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Análise: Tyrant's Blessing (PC) é um bom tático minimalista, mas nem tanto como rogue-lite

Um jogo tático simples demais em alguns aspectos, mas com uma experiência charmosa e um bom level design que puxa para o raciocínio dedutivo.


Desenvolvido pelo estúdio indie Mercury Game e publicado pela Freedom Games, Tyrant’s Blessing é um RPG tático (mais tático que RPG) isométrico com traços de rogue-lite. Sua temática de fantasia medieval tem alguns elementos modernos, com um enredo que tematiza uma revolta contra o Tirano de Tyberia, que expande seu exército de servos mortos-vivos a cada novo habitante que vem a perecer.

História simples e premissas interessantes, mas pouco exploradas

Criado por Seven Hao, o conceito de Tyrant’s Blessing já é sugerido em seu título, “A Benção do Tirano”. Um tirano (conhecido apenas como Tirano) chegou a uma região chamada Tyberia, onde se passa a trama, e prometeu tornar o local um paraíso com sua magia/bênção, extinguindo as guerras e o sofrimento. O preço disso, porém, era a própria morte: os habitantes precisavam morrer e se tornar mortos-vivos. Ocorre que, com isso, eles se tornam seus servos.

Usando os mortos contra os vivos, o Tirano logo conquistou Tyberia, mas ainda há tyberianos remanescentes que resistem em diferentes cantos de sua terra natal. Em um desses locais, há um pequeno grupo que lidera uma revolução contra o exército de mortos-vivos, buscando chegar até o soberano dos mortos e levá-lo de volta às profundezas do mar, de onde ele surgiu.


O jogador controla essa pequena equipe e tenta chegar até o castelo do Tirano, onde poderá enfrentá-lo em uma batalha final. A princípio, o elenco é formado por quatro membros, mas mais podem vir para o time, à medida que conseguimos estrelas e esses indivíduos sejam invocados.

Do ponto de vista do enredo, nunca é delimitado ao certo quantas pessoas há para recrutar, e assim se justifica poder ter progressivamente mais personagens à disposição. No entanto, só podem ser escalados três e um animal acompanhante para fazer uma jornada (run).




O aspecto narrativo incorpora dois elementos importantes de rogue-lite: o permadeath e a variação procedural de level design. A execução desses elementos na narrativa a tornou bastante simples, sem reviravoltas ou qualquer complexidade maior em termos textuais. Isso poderia ser compensado por um acréscimo de profundidade ludo-narrativa, mas não é o que aconteceu.

A premissa do enredo é interessante, e poderia ter sido aproveitada em sintonia com o gameplay. Por exemplo: ao sermos derrotados ou deixarmos algum NPC morrer, poderia haver um peso mais significativo na trama, levando em conta a maldição dos mortos-vivos. Entretanto, nada acontece, e a história simplesmente é reiniciada.

Um gameplay tático elegante, mas com um level design pouco variado

Claramente inspirado em Into the Breach (PC), um dos mais aclamados jogos indies táticos até hoje (MC), Tyrant's Blessing funciona em um pequeníssimo cenário isométrico de 8x8 células/quadrados. O campo de batalha é plano e, diferentemente de Into the Breach, não possui alterações dinâmicas em seu terreno; em vez disso, aqui foi feita uma aposta mais focada em elementos interativos, como NPCs, barricadas, balistas, morteiros e armadilhas.

Um conceito interessante é a capacidade dos mortos-vivos de voltar ao combate depois de derrotados. Em cada fase, há uma quantidade de vezes que eles podem ressurgir até que a batalha termine, então sua estratégia precisa levar em conta não só matá-los, mas como você poderá vencê-los novamente no próximo turno.


Quanto às unidades escaláveis do grupo (sempre três humanoides e um mascote ajudante), como se trata de um TRPG, Tyrant's Blessing também possui elementos significativos de RPG, ainda que eles tenham um peso bem menor do que seu foco estratégico.

Isso se repara pela customização das unidades: é possível aperfeiçoar habilidades únicas e o status dos personagens durante a jornada, e cada humanoide pode carregar um item consumível. Um segundo aspecto de RPG a se destacar é a progressão,  baseada em uma narrativa movida por personagens unitários, e não por nações ou entidades coletivas.


Todavia, os RPGistas podem sair um pouco decepcionados com seus elementos. O nível de customização é bem baixo, apenas ligeiramente maior que aquele presente em alguns táticos puros, e não é cumulativo, já que se trata de um rogue-lite. Ademais, apesar da trama ser envolta de personagens, não há escolhas de diálogo e a imersão em seus papéis é bem baixa.

