Xbox 20 anos: a história e o legado do primeiro console da Microsoft

O mais poderoso da sexta geração


A sexta geração de videogames foi dominada de forma incontestável pelo PlayStation 2, mas isso não significa que não haviam concorrentes de extrema qualidade; o Dreamcast da Sega, o GameCube da Nintendo e, entre eles, um aparelho de uma marca estreante, muito mais poderoso que seus pares, mais parecido com um PC do que um videogame: o primeiro Xbox, que acaba de completar 20 anos.

Entrando na briga

O negócio da Microsoft esteve mais ligado a softwares para microcomputadores, uma área que sempre teve uma relação íntima com videogames. O primeiro grande sucesso da empresa nessa área foi o simulador de voo Microsoft Flight Simulator, de 1982. A divisão de games da empresa também foi responsável por outros sucessos para PC, como Age of Empires, e até hardwares de excelente qualidade como a linha de controles Sidewinder.

Em meados dos anos 1990, ocorreu uma mudança na filosofia do design de jogos, que passaram do 2D para o 3D com gráficos poligonais, área em que o console PlayStation, da Sony, se destacou. No mundo dos PCs, surgiram diversas placas gráficas chamadas “aceleradoras de vídeo”, que aumentavam em muito a capacidade das máquinas para processar gráficos em 3D.
O futuro estava nos jogos 3D!
Como havia diversos fabricantes e padrões de placas de vídeo, era um pesadelo para os programadores desenvolver jogos para PC, pois eram obrigados a criar códigos que deveriam ser compatíveis com diversos padrões diferentes. A Microsoft resolveu esse problema com uma ferramenta chamada DirectX, que unificava um conjunto de soluções para a criação de jogos em 3D e foi prontamente adotada pelo mercado.

A Microsoft decidiu aproveitar a experiência para ingressar de vez no mercado de consoles. Primeiramente, conseguiu fechar uma importante parceria com a Sega, fornecendo o sistema operacional do Dreamcast, uma versão customizada do Windows CE. Também tentou uma aproximação com a Sony, propondo uma parceria na qual a Microsoft forneceria ferramentas de software e a Sony ficaria encarregada do hardware. A empresa japonesa rejeitou a ideia.
A parceria da Sega com a Microsoft vem de longa data
Com a saída da Sega do mercado de consoles e a recusa da Sony em fechar uma parceria, a Microsoft resolveu entrar na briga com um console próprio. Internamente, havia duas equipes diferentes que disputaram qual deveria ser o rumo da empresa para os consoles domésticos. Uma delas apostava no Windows CE e uma arquitetura mais próxima a um console tradicional, enquanto a outra preferia um sistema novo e dedicado, com base em soluções DirectX e uma arquitetura baseada nos PCs.

Ambas as equipes apresentaram seus projetos para as lideranças da Microsoft, que deram preferência à equipe DirectX, pela familiaridade da empresa com a arquitetura PC, a possibilidade de armazenar jogos em HD e a facilidade de portar jogos dos computadores para o novo equipamento.

Pensando dentro da caixa

O nome Xbox, apelido provisório do projeto, derivado de “uma caixa que roda DirectX”, não agradava à Microsoft, que tentou bolar um nome melhor em várias reuniões. Foram cogitados outros nomes horríveis, como WEP (Windows Entertainment Project), Microsoft AIO (All In One), MAX (Microsoft Action Experience), E2 (Extreme Experience), FACE (Full Action Center), VPS (Virtual Play System) e IS1 (Interactive System in One). Em todos os questionários com jogadores e consultorias internas, o nome Xbox prevalecia, como sendo o mais agradável — ou o menos pior — entre as opções, e o console acabou nomeado com seu primeiro apelido.
 
 
O protótipo do Xbox foi apresentado na GDC (Gamers Developers Conference) em março de 2000, onde foi exibido um gabinete em formato de X com uma bolha ao centro. Pouco convencional, pouco prático, mas bastante chamativo sem dúvida. A versão final do Xbox foi apresentada na CES (Consumer Electronic Show) de 2001. Como Bill Gates era um pouco desajeitado, a apresentação contou com a participação de Dwayne Johnson, The Rock, que trouxe seu carisma para o evento. O lançamento oficial ocorreu alguns meses depois, em 15 de novembro de 2001, nos Estados Unidos.

