Uma reflexão pessoal sobre a infância e a adolescência, os videogames e suas fantasias

Se tudo parecer inabitável, espero que este texto possa lhe trazer acolhimento e motivos para continuar acreditando na importância de sua história.

em 28/05/2022

Em “Uma reflexão pessoal sobre videogames e identidade”, publicado em julho de 2020, elaborei um breve relato sobre os significados de cada aspecto artístico dos jogos eletrônicos para a construção da minha personalidade. Já em “Uma reflexão pessoal sobre videogames, depressão e suicídio”, compartilhado no ano passado, redigi um texto corajoso e honesto sobre a minha tentativa de quase morte e expliquei como essas experiências interativas foram importantes para curar alguns dos traumas subsequentes ao episódio.

Portanto, neste terceiro texto, pretendo complementar essas duas narrativas existentes e equipará-las por meio de seus diferentes e complexos acontecimentos, mostrando como o mundo exterior e palpável em que vivemos pode afetar drasticamente nosso crescimento e criar problemas sem que percebamos. Demonstrar que os ciclos da infância e da adolescência devem ser tratados com cuidado e sensibilidade pelos pais e pela sociedade em geral é importante, visto que muito do que acontece na juventude e na vida adulta com a pessoa surge por impactos sofridos nesses intervalos. 

Além disso, é evidente que desejo voltar a exaltar a beleza e o poder de cura e de fuga presente nos videogames e em seus mais vastos universos, bem como validar sua importância - assim como qualquer outra forma de arte - no meu processo de florescimento. Por meio dos jogos, tive competência para criar uma realidade aconchegante, expandir meus horizontes e desenvolver habilidades inestimáveis.

Viridian Forest: um lar pueril

Em Pokémon Let’s Go, Pikachu!/Eevee! (Switch) e outros jogos mais antigos da franquia, existe uma profunda e extensa floresta que ocupa a maior parte da Rota 2 da região de Kanto. Chamada de Viridian Forest, ela é caracterizada por sua obscuridade, já que possui densas camadas de árvores que dificultam a passagem de luz solar, criando um enorme labirinto natural. Por conta dessas especificidades, é muito fácil se perder lá dentro caso você não tenha um mapa em mãos. No entanto, a floresta, que também dá nome a uma das cidades mais populares dos jogos, traz em seu cerne uma sensação mútua de curiosidade e sempre atrai uma vasta comunidade de novos treinadores. Ela abriga uma variedade de Pokémon que não são particularmente poderosos, mas acessíveis a níveis mais baixos como Caterpie, Weedle, Metapod, Kakuna, Pikachu e Pidgeotto.

Por conta dessa natureza instigante e simples, Viridian Forest parece exprimir os mesmos traços que uma pessoa com seus seis, sete ou oito anos de idade: a curiosidade e a audacidade pela descoberta. Na infância, estamos sempre buscando uma floresta para explorar, porque somos entusiastas e apaixonados por ouvir, contar histórias e viajar por mundos incríveis. Se pudéssemos, entraríamos em um foguete espacial, iríamos até a lua e de lá observaríamos nosso planeta girar. Criamos pequenos momentos significativos, histórias sobre amuletos secretos e compartilhamos cada uma dessas pequenas coisas com nossos amigos, enquanto construímos castelos, túneis e reinos de areia. Às vezes, fazemos coisas contestáveis, mas porque somos seres sedentos por diversão e em evolução, ansiosos por examinar o desconhecido e sem noção alguma do que é certo ou errado. Quando pequenos, nos despimos da nossa própria ingenuidade sobre o mundo real que se torna continuamente temível e duvidoso de vasculhar.

Como uma criança curiosa no auge dos meus sete anos, logo percebi que eu também poderia criar coisas inimagináveis, incluindo uma floresta própria, encantadora e acolhedora como Viridian. Essa experiência me deu forças para acreditar na magia dos meus sonhos e em como é possível transformar nossa realidade com gentileza e empatia. Ela também reforçou a importância da imaginação em minha trajetória, no poder das fantasias que criamos para escapar de uma realidade abusiva e discriminatória.

Cresci durante os anos 2000 em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Não tive acesso à internet tão cedo, embora ela já estivesse presente na vida das pessoas de algumas capitais e cidades maiores. Por isso, até mais ou menos os treze anos, contei apenas com uma televisão de tubo, um Super Nintendo emprestado e alguns emuladores de games, que de certa forma foram suficientes para desenvolver um primeiro e poderoso contato com o entretenimento digital. Lembro-me até hoje dos domingos jogando Super Mario World (SNES) e zerando-o dezenas de vezes; visitar aquele mapa-múndi e descobrir seus segredos eram uma alegria sem precedentes. 

