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Análise: Chronicles of Refugia (PC): uma introdução a um mundo futurista de não-humanos

Os primeiros capítulos do jogo episódico apresentam a ilha Hourei e seus peculiares habitantes em uma experiência narrativa curiosa.

Chronicles of Refugia
é o primeiro jogo da desenvolvedora Medium, mas conta com nomes importantes da indústria, como a ilustradora Kazuki Yone (Hiiro no Kakera, Hakuoki) e roteiro de Kano Takaco (Ken ga Kimi, Galtia) e Ninomae Nikai (Norn9, Galtia). Com uma proposta episódica, a visual novel traz um gostinho inicial de um mundo futurista marcado pelas consequências da ação humana.

Um refúgio em um mundo de escassez

Não é de hoje que a ação humana leva a grandes consequências para o planeta como um todo. Em Chronicles of Refugia, as mudanças climáticas e conflitos violentos destruíram boa parte da sociedade humana e os remanescentes foram forçados a migrar para abrigos subterrâneos altamente restritos e controlados. Porém, ao mesmo tempo, foi descoberta a existência de “não-humanos”, espécies humanoides com poderes variados (como lobisomens, vampiros, entre outros).
Enquanto a elite humana continua em segurança e comandando o mundo, esses indivíduos começam a ganhar cada vez mais força, especialmente nas chamadas Edgelands, as áreas externas aos abrigos. Em particular, Chronicles of Refugia conta a história de vários indivíduos cujos caminhos se cruzam em uma pequena ilha asiática conhecida como Hourei. A ideia do jogo é mostrar como esse lugar se tornou um caldeirão de culturas, levando grupos não-humanos variados a se esforçar pela coexistência.
 
Encontramos em Hourei uma espécie de refúgio, um lugar que parece acolher esses indivíduos que foram marginalizados por anos vivendo em uma sociedade ainda tipicamente centrada nos humanos. Os seus habitantes não se opõem diretamente a essa lógica, que parece estar muito arraigada no mundo como um todo, mas tentam coexistir de forma harmoniosa enquanto conquistam os seus próprios desejos e ambições. O resultado não é uma convivência perfeita e tranquila, mas um contexto complexo de choque entre culturas, de perspectivas sobre a humanidade e de forças opostas em equilíbrio.
Em particular, temos a figura de Alice, a atual proprietária das terras de Hourei. Com a missão de criar uma nova base para o seu clã nessa ilha distante, ela precisa provar que tem competência para a sua família europeia tradicional. Devido à sua posição como uma lobisomem que tenta contar com o apoio da elite humana e a sua tendência à tirania, Alice é um verdadeiro ímã de inimizades e é até curioso que ela consiga ter conquistado a confiança de tantos empregados leais que a apoiam ao longo do tempo.

Uma história de múltiplas perspectivas

Um dos principais atrativos de Chronicles of Refugia é a sua exploração de perspectivas diferentes. A ilha Hourei será o lar de vários indivíduos e trocar de protagonista é uma forma de dar à obra uma representação caleidoscópica desse mundo futurista de não-humanos. De acordo com a descrição geral, a expectativa é que a história principal tenha três protagonistas (a tirana Alice, o médico humano Arisu e a misteriosa e alegre Airei), mas explore outros personagens também em cada um dos episódios.
No lançamento atual, temos acesso a um prólogo que apresenta o contexto geral e três histórias. A narrativa principal (Episode 1: Alice the Red) é centrada em Alice, mostrando como foi a chegada dela à ilha e o esforço para desenvolvê-la como um resort. Porém, também há dois capítulos secundários que expandem a história, “Another Story: Noah - A Bird Stretches Its Wings” e “Hourei Island Excursion!”, e que, apesar de não serem tratados como parte dessa narrativa principal, possuem uma grande relevância para a obra como um todo.

Na história focada em Noah, acompanhamos uma pessoa que aparece misteriosamente na ilha, mas não tem memórias do seu passado. Com o título de Wanderbird, esse indivíduo terá a chance de viver um pouco na ilha sob a tutela de Noah. Ao longo de um período de três dias, será necessário fazer escolhas que poderão levar a finais diferentes para a sua história.
Já Hourei Island Excursion! mostra um dia de folga do médico Arisu, mas, em vez de poder descansar, o rapaz acaba sendo forçado a assumir o papel de cliente de um tour pela ilha. Aqui também é possível fazer escolhas que levarão a caminhos diferentes no passeio, mas a história é mais tranquila e sem grandes emoções. O seu objetivo principal é apresentar a ilha e, ao mesmo tempo, ser um teaser de detalhes do passado de Arisu e de outros personagens, coisas que provavelmente serão mais desenvolvidas nos próximos episódios.

