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Análise: Blue Reflection: Second Light (Multi): garotas mágicas, memórias e laços

Novo RPG da Gust faz um excelente trabalho em cima do gênero mahou shoujo.

Blue Reflection: Second Light
é um RPG desenvolvido pela Gust, empresa mais conhecida pela franquia anual Atelier. Second Light serve como continuação do título de PS4 e PC Blue Reflection, lançado originalmente em 2017. Apesar de ter algumas relações com a narrativa de seu antecessor e com o anime Blue Reflection Ray, temos um jogo que conta uma história que é satisfatória em si mesma e não depende do conhecimento prévio da série.

Um outro mundo?

Tudo começa com a chegada de Ao Hoshizaki a uma escola. Porém, esta não é uma daquelas clássicas histórias de alunas transferidas. Em um momento, ela estava pegando seu celular no chão, no seguinte, estava lá nesse ambiente familiar e ao mesmo tempo incompreensível. Afinal, apesar do prédio ser uma escola, ela e as moradoras daquele lugar estavam totalmente isoladas. Cercadas de água por todos os lados, apenas Ao tem memórias de antes de ser transportada para essa nova realidade.

Junto com Ao, inicialmente temos Kokoro, Rena e Yuri. As três já viviam na escola e conseguiam se manter bem. A chegada de Ao, porém, começa a trazer mudanças. Juntas, elas começam a se questionar sobre onde estão, os seus passados e a verdade por trás de tudo. Investigando áreas chamadas de Heartscapes, essas personagens terão a chance de recobrar suas memórias, encontrar novas aliadas e desvendar o grande mistério do que está acontecendo.

Os Heartscapes são compostos por ambientes inspirados na realidade moderna, mas cuja disposição espacial é estranha. Eles são representações mentais de memórias importantes para as personagens e, como tal, apresentam distorções de perspectiva que chamam a atenção. Seus elementos são muitas vezes simbólicos, mas ao invés de uma disposição ordenada, é como um sonho ou um registro do subconsciente.

Explorar esses ambientes é uma bela experiência e a história opta por ser prioritariamente intimista. Memórias estão espalhadas e o jogador pode interagir com elas para ver trechos do passado das personagens que se desenvolvem utilizando silhuetas e efeitos que dão o ar de uma realidade do passado aos eventos. A exploração também é marcada por trechos escritos dessas lembranças aparecendo pelo caminho, um detalhe artístico interessante, mas que pode ser ocasionalmente complicado de ler por pouco contraste com o fundo.

Vale destacar que esse aspecto mais intimista não significa que não haja elementos mais amplos para a narrativa, mas boa parte da história são as jornadas pessoais de cada personagem. Ao mesmo tempo, a busca por entender o que realmente está acontecendo movimenta a trama de uma forma envolvente, dando ao jogador tempo para formular suas teorias e se envolver emocionalmente com suas parceiras.

É hora da sequência de transformação

Uma coisa que chama atenção na série é que Blue Reflection segue o gênero mahou shoujo. Com a ajuda de certos anéis, as personagens conseguem ativar poderes especiais para lutar contra demônios que habitam os Heartscapes. Isso inclui sequências de transformação, elemento tradicional do gênero, com as personagens trocando de roupa, em geral para modelitos fantasiosos com uma pegada edgy.

O sistema de combate favorece esse conceito utilizando uma mecânica peculiar de Gears. Primeiramente, é importante destacar que os turnos seguem um esquema similar ao ATB da série Final Fantasy, ou seja, existe um elemento de tempo real na sua ativação, assim como a duologia Atelier Ryza. Uma linha do tempo compartilhada entre aliados e inimigos é mostrada no canto inferior direito, facilitando a visualização de quem terá acesso ao seu turno e o planejamento de ações.

Cada personagem tem sua própria velocidade de absorção de éter, elemento necessário para usar ataques ou itens. Cada ação gasta uma certa quantidade dele, sendo que as ações mais básicas custam 1000 pontos. Ao alcançar essa quantidade mínima, é possível usar um ataque único, mas será necessário esperar o tempo da animação antes de usar um novo golpe. Outra possibilidade é acumular mais éter, o que, além de habilidades mais poderosas, permite usar múltiplos ataques consecutivos.

Nesse sentido, o gear (que vai de 1 a 5) de cada personagem implica o valor máximo de éter que pode ser acumulado. No início do combate esse limite é menor, mas o uso de habilidades vai levando ao aumento do gear. Isso fortalece e altera os efeitos dos golpes, além de desbloquear habilidades mais poderosas. Ao alcançar nível três, a personagem se transforma e com ainda mais poder é possível utilizar ataques especiais caso o jogador desbloqueie essa função.

Além de uma variedade de condições tradicionais de RPGs como paralisia, cegueira e envenenamento, um aspecto fundamental do jogo é a possibilidade de knockback e knockdown. Já presentes também em títulos da série Atelier, esses efeitos são bastante relevantes ao se pensar no fluxo de turnos do combate. O knockback é um efeito mais comum que causa um pequeno adiamento do turno do adversário. Conforme o inimigo recebe múltiplos golpes, ele pode ser atingido pelo knockdown, que o deixa completamente impossibilitado de agir e mais vulnerável aos ataques. Porém, isso também pode afetar as aliadas de forma bem problemática, já que implica também no retorno ao primeiro gear, um efeito que pode dificultar muito a batalha.