No entanto, foi jogando Pokémon Blue (GB) e Pokémon Emerald (GBA) em um emulador que criei a minha utópica floresta. Digo isso com entusiasmo, pois preenchi um caderno com os nomes dos monstrinhos de bolso e posteriormente me tornei um audacioso caçador ambulante. Vislumbrei uma aventura genuína que me enriqueceu de tantas formas, abrindo minha mente para um mundo às vezes insuportável de tolerar.

Meus dias se resumiam a caminhar por áreas próximas à minha casa com uma Pokébola personalizada de plástico e desenhar um planeta ideal, onde aquelas criaturas imaginárias tiradas de um jogo eletrônico pudessem vagar livremente por estradas, mares e até esgotos criados no coração da minha mente criativa. Eram momentos charmosos, sedutores e aconchegantes para uma mera criança que sequer pensou na possibilidade de que alguns anos mais tarde essa experiência em particular se transformaria em algo totalmente tangível graças à evolução tecnológica.

Pokémon GO (Mobile), lançado em 2016 pela Niantic, usa realidade aumentada para simular essa brincadeira particular e, embora eu tenha afinidade pelo jogo e saiba de seus méritos, em hipótese alguma trocaria a minha experiência sensorial e imaginativa por uma tela de smartphone. Esses pequenos momentos de conexões puras com universos fictícios talvez não tenham significado algum para a maioria das pessoas, mas, para mim, eles ainda são tão reais e prósperos, verdadeiras epifanias que me trazem esperança e uma bagagem de conhecimentos inexplicáveis.

Do videogame à vida cotidiana, Pokémon moldou a minha visão de mundo por meio de aventuras improváveis. Era estranho sair por aí falando sozinho e ordenando que criaturas com nomes difíceis saíssem de uma bola que se despedaçava a cada arremesso contra estruturas sólidas, mas eu não me importava em ser chamado de bobo, pois necessitava daquele mundo e daquela brincadeira para seguir em frente, desenvolver minha imaginação, criar minhas próprias narrativas e transformar a infância num verdadeiro playground de possibilidades. 

Entretanto, sempre terão aqueles que acharão essas atitudes patéticas e infantis, mesmo para uma criança. Somos estimulados, desde cedo, a priorizar coisas que ainda não temos certo controle ou conhecimento e isso pode acabar nos destruindo com o passar do tempo sem que percebamos. Deveríamos permitir aos nossos filhos mais experiências intrínsecas e adoráveis, estimulando-os a se sujar, correr e criar narrativas autorais. Utilizar ferramentas como os videogames como complemento à ludicidade parece também uma ótima forma de auxiliá-los a sonhar com simplicidade, a serem curiosos e criativos, fazendo-os embarcar em jornadas tão vastas até se tornarem completos, empáticos e com sabedoria suficiente para mudar o mundo.

Para mim os videogames foram companheiros inseparáveis durante toda a infância, mas de alguma forma eu soube impor meus próprios limites de modo quase automático. Houve momentos em que ficava em frente à tela mais do que o esperado, o que irritava meus pais e às vezes ouvia palavras fortes demais até para uma criança. Se eles fossem mais compreensíveis e procurassem entender os benefícios daquela experiência, estabelecendo horários, provavelmente eu não teria, tantas vezes, ficado horas jogando escondido e com medo de ser descoberto. É claro que os pais devem ser rígidos, mas às vezes acabam sendo responsáveis por criar uma geração de crianças e adolescentes inseguros e problemáticos.

Se por um lado, agradeço a eles por terem me permitido brincar o dobro do tempo do que fiquei assistindo televisão, por outro, me senti assustado por conta de algumas de suas justificativas para me privar do uso do videogame, pois eram bastantes superficiais. Além disso, aquelas ações não tiveram um efeito duradouro, visto que proibido ou não de acessá-los, eu burlava as regras. O rigor desnecessário com que tratamos crianças, como se tivessem que florescer em instantes, faz com que elas próprias criem mecanismos de fuga da realidade para se sentirem confortáveis, mas isso pode trazer consequências emocionais a longo prazo.

Ainda assim, pude anotar o nome de cada Pokémon em um velho caderno escolar e alterar a realidade para algo verdadeiramente acolhedor e mágico. Enquanto caminhava pelas colinas, planícies e planaltos verdejantes da minha cidade, imaginava esses ambientes autênticos como locais fictícios. A Viridian Forest se materializa à minha volta e nela havia tantos monstrinhos lindos para apreciar: Butterfree e Beedrill estavam entre as árvores; Diglett e Dugtrio escavavam o solo; Pidgey e Pidgeotto voavam pelo céu azul; e Gyarados rugia em um lago qualquer. O meu mapa era a imaginação e não havia bússola, nem horário para retornar à Terra.

