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Análise: Backbone (Multi) e a fórmula para tornar um jogo decepcionante

Com uma proposta muito promissora, aqui a experiência só consegue ser algo entre medíocre e ruim.


Começo esta análise com aquela sensação de que fui inocentemente comprado pelo trailer que fecha este texto. A proposta de ser um detetive particular em um mundo distópico habitado por animais antropomórficos em uma história com nuances de noir foi o detalhe que me fisgou em Backbone.


Mesmo tendo visto algumas das repercussões negativas que o game andou recebendo na época em que eu ainda o jogava, isso acabou me deixando mais curioso sobre o título da EggNut — afinal, o pessoal poderia ter criado expectativas da mesma forma que eu e acabaram recebendo outra coisa. Para minha decepção, acabo tendo que concordar com a maioria das opiniões negativas sobre o jogo. Mas nem tudo foi tão ruim assim.

Sente-se! Do que você precisa?

Estamos em uma versão distópica de Vancouver, onde a população é composta por mamíferos antropomórficos de diversas espécies, exceto a humana. Em um apartamento velho e decadente, literalmente caindo aos pedaços, o guaxinim Howard Lotor divide no mesmo espaço o sofá onde dorme com a mesa onde atende clientes para oferecer seus serviços como detetive particular. Boa parte dos casos que ele investiga são de ordem conjugal, e naquele dia não foi diferente quando Odette Green revelou os motivos de querer contratar seus serviços.


Ela desconfia que seu marido esteja traindo-a e Howard prontamente se compromete a dar o seu melhor para investigar a situação, já que é o tipo de caso com o qual ele está acostumado a lidar. Sua principal pista o leva até uma badalada e exclusiva boate em Granville, um dos bairros mais populares de Vancouver, e que dizem ser um frequente ponto de visitas do marido de Odette.

Com a ajuda de alguns contatos de confiança duvidosa, Lotor consegue entrar em cantos secretos do local e descobre que Clarissa Bloodworth, uma ursa socialite, um dos mais influentes nomes da cidade e dona do estabelecimento, está envolvida em um esquema macabro de canibalismo. Howard encontra seu homem, mas ele já estava sendo preparado para ser o prato principal daquela noite.


Esta reviravolta no caso coloca Howard na mira dos seres mais perigosos da cidade, e sua vida agora está em risco simplesmente por saber demais. O destino coloca uma inesperada ajuda no caminho do guaxinim, na forma da repórter investigativa Reneé Wilson, uma sedutora raposa que sempre desconfiou da influência de Clarissa na alta sociedade da metrópole. Juntos, Howard e Reneé começam a investigar a fundo até onde esta perturbadora história pode chegar.

Um point and click moderno

Backbone traz uma experiência que nos captura, à primeira vista, em sua estonteante direção de arte. Gosto bastante da estética pixel art de um modo geral, mas o que a equipe da EggNut fez em Backbone é facilmente uma das mais incríveis que eu já vi nos últimos tempos. Sinceramente, não me recordo de algum outro título que tenha apresentado algo com essa estética e que tenha me impressionado tanto quanto o que vi no game.


Cada bairro que visitamos é cheio de detalhes e vida, com cidadãos andando pelas calçadas, conversando à porta de uma loja, fumando durante o intervalo do trabalho ou vendendo mercadorias. A iluminação e a movimentação do cenário nos convidam a mergulhar na tela e andar junto com Howard durante sua investigação.

A forma como interagimos com este universo é bastante semelhante aos saudosos point and clicks que foram febre nos PCs durante as décadas de 1980 e 1990. Ao invés de usar o mouse, guiamos o protagonista para adentrar nas lojas e casas e conversar com os cidadãos para conhecer suas histórias e coletar objetos e informações que nos ajudem no caso.