Além disso, embora haja objetivos secundários que contenham elementos com um tom moral, como resgatar ou não uma pessoa ou matar ou não um recém-morto-vivo, infelizmente esses elementos não são desenvolvidos no design narrativo. E o algoritmo procedural também não permite muita variação aos cenários: toda run trará uma experiência bem semelhante em termos de inimigos e cenários.


O ponto mais forte, ainda assim, está claramente no level design. Mesmo que não muito variado, os cenários são bem projetados, tal como sua progressão de dificuldade. À medida que o design da fase em si vai se tornando intrincado, bem como o poder, a resistência e a variedade dos inimigos, a sensação é quase de estar jogando um puzzle, pois o contexto torna-se mais limitado, há cada vez menos táticas possíveis para se vencer a partida e mais se exige do raciocínio dedutivo do jogador.

Apesar de não oferecer muitos cenários, Tyrant’s Blessing tem um bom fator replay. Há uma variedade razoável de inimigos e muitos personagens para desbloquear, e o contínuo retorno ao início não é muito desgastante, pois a jornada em si não é muito longa, eventualmente tornando o jogador melhor em seus raciocínios táticos, o que é gratificante.

Vale observar que, além das habilidades em si do jogador, há algumas combinações de poderes com as quais a IA não sabe lidar muito bem, o que pode desbalancear o jogo, tornando-o fácil demais se soubermos tirar vantagem delas.

Audiovisual elegante e eficiente, com alguns poucos defeitos

Com uma câmera isométrica fixa e um visual 2D completamente em pixel art, o projeto de Tyrant's Blessing é minimalista, carismático e elegante. Embora lembre muito Into the Breach também do ponto de vista visual, ele possui ainda alguma personalidade, por seu contexto mais medieval e bonitinho.

Tudo isso se faz notar pelos elementos do cenário, pelo figurino dos personagens e pelos animais de suporte (“mascotes”), como cachorros, fadas e touros, os quais, por sinal, são bem aproveitados em sintonia com o gameplay.


Talvez o trabalho de iluminação pudesse ter mais encanto, mas está satisfatório para suas funcionalidades e o minimalismo do estilo artístico. Outra coisa que poderia ajudar seria a construção dos personagens. Como o texto deles é pouco aprofundado, seria interessante que ao menos tivessem um visual mais destacado. Isso também se estende para os cenários, que também não são tão marcantes e nem muito variados.

Pode-se acrescentar também que o fato de não podermos rotacionar o cenário em alguns momentos atrapalha o cálculo visual  — não de forma grave, mas é eventualmente desagradável. De resto, há um trabalho bem-feito de pixel art, com efeitos visuais que não são exagerados, dando mais sobriedade à experiência, e uma escolha sutil e charmosa de reiniciar o jogo sem causar tanto impacto e ao mesmo tempo conversar com o enredo.


Quanto à parte musical, composta por Shoni Pal, ela tende a usar instrumentos acústicos, um pequeno grupo de instrumentistas de cordas e um pouco de percussão, o que é eficiente para dar uma experiência parecida com uma mini-orquestra, em um estilo minimalista que repercute também para a harmonia, pouco marcante, mas eficiente como música de fundo. As escolhas melódicas trabalham bem dessa forma.

A música também mantém um ritmo bem uniforme, e não é muito cheia e nem muito intensa ou rápida; ela é suave e só se intensifica em momentos mais tensos de gameplay. O que são boas escolhas para contribuir para a concentração do jogador.

Um tático bem-feito no campo de batalha, mas nem tanto fora dele

Apesar de ser breve, não desenvolver tão bem suas premissas narrativas, poder ter um pouco mais de personalidade visual e ser muito simples em termos de RPG, Tyrant’s Blessing tem um audiovisual elegante, faz um excelente trabalho como jogo tático com forte apelo de raciocínio dedutivo, tem uma boa progressão em seu level design e um bom fator replay com adições de personagens com habilidades únicas.

Este título é facilmente recomendável a qualquer fã de jogos táticos, e talvez até a alguns entusiastas de puzzles, mas para RPGistas, apenas se estiverem inclinados a gostar também de elementos desses outros dois gêneros.

Prós

  • Pixel art bem-feita e carismática;
  • Um fator replay satisfatório;
  • Um ótimo level design tático minimalista para os campos de batalha;
  • Uma boa variedade de personagens e habilidades.

Contras

  • Pouca personalidade em personagens e em audiovisual;
  • História muito curta e com uma baixa variedade de cenários;
  • A progressão rogue-lite de level design poderia ser melhor integrada ao design narrativo;
  • Premissas do enredo subdesenvolvidas;
  • Baixa customização e elementos de RPG pouco desenvolvidos;
  • IA pouco inteligente para lidar com algumas habilidades.
Tyrant’s Blessing — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise feita com cópia digital cedida pela Freedom Games

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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