Korok Forest: um lar juvenil

Em The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/Switch), antes de chegar em Korok Forest - o adorável lar da Master Sword -, você precisa passar por Lost Woods, um misterioso e labiríntico bosque sombrio e cheio de névoa. Atravessá-lo não é simples e qualquer movimento equivocado faz com que Link seja enviado de volta à entrada principal do lugar, forçando-o a explorar a rota novamente. Portanto, os aventureiros que ousam chegar até a espada lendária deverão estar cientes de que, muitas vezes, terão que andar em círculos e que ficarão perdidos, confusos e irritados.

É nesse sentido que Lost Woods parece carregar as mesmas características que nós, seres humanos, quando transitamos entre a infância e a adolescência. Conforme as pessoas à nossa volta não nos permitem enxergar com empatia suficiente durante este processo de florescimento, somos sufocados por emoções negativas e traumas que nos matam em um piscar de olhos. A vida se torna rapidamente assustadora e cruel, assim como as partes mais sombrias da principal floresta de Hyrule.

No entanto, mesmo perdidos na escuridão e assustados com os estranhos ruídos fantasmagóricos, sempre é possível encontrar uma área dessa mesma floresta que se torna continuamente mais bonita e esperançosa, cheia das mais inexplicáveis sensações. Existindo como o coração de Lost Woods, a Korok Forest surge como um refúgio genuíno, abrigando criaturas adoráveis que dançam e voam sem preocupações e uma árvore ancestral que lhe conta as mais belas histórias. E se você ainda precisar de um abraço quentinho, é muito provável que encontre acolhimento ali também.

Depois de passar boa parte da infância me tornando um mestre Pokémon e explorando Viridian Forest, abruptamente descobri que precisava crescer e que aquela brincadeira de criança não fazia mais sentido. Na adolescência, precisamos amadurecer rapidamente, esconder nossas vulnerabilidades, ser produtivo e buscar sempre um resultado ideal. Quando não obtemos aquilo que os outros esperam, normalmente somos julgados e, ao invés de encontrarmos a Korok Forest, acabamos parando em Lost Woods por mais tempo do que havíamos esperado. Encontrar essas florestas obscuras não é de todo modo ruim, pois podem trazer grandes lições, porém se adequar a essas novas realidades sozinho, sem apoio familiar, é desestabilizante e assustador.

Para mim, tudo colapsou no auge dos meus quatorze anos, com a eclosão da minha sexualidade. Como um adolescente homossexual invalidado pela sociedade, privado de liberdade e reprovado pela família, tive que armazenar todo o ódio, a dor e o sofrimento e administrá-los sozinho. Fazer isso teve um alto custo, gerou danos psicológicos quase irreversíveis e foi responsável pelas ações extremas que realizei alguns anos mais tarde.

Ninguém deveria viver com medo o tempo todo ou habitar lugares hostis, onde o preconceito dilacera a sua essência e consome a chama que te movimenta. Nosso sangue escorre pelo corpo desenhando marcas da crueldade humana e nossas lágrimas reprimem uma solidão esmagadora que concebe cicatrizes de opressão. Ainda exploramos um mundo conservador - virtual e real - onde pessoas LGBTQIAP+ são excluídas, violentadas e agredidas por amarem o diferente, o diverso e de não acompanharem os padrões amorosos habituais. Não precisamos e nem queremos ser consertados, apenas respeitados e incluídos, tendo possibilidades seguras de sair de casa e voltar a ela inteiros, não em pedaços. E toda essa transformação começa no ambiente familiar, com aceitação. É nesse local para o qual deveríamos correr quando tudo desmorona, mas foi ali onde eu tive mais pânico de pisar.

Minha casa era Lost Woods e os dias pareciam eternos, sombrios, tudo consumia minha energia em instantes. Meu coração palpitava a cada palavra terrível e parte de mim se despedaçava. Entre a dor e o sofrimento individual, cresci em meio ao caos até finalmente encontrar a minha própria Korok Forest que me serviu de esconderijo por alguns fins de semana durante três anos e onde pude sentir o que o mundo exterior não era capaz de proporcionar. Localizada no meio de um denso bosque adjacente à minha moradia e pairando abaixo das nuvens brancas, descobri uma clareira belíssima que abrigava uma árvore gigantesca, com tronco e raízes adequadas para criar o meu próprio lar. Lá, eu alimentava meus sonhos de ser aceito e cultivava esperanças secretas.

