Análise: A Hero and a Garden (PC) é um modesto, doce e subversivo conto de fadas

Um jogo simples que oferece um bom contraponto à típica jornada do herói em contos de fada.

em 19/05/2022



Desenvolvido e publicado pela npckc, A Hero and a Garden (PC) oferece uma aventura que combina Visual Novel e Clicker em uma doce, singela e infantil ambientação de conto de fadas a fim de refletir sobre a premissa de oposição bem vs. mal nesse tipo de narrativa. Para tal, a estratégia dos desenvolvedores consiste em fazer o herói ser derrotado por uma bruxa e então ajudar a reconstruir a cidade dos monstros que ele atacou, passando também a perceber que essas criaturas não eram não perigosas quanto ele imaginava.


Uma história simples e carismática de conto de fadas, mas docilmente subversiva

O jogo da npckc conta a história de um herói loiro e de ascendência nobre com uma espada mágica que foi cumprir seu papel em conto de fadas ao tentar “resgatar” uma princesa e matar uma bruxa em uma cidade povoada por monstros. Felizmente, o herói foi derrotado. Felizmente porque nem os monstros, o “aprisionamento” da princesa e muito menos a bruxa eram o que ele pensava.

O herói é colocado sob uma maldição que o impede de falar mal da bruxa que protege a cidade e é incumbido de plantar frutinhas que só podem crescer sob os cuidados de humanos, as quais são úteis para os monstros. A venda dessas frutas resulta em dinheiro que, por sua vez, deve ser usado para reconstruir a cidade que o herói destruiu.




Nesta modesta obra, o conceito clássico de jornada do herói em conto de fadas é colocado de cabeça para baixo. No lugar de lutar, destruir e matar, o herói precisa plantar, reconstruir e alimentar e/ou curar os monstros com os quais vem a interagir. Monstros esses que possuem voz, sentimentos e pensamentos tais como os dos humanos, mesmo que o herói seja incapaz de percebê-los em um primeiro momento. Todavia, a execução dessa premissa leva a um ponto oposto questionável, onde os monstros são excessivamente dóceis e harmoniosos. O que é uma fraqueza especialmente visível no final, o qual é, além disso, um tanto apressado e previsível.

No decorrer da trama, o jogador descobrirá juntamente com o herói o quão pacífica é a cidade, as reais intenções da bruxa, o porquê de haver rumores ruins sobre a cidade, e o porquê da princesa querer permanecer naquele local por sua própria vontade. O subtexto também traz sutis reflexões sobre liberdade de escolha para o próprio destino e ofício na medida em que o roteiro faz o herói e a princesa se questionarem sobre o porquê eles devem cumprir as funções determinadas por seus pais.



Gameplay e audiovisual simplíssimos, mas simpáticos e funcionais para a proposta

O jogo traz um visual extremamente simplista, quase todo limitado a um cenário fixo para a colheita e outro para diálogos, além de traços simplórios, pouco expressivos e pouco variados dos personagens. Por um lado, isso é justificado pelo minimalismo em traços e design de determinados contos de fadas infantis. Contudo, há limitações também decorrentes de falta de orçamento, tempo, esmero e habilidade. Seria conveniente à proposta que o título proporcionasse visões mais amplas da cidade e do mundo, bem como uma maior riqueza nos cenários, no design dos personagens e em animação.

A música também é igualmente simples e pouco variada, mas é menos problemática, pois a proposta é tão singela e o jogo é tão curto (cerca de duas horas) — além de possuir apenas um modo “colheita infinita” de conteúdo pós-campanha — que a repetitividade não chega a ser muito incômoda. No mais, quanto às músicas de fundo, a escolha de timbre ao estilo de caixa de música lembra peças de ninar e combina com a estética da obra, bem como o tom doce, uniforme e sutilmente sentimental da harmonia empregada.







Do ponto de vista da jogabilidade, A Hero and a Garden intercala dois momentos de jogo: diálogos breves entre dois personagens (o herói e algum morador da vila) com raras escolhas sem grande impacto no design narrativo; e momentos de colheita. As ocasiões de colheita do herói consistem apenas em plantar (de forma permanente) cinco unidades únicas de arbustos em seu jardim, e então colher, por mecânica de point-and-click, seus respectivos frutos, os quais crescem em padrões únicos.

Os frutos obtidos, de diferentes tipos, são vendidos para moradores da cidade dos monstros por possuírem funções nutritivas e/ou medicinais. A encomenda e a entrega delas são as principais premissas para diálogos na trama, mas outra premissa comum também é a de visitas após uma obra na cidade ser concluída com o dinheiro doado pelo herói, trazendo comentários sobre a recepção do setor reformado da cidade. Infelizmente, as poucas escolhas durante a construção de laços com os personagens não são exploradas no roteiro.




Não há qualquer desafio no processo de colheita em si, basta clicar nas frutinhas para colhê-las. O jogador conta com auxílio quase inútil de um morceguinho para colhê-las, bem como o uso de cestas que ocasionalmente podem ser utilizadas para colher todos os frutos dos arbustos de uma só vez. No início, há apenas um arbusto, com seu respectivo tipo de fruto, mas depois isso vai progressivamente aumentando até os cinco arbustos estarem no jardim.

Apesar do conceito do jardim e da baixa dificuldade serem coerentes com a proposta pacífica, doce e despretensiosa do jogo, seria interessante para o projeto se houvesse ao menos um pouco mais de desafio envolvido, inclusive para o jogador sentir um esforço mais significativo por parte do herói. Além disso, a progressão final da colheita não foi bem planejada, de modo que, nos momentos finais, o jogador possui encomendas de apenas dois arbustos enquanto já conta com centenas de frutinhas dos outros tipos, caso não tenha parado de colhê-las.



Uma aventura simplória, mas bem honesta, coerente e subversiva de uma forma doce e aconchegante

Embora muito rudimentar em seu gameplay, bem como simplista demais em sua estética, mesmo dentro do ponto de vista de sua singela proposta, A Hero and a Garden (PC) é coerente nas suas principais escolhas de design e, acima de tudo, tem premissas bem pensadas e executadas de forma elegante, sensível e delicada. Só é uma pena que mesmo na narrativa, onde é seu ponto forte, também faz falta uma maior elaboração dos diálogos, do desenvolvimento dos personagens e de seu mundo.

Prós

  • Design coerente em estilo visual, música de fundo e premissa de gameplay;
  • Interessante proposta de enredo subversiva em conto de fadas com uma execução narrativa carismática, sensível, doce e delicada.

Contras

  • Mesmo considerando sua modesta proposta geral, a jogabilidade é simplória demais em level design e explora pouco suas mecânicas para sua proposta;
  • Embora o minimalismo artístico seja justificado até certo ponto, a cenografia é pouco diversa e o design dos personagens é pouco detalhado e dinâmico;
  • Com exceção do protagonista, os demais personagens são pouco desenvolvidos na trama e no mundo em que estão inseridos;
  • A narrativa aproveita pouco os recursos de diálogo e tem um fraco desfecho.
A Hero and a Garden — Switch/PC — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela npckc
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Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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