O X da questão

Como a Microsoft não era experiente no desenvolvimento de hardware para consoles, apostou naquilo que conhecia como a palma de sua mão: a arquitetura dos PCs. O Xbox é, basicamente, um PC com processador Pentium III e placa de vídeo Nvidia, um conjunto vastamente superior aos concorrentes da sexta geração, mas também muito maior.

Foi também o primeiro console a ter um HD interno, que possibilita o armazenamento de jogos e saves. Enquanto outros aparelhos dependiam de discos ou cartuchos, o sistema da Microsoft era revolucionário por permitir o armazenamento de jogos baixados digitalmente, além de eliminar a necessidade de cartões de memória para salvar os progressos dos jogos.

Literalmente, um PC num gabinete de console

Todo console da sexta geração tem capacidade de se conectar à internet, mas o Xbox já foi concebido com o suporte mais avançado da época para a nova tecnologia. O aparelho vinha com suporte nativo à internet de banda larga e conector de cabo ethernet embutido, enquanto os demais utilizavam rede discada ou dependiam de adaptadores externos.

Mas o principal diferencial era o serviço Xbox Live, que dava suporte unificado para jogatinas online, comunicação entre jogadores e possibilidade de baixar jogos diretamente dos servidores Microsoft. Esse foi um modelo que serviu como referência e acabou sendo implementado pela concorrência muito tempo depois, como a PSN e a eShop.

Outra inovação foram os controles com analógicos assimétricos, perfeitos para jogos de tiro como Halo, um design que é utilizado até hoje, inclusive pela concorrente Nintendo e diversos fabricantes como Razer, Hori, PowerA e Turtle Beach. Os controles com fio introduziram o snap cable, um conector que protege o cabo do controle, desconectando-o caso seja puxado de forma repentina, um sistema que já salvou meus equipamentos várias vezes.

O Dreamcast reencarnado

Lançado alguns meses depois do encerramento da produção do Dreamcast (31 de março de 2001), o Xbox herdou muitas características do console da Sega. O design dos controles é bastante parecido, a começar pelo tamanho gigante, os botões coloridos, a disposição ABXY (em posição invertida à da Nintendo) e os slots para expansão na parte superior do controle.
Copia, mas não faz igual!
Pelas fotos, o controle Duke parece um trambolho pesado, mas na realidade é surpreendentemente confortável e leve, mesmo que sua aparência não passe essa impressão. A jogabilidade do Duke ainda pode ser experimentada em equipamentos contemporâneos, pois está disponível no mercado o Hyperkin Duke, uma recriação muito fiel ao original, compatível com PC, Xbox One e Xbox Series.

Além do hardware, boa parte da biblioteca do Dreamcast foi transferida para o estreante da Microsoft. Ótimos títulos, como Crazy Taxi, Panzer Dragoon Orta, Shenmue II e Jet Set Radio, tiveram vida nova no lado verde da força.

Porém, mesmo com todo o apoio da Sega, o tamanho avantajado do console e do controle não agradaram ao público japonês, que culturalmente prefere designs mais limpos e compactos. Comparando com o GameCube e o PlayStation 2, os japoneses consideravam o Xbox grande e desajeitado. Para tentar remediar a situação, a Microsoft desenvolveu um controle mais compacto, voltado especialmente para aquele mercado.

O Controller S, desenvolvido para o mercado japonês e logo adotado no mundo todo

Além disso, a biblioteca de jogos do Xbox focava em jogos de tiro e esporte, gêneros que têm pouco apelo para o público nipônico. Outro fator extremamente relevante é o nacionalismo do consumidor japonês, que sempre dá preferência para consoles de empresas conterrâneas, e mesmo o Atari nunca foi um grande sucesso por lá. Para os japoneses, o Xbox era um console estrangeiro, com jogos estrangeiros, que estava sendo empurrado para eles por uma empresa bilionária, estigma que foi herdado pelos sucessores Xbox 360, One e Series.