Tardes autênticas foram vividas naquele local e, com um Nintendo 3DS azul em mãos, pude começar uma nova jornada de autoconhecimento. Ninguém sequer imaginava onde eu estava naqueles momentos, durante os quais eu procurava uma epifania de liberdade de ser e de pertencer. Solitário e confuso, cresci jogando Pokémon AlphaSapphire (3DS) naquela zona protegida pela natureza que se transformava nos pequenos detalhes: pássaros cantavam ao ouvir minha voz de empolgação ao capturar um monstrinho novo; as árvores balançavam com o vento e pareciam sentir vibrações de felicidade do meu sorriso; borboletas pousavam por minutos em uma folha qualquer e me permitiam tirar uma bela fotografia. Às vezes, quando me via acelerando em Mario Kart 7 (3DS) no meio de toda aquela magia, percebia que o exterior não era capaz de me proporcionar aquelas lindas sensações. Fora dali, eu era somente um garoto reprimido e lutando para sobreviver. 

Na adolescência, nós constantemente estamos perdidos, explorando realidades descontroladas e incompreensíveis que não possuem nenhum tipo de tutorial sobre o processo de sobrevivência, danificando nossa evolução pessoal. Para mim, esse mundo só me permitiu crescer com mais temor e dúvida, pois a ausência de conexões sociais e familiares significativas capazes de me auxiliar na construção de identidade foram responsáveis pela quantidade de coisas equivocadas e catastróficas que realizei ao longo dos anos. 

A minha tentativa de suicídio por overdose de álcool demonstra como o acúmulo de sentimentos ruins e a falta de acolhimento podem ser fatais se não tomarmos cuidado. Se tivéssemos ajuda para atravessar e nos adaptar àquelas florestas mais sombrias da nossa trajetória, com certeza teríamos mais facilidade de encontrar as partes mais calorosas dessas áreas.

Ao analisar a sociedade contemporânea, entretanto, logo percebemos que os adultos têm imensa dificuldade de compreender a nova geração de jovens, muitos deles seus próprios filhos. Andrew Solomon diz, em seu livro de 2012, “Longe da Árvore: Pais, filhos e a busca da identidade”, que não existe isso que chamam de reprodução. Quando duas pessoas decidem ter um bebê, elas se envolvem em um ato de “produção”, pois o uso generalizado da palavra “reprodução” é apenas um eufemismo para confortar os futuros pais antes que se metam em algo que não podem controlar. Essa concepção parece tão sedutora, porque muitas vezes os pais gostariam de se ver vivendo para sempre, isto é, contam com a garantia de que seus filhos sejam espelhos seus, acreditando que não vão morrer jamais. Filhos cujas características e personalidades aniquilam a fantasia da imortalidade são um insulto em particular, principalmente nos nossos tempos. 

Nunca, na história da humanidade, houve uma mudança de paradigma tão drástica que criasse tantos problemas sociais simultâneos e, embora seja verdade que a homofobia e o racismo, por exemplo, existam desde muito tempo, foi só na era moderna que começamos a debater como essas situações são extremamente urgentes, gerando uma nova onda de conservadorismo, principalmente de pessoas que cresceram durante os períodos mais turbulentos e preconceituosos da história. A transformação tecnológica acelerada está modificando nossas vidas e parece-me que nossos próprios pais não conseguem acompanhar os novos tempos. Não é culpa deles, pois a baixa escolaridade, a maneira que foram criados e a cultura da época talvez os impeçam de ser mais empáticos e compreensivos.

O problema, no entanto, não está em não compreender de imediato, pois tudo é um processo de aprendizagem, mas na dificuldade de aceitar essas realidades com empatia e naturalidade, não como algo monstruoso e inaceitável. Meus pais talvez nunca me aceitem como um homem gay, por pura ignorância ou por medo de não ser o filho ideal, mas, apesar disso, continuarei os amando na mesma intensidade de sempre, mesmo que para isso tenha que sacrificar e perder algumas coisas.

Se a infância foi marcada por alegria e aventuras improváveis, a adolescência, por sua vez, tornou-se escuro e enevoado, assim como Lost Woods. No entanto, no meio de toda aquela confusão absoluta, sempre existiu um lugar mágico esperando para ser visitado. A Korok Forest se tornou a minha fortaleza e eu a recriei no mundo real para me acolher. Apesar disso, também quis demonstrar que toda floresta sombria tem um propósito e que ela igualmente pode trazer conforto, possibilidades e aprendizagens inacreditáveis, se as pessoas em volta tiverem coragem e respeito para nos guiar.

