dar para ouvir bulhufas do que está rolando, é difícil reagir aos movimentos com propriedade. Em determinado momento, o próprio Shota Nakama apareceu ao microfone e pediu para que a audiência fizesse mais barulho e reagisse mais, tal como um jogador de futebol implora para que a sua própria torcida faça mais barulho para empurrar o time. 

Não sei se foi por causa desse pedido que a plateia demonstrou euforia quando começou o movimento de Sonic 3 & Knuckles e dos jogos medíocres seguintes ou se é porque as músicas subsequentes que são as que a audiência tinha maior apego emocional por terem jogado tais títulos na infância. O que importa é que o tom da apresentação acabou embalando mais a partir daí. O início, portanto, foi bem morno, mas a tendência geral foi de crescimento.



Fazendo um balanço, dá para dizer que foi uma experiência interessante que poderia ser melhor, uma vez que foi prejudicada por conta dos problemas técnicos apresentados pela acústica do local. A iniciativa de trazer shows para encerrar um dia de evento é bastante válida. Entretanto, fica difícil quando a organização é capaz de errar não apenas uma vez, como em 2019, mas de repetir o erro e atirar no próprio pé desta forma. 

É muito difícil separar os dois palcos em lados opostos do pavilhão? Dá para ver que não se tratam de estruturas fixas. Falta otimização do espaço oferecido pelo pavilhão. Além disso, também é óbvio que a sinfonia teria sido muito mais proveitosa caso a apresentação se desse em um teatro ou outro ambiente voltado para esse tipo de apresentação. Se, por algum acaso, a Sonic Symphony retornar ao país, a recomendação é que vale a pena ir prestigiá-la — exceto em uma situação como a da BGS.


É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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