Prejuízo calculado

Mesmo fracassando no Japão, o Xbox teve boa aceitação no resto do mundo, especialmente nos Estados Unidos. Considerando o hardware parrudo, era de se esperar que seria um aparelho caríssimo, mas não foi o que aconteceu: era vendido por 300 dólares, um preço em linha com seus contemporâneos.

Acontece que cada unidade custava 425 dólares para ser fabricada, ou seja, a Microsoft arcava com um prejuízo de 125 dólares para cada aparelho vendido. No final da geração, a Microsoft acumulou um prejuízo de 4 bilhões de dólares. Parece um negócio desastroso, que teria feito qualquer empresa desistir do mercado, mas não é o caso aqui.
A Microsoft aumentando a base instalada
A Microsoft é uma das maiores empresas do mundo, cujas principais fontes de renda vêm do pacote Office, do sistema operacional Windows e suas aplicações de rede. Ela estava disposta a se consolidar no mercado de videogames e tinha dinheiro à vontade para isso. O objetivo do primeiro Xbox não era obter lucro, mas sim expandir a base instalada.

A venda de consoles abaixo do preço de custo é uma prática relativamente comum na indústria dos games, pois, uma vez que a base instalada é grande o suficiente, é possível reverter o prejuízo dos consoles com a venda de jogos e serviços. Esta prática é utilizada ainda hoje com o Xbox Series X, que foi lançado com preço menor que o custo de fabricação.

Jogos marcantes

A lineup do Xbox não foi nada má, contando com três ótimos títulos de lançamento: Halo: Combat Evolved (XBOX), Project Gotham Racing (XBOX) e Dead or Alive 3 (XBOX), todos eles com mais de um milhão de unidades vendidas. No total, o Xbox recebeu cerca de mil títulos e, embora pareça bastante, é pouco perto dos quatro mil títulos do concorrente PS2. Mesmo assim, quando um jogo estava disponível em diversas plataformas, frequentemente a versão do console da Microsoft era a melhor, dada a superioridade do hardware.

Vamos a uma rápida lista de jogos marcantes:

Halo: Combat Evolved
Gênero: tiro em primeira pessoa
Definitivamente o título que moldou a plataforma Xbox e o gênero dos jogos de tiro em primeira pessoa para consoles. Sucesso do público e da crítica, nesta aventura você encarna Master Chief, um super soldado geneticamente melhorado que precisa defender a humanidade contra a ameaça dos Covenant, enquanto descobre os segredos de Halo, um planeta artificial em forma de anel. É o segundo jogo mais vendido da plataforma, sendo superado apenas por sua sequência, Halo 2 (XBOX).
O jogo que definiu a plataforma Xbox
Dead or Alive 3
Gênero: luta
Cada console tem seu jogo de luta marcante, e Dead or Alive 3 é o representante do primeiro Xbox. O jogo de luta da Tecmo utilizou o hardware superior para apresentar um jogo extremamente bonito, muito mais fluido que seu antecessor e com as mesmas mecânicas ágeis de contra-ataques e sistema de combos, além das belíssimas lutadoras em seu elenco.

Dead or Alive: Xtreme Beach Volleyball
Gênero: esporte (vôlei) e date sim
Falando nas belíssimas lutadoras de Dead or Alive, aqui elas se enfrentam novamente, não nas arenas de lutas, mas sim nas areias das quadras de vôlei nas praias da Zack Island. Ainda que polêmico devido às físicas corporais das personagens, é um jogo de esporte bastante divertido e competente, que rende ótimas partidas entre amigos.
Óbvio que jogamos pelo amor ao esporte!
Fable
Gênero: RPG de ação
Nesse interessante RPG que deu origem à série de mesmo nome, vivemos o papel de um garoto que teve a família dizimada em um ataque de bandidos. Um velho herói o resgata e, vendo potencial no garoto, treina-o como um guerreiro. As escolhas feitas pelo jogador influenciam na aparência do personagem e na forma como outros habitantes o tratam.
 