Ao ligar meu Nintendo 3DS para jogar Pokémon ou Mario Kart, ainda consigo me lembrar dos momentos que passei naquele bosque secreto, do sabor delicioso de explorar aqueles mundos tão fantásticos e de me sentir autêntico e original. E, embora ainda hoje eu transite entre vários tipos de florestas, tenho convicção de que me tornei e estou me tornando um ser humano fascinante, não menos vulnerável, mas completo.

Encontre ou crie a sua própria floresta

Os primeiros dezoito anos de vida implicam diretamente na construção da nossa personalidade e dizem muito sobre os seres humanos que nos tornamos na juventude e na vida adulta. Portanto, se a infância e a adolescência forem períodos conturbados, é alta a probabilidade de sermos pessoas deprimidas, tristes e tímidas, mas caso, sejam temporadas prósperas e memoráveis, cresceremos com mais confiança e autoconhecimento sobre nossas próprias características individuais, vulnerabilidades e inseguranças.

Nada é perfeito e a todo momento estamos explorando lugares mais obscuros e outros mais calorosos, porém cada indivíduo absorve essas sensações de uma forma, ocasionando efeitos adversos e arbitrários, tudo dependendo das feridas que nele habitam. Algumas pessoas têm mais facilidade de lidar com suas próprias calamidades e se tornam adultos excepcionais, mesmo envoltas por tempestades. Outras, por sua vez, não têm a mesma propensão e seguem por caminhos inóspitos e brutais.

Não somos robôs e não possuímos todas as respostas que o mundo quer que saibamos aos oito, dez, quatorze ou dezesseis anos. Mal sabemos a direção a que devemos ir, por isso é preciso um olhar sensível, um novo tipo de cuidado para essas fases tão efêmeras que constroem e desconstroem a nossa identidade, para que não criemos bolas de neve sem controle que destroçam tudo o que vem pela frente.

E se hoje eu sou um jovem criativo, curioso e com uma imaginação capaz de curar o mundo, é porque a arte - e os videogames principalmente - me mostraram que mesmo nos dias mais lúgubres, em que nada parece fazer sentido, ainda existe algo em que acreditar. Cresci em um mundo que quase nunca me compreendia, principalmente meus próprios pais, mas em períodos de angústia e solidão, contei com uma franquia de monstrinhos de bolso apaixonante, lindos bosques mágicos para viver e criar uma realidade aconchegante e um importante portátil azul que me trouxe esperança e sensação de pertencimento. Eu me perdi, e ainda me perco, em Lost Woods, porém usualmente sempre consigo encontrar e criar florestas melhores, mais doces e esperançosas como a Viridian ou a Korok Forest.

É verdade que, constantemente, elas não são tão fáceis de localizar e estão espalhadas por aí em diferentes formas, com propósitos e significados próprios, mas há sempre um lugar para se pertencer. Essas florestas talvez sejam áreas perdidas em colinas longínquas, como também podem ser quartos e cômodos favoritos da moradia, casas na árvore, salas de cinema, bibliotecas, cafeterias e livrarias. Às vezes, se materializam no calor de um abraço com as pessoas mais importantes da sua vida, como amigos inseparáveis ou familiares. Outras vezes, estão situadas naqueles pequenos segundos que dançamos e pulamos sem parar ao ouvir uma música extraordinária ou quando corremos por aí sem rumo gritando nomes de Pokémon aleatórios e lembramos os momentos inesquecíveis da criança que fomos um dia.

Tudo é uma questão de perspectiva, de se permitir visualizar com delicadeza os pequenos detalhes à nossa volta e encontrar ou criar um bosque particular cheio das mais intocáveis histórias e possibilidades. Também é sobre entender que nem mesmo as muralhas desses lugares são resistentes o bastante para evitar que coisas ruins as penetrem. Em certas ocasiões, precisamos adentrar florestas mais sombrias e nos adaptar a elas, conhecê-las e explorá-las com coragem para prosperarmos com maior intensidade. E se tudo parecer inabitável, aguente firme aí, porque nada dura para sempre e inesperadamente você encontrará um lugar para chamar de lar.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Artes da capa: kimmuc (via tumblr) e @d4ggerfish (via Twitter)

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é entusiasta e apreciador de jogos com conceito artístico minimalista e narrativas de significado profundo. Acredita na potencialidade de cada experiência interativa e tenta extrair delas sentimentos humanos e existenciais. No GameBlast também escreve notícias, análises e especiais; no tempo livre produz roteiros autorais de séries e filmes. Criatividade, imaginação e curiosidade são algumas de suas características marcantes.
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