O tom das histórias e a forma como elas são conduzidas são bastante diferentes, experimentando com as possibilidades do formato visual novel e com os estilos possíveis de escrita de uma forma curiosa e interessante. Um bom exemplo disso é a forma como a narrativa principal conta apenas com uma escolha de baixo impacto enquanto as outras duas são bastante ramificadas.
Além disso, a maior parte da obra é focada em diálogos, só havendo alguns trechos de narração em Another Story: Noah. A ausência de descrições aprofundadas acaba tendo um impacto significativo na experiência. Por um lado, a história flui mais rapidamente do que é normal do gênero visual novel, mas, por outro, a história acaba deixando a desejar em alguns momentos. Isso é especialmente nítido no prólogo durante as cenas de ação, porque temos apenas as falas dos personagens para entender o que está acontecendo. Como as imagens, infelizmente, servem apenas para dar uma noção ampla da ambientação e dos personagens, o jogador não recebe as informações necessárias para saber em detalhes o que se passa naquele momento.

Mesmo com essa falha grave, a história é bastante envolvente, com diálogos bem escritos e interessantes. Especialmente em momentos nos quais a discussão entre personagens é importante, a narrativa flui muito bem e o jogo consegue apresentar os detalhes sociopolíticos da trama de forma clara. Porém, os momentos de ação são severamente enfraquecidos pela falta de referências claras para o jogador e a transição temporal entre trechos da história também acaba sendo difícil de entender. Vale destacar que Another Story: Noah apresenta um pouco de narração, representando especificamente os pensamentos do Wanderbird, o que contribui para a imersão do jogador e a empatia com o seu contexto.
Apesar de as ilustrações oferecerem apenas uma noção ampla do ambiente e dos personagens, a qualidade delas é alta. Os cenários são bastante detalhados e vivos, com localidades marcantes e facilmente reconhecíveis, como a rua em frente ao restaurante de Ming ou o bar do cassino. Já os personagens ilustrados por Kazuki Yone são bastante expressivos e conseguem representar bem o aspecto de “algo tão humano quanto nós e ao mesmo tempo distinto”.

A trilha sonora é composta pelo ZIZZ Studio, que foi responsável por vários jogos, como a série Mary Skelter, Full Metal Daemon: Muramasa, Sweet Pool, Togainu no Chi, entre vários outros. Com toques de jazz, as músicas são suaves e ajudam a criar uma sensação de conforto e elegância para a ilha. Infelizmente, apesar das músicas serem individualmente de alta qualidade, o uso da sonoplastia de forma geral na obra acaba sendo ruim. Há momentos em que a trilha não condiz tão bem com os eventos da história e outros em que há uma forte sensação de um vazio não-intencional pela ausência de música. Destaca-se aqui também a ausência de voz e a pouca presença de efeitos sonoros.

A humanidade dos não-humanos

Chronicles of Refugia
é um bom ponto de entrada em um mundo futurista peculiar. Apesar de a história e sonoplastia terem alguns problemas de condução, trata-se de uma obra que experimenta de forma interessante com o formato visual novel. É uma obra charmosa e expressiva e estou bastante curioso para ver as perspectivas dos outros personagens nos próximos episódios.

Prós

  • Apresenta de forma instigante uma sociedade em construção, com elementos de choque cultural, assim como discussões sobre a humanidade e o não-humano;
  • As três histórias exploram formas diferentes de contar a história com perspectivas próprias;
  • Ilustrações de personagens bastante detalhadas e expressivas;
  • Trilha sonora de alta qualidade com tons de jazz.

Contras

  • Algumas cenas, especialmente as que envolvem mais ação, acabam ficando complicadas de acompanhar devido à ausência de narração e imagens muito genéricas;
  • A sonoplastia é subutilizada enfraquecendo alguns momentos da trama.
Chronicles of Refugia — PC — Nota: 8.0

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Medium

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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