Ninja Gaiden Black
Gênero: ação e aventura
Uma excelente recompilação de Ninja Gaiden (XBOX), uma aventura em que vivemos as aventuras do extraordinário ninja Ryu Hayabusa, passada no mesmo universo de Dead or Alive, com missões de infiltração em fortalezas ninja e uma jornada de vingança contra os líderes do Vigoor Empire.
Ninja Gaiden Black: lindo e difícil
Project Gotham Racing
Gênero: corrida arcade
Outro exclusivo disponível no lançamento do console, com gráficos absurdamente incríveis para a época e que, diferentemente de outros jogos de corrida, o objetivo não é chegar em primeiro lugar, mas sim conseguir pontos (chamados de Kudos) cumprindo requisitos para passar para a próxima fase, como ultrapassar um certo número de NPCs ou fazer drifts em alta velocidade.
 
Forza Motorsport
Gênero: simulador de corrida
O título que deu origem a uma das mais aclamadas séries de corrida da atualidade e um dos principais exclusivos de Xbox. Focado no realismo, possui mais de duzentos modelos de carros licenciados, divididos em nove classes, e pistas do mundo real como Silverstone, Laguna Seca, Nürburgring e Road Atlanta. 
Forza Motorsport: o primeiro de uma série de sucesso
SSX 3
Gênero: esporte (snowboard)
Um alucinante jogo de snowboard da EA, que também foi lançado em outras plataformas (até no Game Boy Advance), mas era muito mais fluido e bonito no Xbox. Ambientado em uma montanha fictícia, é possível optar entre vários esportistas, ganhar competições e fazer truques para ganhar dinheiro, que pode ser usado para comprar atributos, roupas, equipamentos e músicas.
 
Star Wars: Knights of the Old Republic
Gênero: RPG
Considerado um dos melhores jogos de Star Wars de todos os tempos e o primeiro RPG para a saga, possui regras similares às dos RPGs de mesa e combate em turnos, com número de ações limitado por turno. As ações do jogador podem conduzi-lo para o lado da luz ou pelo lado sombrio da Força, cada qual com consequências nos poderes e aparência do personagem.
Star Wars: Knights of the Old Republic: tão bom que faz sucesso até hoje
The Elder Scrolls III: Morrowind
Gênero: RPG de mundo aberto
O antecessor do aclamado Skyrim é um RPG de mundo aberto sofisticado e vasto, que só foi possível nos consoles devido ao poderio do hardware do Xbox. A história se passa em Vvardenfell, uma ilha na província de Morrowind, lar dos Dark Elves, em que a entidade Dagoth Ur busca livrar o território do regime imperial.

Marquei um X no seu coração

O Xbox terminou a geração no segundo lugar em vendas. Vendeu muito menos que o PS2, claro, mas fez muito bonito como estreante, superando as veteranas Nintendo e Sega em seu próprio segmento de mercado.

A estreia da Microsoft nos consoles com certeza deixou um belo legado e modificou para sempre a indústria dos games. Seus controles com analógicos assimétricos e a incrível jogabilidade de Halo mostraram ao mercado o padrão que deveria ser seguido por todos os FPS dali para frente. Forza Motorsport iniciou a série que desbancaria o reinado absoluto de Gran Turismo nos simuladores para consoles.
Pra você nunca me esquecer...
O excelente serviço da Live, com a possibilidade de baixar jogos e gravá-los em um disco rígido interno, foi adotado como padrão nas gerações seguintes, que passaram a incluir serviços de comunidade em suas plataformas, bem como a possibilidade de salvar jogos sem a necessidade de cartões especiais.

O primeiro Xbox iniciou uma linha de consoles que segue até hoje como uma das principais concorrentes no mercado e encerrou a sexta geração, derrubando de vez a fronteira entre consoles e PCs.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

é engenheiro eletrônico e tem uma filha fofinha que tenta morder os controles do papai. Curte jogos de luta, corrida e ação.
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