Ataques consecutivos também levam ao aumento de um contador de combo, o que pode ser usado para fortalecer os ataques especiais previamente mencionados. Esse elemento também é bastante relevante em algumas seções de combate chamadas One-on-One Fights. Como o nome já indica, esses são trechos de duelo entre uma das garotas e um dos inimigos (normalmente, chefes).

Todo o resto do combate é deixado temporariamente de lado e cabe ao jogador manter um bom ritmo de golpes até esgotar o prazo. São quatro opções de ação que incluem um ataque básico, desviar, contra-atacar e utilizar uma habilidade de suporte. É possível ver quando o inimigo irá atacar, sendo importante planejar as ações de acordo para evitar tomar dano e acumular o combo. Com um certo número de ataques consecutivos bem sucedidos, um ataque especial é liberado ao fim do duelo.

Além das três personagens ativas em combate, é possível contar com a ajuda de uma aliada de suporte. Essa quarta garota também pode utilizar itens e pode trocar de lugar com uma das outras aliadas. Além disso, apesar de não poder atacar, ela pode ativar automaticamente efeitos de cura e suporte que variam de acordo com a personagem.

Para batalhas contra inimigos comuns, é normal que o jogador não tenha acesso aos aspectos mais detalhados do combate. No entanto, os encontros contra chefes e inimigos mais complexos valorizam as estratégias do jogador. Oferecendo a sensação de um combate que demandou esforço, o sistema consegue representar bem a perspectiva de um show de garotas mágicas.

Aprofundando os laços

Fora do combate, o jogo foca bastante na vida das personagens dentro da escola. Apesar delas não terem que estudar, a vida delas não é apenas brigar com monstros. A jovem Ao aproveita seu tempo livre interagindo com as suas amigas e fortalecendo as suas relações. Uma das possibilidades para se tornar mais íntima é sair em encontros por várias localidades da escola. Com cenas de diálogo ao final, esses eventos permitem conhecer mais detalhes mundanos sobre as personagens.

A interação com as personagens também implica em pontos de talento, que podem ser gastos para obter novas técnicas. Elas incluem poderes passivos que melhoram a atuação em combate, golpes e habilidades de suporte novos, assim como outros efeitos ligados à mecânica de crafting. Mesmo personagens que não podem ser utilizadas em combate, como Yuki, podem fortalecer drasticamente as suas aliadas com os talentos disponíveis.

Para obter pontos de talento, também é possível realizar side quests para as personagens. Essas missões incluem tarefas como obter itens, derrotar inimigos, criar objetos e mobílias para a escola ou até mesmo simplesmente ir a um determinado ponto da escola. Porém, vale destacar que algumas delas implicam no uso de stealth. Essas missões demandam que o jogador se esgueire pelas áreas e, caso seja detectado, terá que voltar desde um determinado checkpoint, que pode ser o início da área no pior dos casos. Infelizmente, elas são apenas um tédio e não aproveitam de nenhuma forma o que faz um sistema de stealth interessante, apenas permitindo que o jogador veja a área de visão do inimigo sem ter nenhuma habilidade interessante nem permitindo combate em caso de falha.

Outro aspecto da vida cotidiana das personagens é a criação de itens, um elemento já tradicional de jogos da Gust. Aqui é possível fazer comidas para restaurar vida em combate, criar ferramentas para abrir áreas específicas, entre outras coisas. Porém, ao invés dos sistemas mais elaborados de Atelier, temos aqui uma mecânica simples em que basta escolher os materiais e quais pessoas irão trabalhar na criação. A escolha de personagens impacta em efeitos específicos que podem adicionar pequenas variações nos itens, como boost de ataque ou mais cura.

Além dos itens, há também uma mecânica de construção de base. O sistema de criação é similar, mas ao final é necessário posicionar o objeto nas áreas externas da escola. Também é possível realizar upgrades ao custo de itens específicos como madeira, vidro, combustível e afins. Cada nova instalação pode afetar os atributos das personagens em combate ou ter algumas funções mais específicas. Algumas delas podem ser desativadas sem retirar o objeto do lugar e determinadas combinações (ex: uma cadeira de praia e uma barraquinha) implicam em efeitos adicionais.

Um RPG belo e envolvente

Blue Reflection: Second Light é mais um RPG de boa qualidade da Gust e da Koei Tecmo. Explorando as jornadas pessoais de um grupo de garotas mágicas, a obra oferece várias formas de conhecer mais a fundo as suas perspectivas e realidades. Com suas várias mecânicas bem executadas, exceto pelo stealth ocasional, o gameplay consegue transportar o conceito de mahou shoujo e de slice of life de uma forma que deve divertir bastante os fãs dos gêneros.

Prós

  • Ambientes atípicos que representam memórias íntimas das personagens;
  • Combate em tempo real que valoriza as estratégias do jogador;
  • Sistema de interação (dates) permite conhecer mais a fundo as aliadas e traz benefícios para o combate e o crafting;
  • Sistemas simples e intuitivos de criação de itens e instalações para a escola;
  • Mistério envolvente.

Contras

  • Missões furtivas são entediantes e mal planejadas;
  • Frases soltas no meio dos ambientes podem ser difíceis de ler.

Blue Reflection: Second Light — PC/PS4/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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