Em alguns momentos, principalmente nos dois primeiros atos do game, temos algumas seções simples de plataforma para acessar áreas distintas e de stealth para guiar o detetive sem que ele seja pego pelos inimigos. Conforme adquirimos itens e informações, é possível checar em um menu os principais objetivos a serem cumpridos, com base no que sabemos por meio da conversa com os outros personagens.

Tudo isso acontece na companhia de uma trilha sonora cativante e muitas vezes perfeita em determinados momentos, com cenas de destaque durante a trama. Foram pontos que me impactaram na imersão em Backbone.

Um potencial desperdiçado

Por enquanto, fica até estranho pensar que essa fórmula não funcionou. Bom, não adianta de nada ter os melhores ingredientes se você não souber como usá-los ou não seguir a receita, não é mesmo? Fazendo uma analogia gastronomicamente grosseira, temos aqui um bolo muito bem confeitado e chamativo, mas com gosto de nada e sem recheio por dentro.


O primeiro grande problema é o gameplay, que simplesmente abandona tudo o que apresentou em seus atos iniciais. A exploração começa a se tornar cada vez mais rara à medida que a história cai no marasmo da linearidade. Os diálogos, que não influenciam em praticamente nada no andamento da história, perderam seu valor quando percebi que independentemente do tipo de abordagem que eu venha a fazer com alguém, o resultado será o mesmo.

Um exemplo está em determinada cena, na qual estamos conversando com uma criança. Não importa se eu tratá-la bem ou não, já que o desfecho não vai mudar e eu vou obter a informação que já está roteirizada no jogo, de um jeito ou de outro. Em alguns poucos casos, a forma como abordamos os outros personagens só tem valor para a obtenção de conquistas e troféus dependendo de como agimos com eles.

Por falar em roteiro, a história, que até então se mostrou um dos pontos mais fortes da experiência de Backbone, possui uma reviravolta tão absurda que chega a não fazer sentido. É como se o autor da primeira metade da história fosse um apaixonado por romances policiais e na segunda metade outro autor assume e passa a escrever um thriller de ficção científica. E não é exagero da minha parte: o negócio realmente toma esse rumo, trazendo um sentido literal para o título do jogo.


Isso levou ao empobrecimento dos personagens e desvirtuou a narrativa de um jeito que te faz até questionar se o que você está jogando ainda é Backbone. Nem a ótima trilha sonora salva em alguns momentos, com cenas sem o impacto necessário que seria proporcionado por esse elemento. Dito isto, todo o resto cai em um abismo de banalidade que me levou a querer terminar a campanha só pela obrigação de fazê-la para redigir esta análise. Felizmente, não levou muito tempo para que eu concluísse os cinco atos do game.

A curta duração, apesar de não ser algo que eu curta nesse tipo de jogo, veio bem a calhar desta vez. A tortura de ver algo com um potencial tão bom derretendo na minha frente conforme eu jogava finalmente chegou ao fim.

Bela frustração

Reforço novamente os elogios que fiz à direção de arte do jogo, um de seus aspectos mais poderosos. Fora isso, o roteiro sem pé nem cabeça — ou com um pé e outra cabeça — e o abandono de elementos de gameplay que poderiam ser bem melhor aproveitados deixam a experiência de Backbone, de um modo geral, decepcionante e digna de ser guardada como uma memória ruim.

Prós

  • Visual em pixel art extremamente detalhado e bem-feito;
  • Trilha sonora com ótimas faixas;
  • Gameplay simples;
  • Uma atualização recente adicionou suporte para o português brasileiro.

Contras

  • O roteiro começa excelente, mas depois toma um rumo que bagunça a história, empobrece o elenco e se torna muito linear
  • Bons elementos de gameplay são abandonados no decorrer da história;
  • Sistema de diálogos mal-aproveitado;
  • Curta duração.
Backbone — PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 5.5
Versão utilizada para análise: PlayStation 4
Revisão: Davi Sousa
Análise feita com cópia digital cedida pela Raw Fury

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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